Minidicionário teórico negro brasileiro do pensamento de Sueli Carneiro
Gilvaneide Santos
O Minidicionário teórico negro brasileiro do pensamento de Sueli Carneiro, publicado em 2025, tem por objetivo apresentar um recorte teórico das principais categorias que a filósofa Sueli Carneiro trabalhou em sua tese “Dispositivo de Racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser”, defendida na Faculdade de Educação da USP, em 2005, e que veio a se tornar livro em 2023. Tal proposta surgiu ao se notar que, muitas vezes, as estratégias discursivas formuladas pelas ativistas do pensamento negro brasileiro são completamente ignoradas na disputa teórica que há tanto na academia – que continua branca, com docentes de pensamento eurocentrado – quanto nos confrontos verbais do cotidiano, como os que ocorrem no mundo virtual e que influenciam a vida real.
A partir desse fato, surge a ideia deste dicionário de bolso afro-brasileiro-teórico com os seguintes verbetes: Racismo; Sexismo; Feminismo Enegrecido; Dispositivo; Dispositivo de Racialidade; Eu hegemônico; Branquitude; Branqueamento; Biopoder. Para chegar a tais palavras, fiz um recorte do material de apoio do curso “Dispositivo de Racialidade”, ofertado pela Casa Sueli Carneiro em parceria com o Sesc (2024), de forma gratuita e online, e que tem como instrutora a própria escritora Sueli Carneiro. No livro, trabalha-se também com os seguintes verbetes: Eugenia; Mito da Democracia Racial; Contrato Racial; Epistemicídio; Afrofuturismo e Escrevivências, pensados a partir da minha leitura sobre a tese da educadora Sueli Carneiro. O trabalho, portanto, é fruto do Programa de Residências da Casa supracitada, voltadas para pessoas negras e divididas nas áreas de Artes, Documentação, História Negra e Feminismos Negros. Eu participei na área de Documentação, sob a mentoria de Ionara Lourenço, bibliotecária responsável pelo acervo de Sueli Carneiro, durante o segundo semestre de 2024. Para se chegar a este recorte, utilizei como método uma pesquisa bibliográfica, partindo do acervo físico e online, do site e da Casa Sueli Carneiro, usando como suporte teórico, ainda, o Breve dicionário das Literaturas Africanas (2022), com organização de Fernanda Gallo, e o Dicionário das relações étnico-raciais contemporâneas (2023), organizado por Flávia Rios, Márcio André dos Santos e Alex Ratts. Este estudo vem contribuir com a sistematização do pensamento teórico a partir da perspectiva das mulheres negras, em específico, o legado de Sueli Carneiro. A ativista, em participação ao lado de sua filha, Luanda Carneiro Jacoel, no podcast Angu de grilo, de Flávia Oliveira e Isabela Reis, nos revelou: “[...] temos que valorizar o nosso patrimônio de lutas, as nossas tecnologias sociais de educação popular para a disputa de corações e mentes, acreditando no confronto, na disputa de valores, para construir utopias, através de uma convocação cívica.” (Carneiro, 2024). Portanto, é com a intenção de entrar nessa confrontação de ideias que entrego este minidicionário, pois acreditamos que ele servirá para borrar a imagem do passado que a branquitude construiu para os povos que foram subalternizados na sociedade brasileira, como os afro-brasileiros. Por fim, recorro à Conceição Evaristo (2020) que, ao cunhar o conceito de Escrevivência – “[...] um jogo que eu fazia entre a palavra ‘escrever’ e ‘viver’, ‘se ver’ [...]” – nos demonstra como rasurar a imagem do passado através da ficcionalização dos estereótipos referentes às mulheres negras brasileiras. “Fica bem um termo histórico. Na verdade, quando eu penso em escrevivência, penso também em um histórico que está fundamentado na fala de mulheres negras escravizadas que tinham de contar suas histórias para a casa-grande.” E Sueli Carneiro vem nos ensinar a escreviver teorizando: “FALAREI DO LUGAR DA ESCRAVA. Do lugar dos excluídos da res(pública). Daqueles que na condição de não cidadãos estavam destituídos do direito à educação.” (Carneiro, 2023, p. 9). E nos abre o caminho de retomada da palavra para escrevivermos outros regimes de historicidade, aquele que borre, por exemplo, os epistemicídios reservado aos intelectuais negras, negros e negres do Brasil partindo de sua vasta obra.
São Paulo, setembro de 2025.
Referência
SANTOS, Gilvaneide. Minidicionário Teórico Negro Brasileiro de Sueli Carneiro. São Paulo: Casa Sueli Carneiro, 2025.
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* Texto de apresentação escrito, inicialmente, em 2024 e publicado no Minidicionário teórico negro brasileiro do pensamento de Sueli Carneiro.
** Gilvaneide Santos é Professora Formadora de Língua Portuguesa, anos finais, da Prefeitura de Fortaleza/ Ceará, doutoranda em Teoria e História Literária pelo IEL/ UNICAMP e Bolsista FAPESP de Jornalismo Científico, Nível 3, pelo projeto “Desenvolvimento de Políticas Públicas para a Retenção de Ingressantes por Ações Afirmativas: gestão de estratégias para disseminação dos resultados e articulação com a gestão pública do Estado de São Paulo”, Nº do Processo FAPESP: 2024/16770-4.