Elza Soares: a voz da resistência

 Mikaella Pereira da Silva*

 

Quem me vê forte

Não sabe que eu já fui fraca

Quem me vê sorrindo

Não sabe que eu já chorei

Eu nasci pobre, preta, da cor da noite

Acostumada a ver meus ancestrais

Sofrerem no açoite

 

Elza Soares

 

Com as belas palavras da escritora Nina Rizzi e as ilustrações de Edson Ikê, que encantam os olhos, a biografia Elza: a voz do milênio (2023) é uma verdadeira homenagem à cantora. Produzido para “crianças e adultos”, a obra apresenta de forma lúdica e sensível as dificuldades enfrentadas por Elza Gomes da Conceição ao longo de sua vida.

Logo no início do livro, em epígrafe, somos impactados pela fala potente da cantora:

Aprendi desde cedo que ser mulher não seria fácil. Ser mulher preta, então?! Teria que levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima muitas vezes. Mas, principalmente, travaria uma batalha pela conquista de uma vida socialmente mais justa e mais livre para nós mulheres. Usaria minha voz, minha música, meu exemplo para isso (p. 1).

A partir dessa reflexão, os leitores são convidados a conhecer a trajetória difícil de Elza, que começa na infância. Moradora da favela da Moça Bonita, a menina vivia com seus pais e outros dez irmãos. Desde pequena, sabia que queria ser cantora e conseguia ouvir música em todos os cantos.

As dificuldades surgiram quando ela era ainda muito jovem. Aos doze anos, foi obrigada pelo pai a abandonar os estudos e se casar com Alaordes, de quem herdou o sobrenome Soares. Pouco tempo depois, ficou grávida, passou por perdas e, mesmo assim, seguiu em busca do seu sonho de ser cantora.

A obra também revela que, através de sua determinação, Elza Soares nunca desistiu de seu sonho. Participou de programas de rádio, ingressou na Orquestra Gará de Bailes e foi convidada para estrelar a peça É Tudo Juju-Frufru, ao lado do ator Grande Otelo. Além disso, foi chamada para representar o Brasil como madrinha da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo, no Chile.

A biografia de Elza escrita por Rizzi objetiva mostrar a resistência da mulher, mas, principalmente, da mulher preta, como é ressaltado pela própria cantora. As dificuldades que ela enfrentou não a fizeram desistir de seus sonhos; ao contrário, deram-lhe forças para enfrentar as adversidades, o racismo e o preconceito.

Assim, Elza: A voz do milênio não é apenas a biografia de uma cantora, mas uma homenagem a uma mulher que desafiou as barreiras impostas pela sociedade, pela pobreza, pelo racismo e pelo machismo. Ao longo de sua vida, Elza Soares foi um símbolo de resistência, utilizando sua voz não apenas para cantar, mas para dar voz às questões que mais impactam as mulheres negras e a população marginalizada. A obra de Nina Rizzi, aliada às ilustrações de Edson Ikê, consegue transmitir de forma sensível e envolvente essa jornada de superação, que vai além da música e toca diretamente nas questões sociais.

Elza nunca se deixou abater pelos obstáculos, mas, ao contrário, usou cada dificuldade como um trampolim para avançar e conquistar seu lugar no cenário musical brasileiro e internacional. Sua trajetória é um exemplo de luta pela justiça, pela igualdade e pela liberdade, temas universais que continuam a ressoar com força. A biografia nos faz lembrar que a música tem o poder de transcender, de transformar e de unir, sendo um instrumento poderoso na luta contra as desigualdades sociais.

Para o público infantil, esta obra se torna uma oportunidade não apenas de conhecer a vida de uma grande artista, mas também de aprender sobre resistência, coragem e empatia, conceitos fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. E, para os adultos, Elza: A voz do milênio é uma reafirmação da importância de nunca desistir, de sempre lutar por um futuro melhor, e de entender que as conquistas de hoje são fruto da batalha travada por aqueles que vieram antes de nós.

Belo Horizonte, dezembro de 2024.

 

Referência

RIZZI, Nina; ilustração IKÊ, Edson. Elza: a voz do milênio. Cotia, São Paulo. VR Editora, 2023.

 

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* Mikaella Pereira da Silva é graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e mestranda em Letras, Literatura de Língua Portuguesa, pela mesma Instituição.

 

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