Vida, palco, ficção

 Paulo Lins*

 

 

Eu sou filho da poeira,
da mata
e

da capoeira,
da terra
e do sertão.

Eu sou filho da pobreza,
da dúvida

e da incerteza
do solo deste chão.

Eu carrego comigo
a ciência

e tenho plena consciência

das lembranças
do passado.

Eu carrego em mim
toda a sabedoria,

E na pele preta
tenho tatuada

a força
do meu passado
,

E faço questão
de expor isso

por onde eu vou.

Eu não fui
liberto
,

eu não sou
fugido,

eu não sou
protegido

e nunca fui
caçado.

Eu não sou só

mais um
negro
brasileiro.

Eu sou a volta,

o retorno

e o recomeço

dos meus
mais velhos.

Eu sou

porque eles são.


Elisio Lopes Jr.

2021

 

 

Fazer um prefácio, apresentar uma autora, um autor... não é difícil. É só captar, ao máximo, a arte do livro e escrever de forma simples e, se possível, poética, no mesmo tom da poesia que o livro contém. É quase uma parceria. Melhor ainda se associarmos o trabalho a um clássico, a uma pessoa consagrada, para explicar melhor a narrativa para a leitora e o leitor terem uma prévia daquilo que vão ler.

Mas este livro do Elísio me exigiu um esforço imenso. Não sabia realmente o que escrever para traduzir em uma lauda o que senti com a leitura. Comecei vários textos e joguei fora, apaguei, mandei para a lixeira, que está cheia de escritos mal traçados sobre tudo que eu queria dizer dessa obra. E por fim, escrevi sem ter a certeza de que fiz o melhor para retratar esse primor que chega a suas mãos.

Então, para definir esse livro, cito todos os clássicos, todas as obras de arte, porque a prosa de Elísio é uma das melhores que já li em minha vida e tenho a certeza de que todas as pessoas que a lerem vão sentir o que eu estou sentindo.

A narrativa, sempre em primeira pessoa, mistura poesia, roteiro, argumento, sinopse, peça, romance, conto, crônica, letra de música, artes plásticas, desfile de escola de samba, de blocos, todas as artes... de forma brilhante, colocando o leitor como um deus que sabe de todos os passos da humanidade.

As personagens históricas vivas, mortas, das cenas pretas ou não, somos todos nós, em todos os tempos, de todas as formas pelas quais o ser-humano pode se apresentar para termos total sapiência em cada ato, em cada fala, em cada proceder por toda vida.

Tenho a certeza de que, depois de três dias de leitura, me tornei uma pessoa mais lúcida, mais inteligente, mais humana. Uma pessoa melhor, pois peguei as metáforas do texto para iluminar mais a vida, para me entender mais, para entender mais os outros e as outras.

O livro de Elísio é a arte toda em sua plenitude. É um foco de razão misturada com luz na humanidade.

 

Referência

LOPES JR., Elisio. Monocontos: histórias para ler e encenar. Prefácio de Paulo Lins. Rio de Janeiro: Malê, 2021.

 

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Paulo Lins é graduado em Letras pela UFRJ e exerceu o magistério em áreas periféricas do Rio de Janeiro. Estreou na literatura com a publicação dos poemas de
Sob o sol (1986) e alcançou renome nacional e internacional com o romance Cidade de Deus (1997). Na ficção, é também autor de Desde que o samba é samba (2012) e de Dois amores (2019). Como roteirista, participou de inúmeras produções de sucesso, tais como Quase dois irmãos, Cidade de Deus, Maré, nossa história de amor e Subúrbia, entre outras.

 

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