Falas femininas em Pretextos de Mulheres Negras

Maria de Fátima Moreira Péres*

Pretextos de Mulheres Negras é uma antologia que reúne a escrita poética e autobiográfica de vinte e duas jovens negras, pouco ou quase nada conhecidas – duas estrangeiras, Queen Nzinga (Costa Rica) e Tina Mucavele (Moçambique) – e as demais paulistas. Com o apoio do programa VAI – Valorização de Iniciativas Culturais, da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo –, elas lançaram em 2013 a publicação, que conta, também, com ilustrações marcantes de Renata Felinto e o projeto gráfico de Nina Vieira, cuidadosamente elaborado e envolvente.

No início de junho de 2016, entrevistei uma das organizadoras do coletivo literário, a escritora Elizandra Souza e, segundo ela, o livro Pretextos de Mulheres Negras foi acontecendo aos poucos. A organização da antologia não foi um processo automático ou corriqueiro, na qual as escritoras enviaram simplesmente seus textos. Antes, tiveram vários encontros e piqueniques colaborativos no Parque do Ibirapuera, em São Paulo para produzir e acompanhar o processo de criação do livro, além de muita conversa sobre o que é ser escritora ou não e, por fim, algumas sessões de fotos.

A maioria, conta Elizandra, sempre sentiu insegurança com seus textos. Mas foi o “Coletivo Mjiba” que deu a elas – donas de casa, jornalistas, dançarinas, estudantes, educadoras, professoras – esse apoio e as convenceu de que precisavam tentar e mostrar seus textos. O “Coletivo Mjiba” é um grupo que surgiu em 2004 por meio de três jovens negras da periferia de São Paulo, como uma iniciativa de amor a elas próprias e para protagonizar as suas existências e o fazer artístico de cada uma, nos palcos de grandes eventos de “Hip Hop”, além de comemorar a data de 25 de julho – Dia da Mulher Negra Afro Latina e Caribenha. E o resultado não poderia ter sido melhor, como pode ser conferido na leitura do livro.

Elizandra Souza lembra ainda que, ao pensarem o coletivo, várias inspirações foram surgindo ao longo do processo de criação, como nas obras de escritoras mais velhas, a exemplo do livro produzido pela ONG Crioula, do Rio de Janeiro; ou coletâneas como Os nossos passos vem de longe, nas Yalorixás, nas Yabas; além das antologias Cadernos Negros e de escritoras como Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Mel Adún, Geni Guimarães, entre outras.

Ele representa a necessidade de mostrar a força das mulheres negras em tudo que elas colocam, a sua energia e que, na maioria das vezes, serve apenas para fortalecer o trabalho de seus companheiros, homens negros e não negros. “Energias, essas, que, até então, não dedicavam para fazer algo por elas mesmas”, afirma Elizandra Souza.

Dos textos autobiográficos, que trazem as marcas e os valores presentes nas “africanidades e na diáspora”, às poesias que espelham a busca pela liberdade de expressão, pela necessidade de se fazer existir e ser valorizada enquanto sujeito de criação, por uma voz que denuncia, que grita, mas que ao mesmo tempo é capaz de refletir com suavidade a própria existência, Pretextos de Mulheres Negras é como se fosse uma linda e colorida – como as cores fortes da África – colcha de crochê. Os textos, de cada uma das 22 autoras, vão se entrelaçando num movimento de fios delicados, criando tramas incapazes de se romperem, gerando forças e marcando territórios.

O livro é pequeno, quase do mesmo formato daqueles de bolso, tem apenas 136 páginas, mas com tamanho suficiente, capaz de suscitar prazer no leitor que busca conhecer um pouco das “Herstory”1, das mulheres de descendência afro, como diria a escritora, Queen Nzinga Maxwell. Mas, ninguém melhor do que Elizandra, que também imprime suas narrativas esse coletivo literário, para dizer quais foram os pretextos – sim, com letras minúsculas – que levaram essas jovens às suas “escrevivências”:

“Ser mulher negra é carregado de estigmas, pesa. A escrita é um pretexto-preto, texto da nossa existência, é um grito, é um revide, é uma vontade de existir e pegar na mão de outras mulheres negras jovens como nós e dizer que a vida não é só isso, que podemos ser tudo que queremos. E vamos assim, combatendo o machismo e o racismo da nossa forma... nos curando dessa perversidade que é ser a carne mais barata do mercado, de ser sexualizada e erotizada como um produto”, finaliza Elizandra Souza.

Referência

FAUSTINO, Carmen; SOUZA, Elizandra (Org.). Pretextos de mulheres negras. Ilustrações de Renata Felinto. São Paulo: Coletivo Mjiba, 2013.

1 Herstory é a história escrita a partir de uma perspectiva feminista, enfatizando o papel das mulheres, ou dito do ponto de vista de uma mulher. É um neologismo de 1960 como parte de uma crítica feminista da historiografia convencional.

* Maria de Fátima Moreira Peres é jornalista e Licenciada em Letras/Português pela PUC Minas, além de Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa pela mesma Instituição.

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