Novas Voz(es) da escrevivência

 

Constância Lima Duarte*

Cristiane Côrtes**

Maria do Rosário Alves Pereira***

 

Todas as manhãs junto ao nascente [dia
ouço a minha voz-banzo,
âncora dos navios de nossa memória.
E acredito, acredito sim
que os nossos sonhos protegidos
pelos lençóis da noite
ao se abrirem um a um
no varal de um novo tempo
escorrem as nossas lágrimas
fertilizando toda a terra
onde negras sementes resistem
reamanhecendo esperanças em nós.

 

Conceição Evaristo

 

A primeira edição do livro Escrevivências: identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo foi publicada em 2016 e logo já estava esgotada. Em 2018, o sucesso da segunda edição confirmou o crescente reconhecimento da autora, tanto nos canais midiáticos quanto nos estudos acadêmicos. Em 2022, surgiu, então, a necessidade de uma 3ª edição, devido à presença cada vez mais consolidada de Conceição Evaristo nos cenários literários nacional e internacional. A edição, ainda em pré-venda, conta com novos artigos e uma atualização daqueles que já estavam publicados nas duas edições anteriores.

Desde 1990, quando estreou no décimo terceiro volume de Cadernos Negros – a longeva e exitosa publicação do grupo Quilombhoje, de São Paulo –, a autora tornou-se presença constante na cena literária afro-brasileira, proporcionando, com seu talento e sensibilidade, profundo enlevo poético a milhares de leitores. Mulher negra de origem humilde, intelectual lúcida e ativista: este é o lugar de fala de Conceição Evaristo. Daí sua obra estar tão fortemente marcada por uma poética da alteridade comprometida com a crítica social, a ancestralidade e a história dos afrodescendentes, em especial devido às profundas e pertinentes reflexões sobre a mulher – sempre vítima da mal disfarçada opressão ainda hoje imposta ao povo negro.

A terceira edição do Escrevivências: identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo se estrutura em quatro blocos que se entrelaçam, dialogam e ampliam seus leques de significação, emergindo como instigantes suplementos de leitura. Alguns artigos são oriundos de eventos promovidos pela UFMG, como o Colóquio Mulheres em Letras; outros foram incluídos com o propósito de revelar ainda mais a diversidade de abordagens que a obra proporciona.

O primeiro – intitulado “Perspectivas teóricas” – contém reflexões sobre o fazer literário de Evaristo e sua inserção no cenário da crítica nacional e estrangeira, assinadas por especialistas de diferentes instituições acadêmicas, como Maria Nazareth Soares Fonseca, Stelamaris Coser, Fernanda Rodrigues de Miranda, Mirian Santos e Marcos Antônio Alexandre. Ainda neste grupo, temos a reflexão sobre o labor intercultural realizado por Dalva Aguiar Nascimento, autora da tradução do romance Ponciá Vicêncio para o italiano.

 

No segundo bloco – “Diáspora e memória: desafios da contemporaneidade” – estão artigos que acrescentam novas perspectivas e possibilidades de leitura por tratarem de questões sempre presentes nos congressos acadêmicos, em especial o conceito de “escrevivência”, assinados por Cristiane Côrtes, Juliana Borges Oliveira de Morais, Luiz Henrique de Oliveira, Simone Pereira Schmidt, Terezinha Taborda Moreira, Aline Deyques Vieira, Heleine Fernandes de Souza e Marcos Fabrício Lopes da Silva, todos voltados para a pesquisa em profundidade no campo dos estudos literários.

 

O terceiro – “Violência, gênero e insubmissão” – reúne artigos que evidenciam a coragem da escritora em tratar questões relativamente pouco exploradas na literatura gendrada. Parte dos estudos aí reunidos – de Constância Lima Duarte, Natália Fontes, Simone Teodoro Sobrinho e Elisângela Lopes Fialho – tratam de apropriações e releituras do trágico, emolduradas pela brutalidade que vitima a mulher. Os demais, de Eduardo de Assis Duarte, Laile Ribeiro de Abreu e Maria Inês de Moraes Marreco, confrontam com muita pertinência o texto evaristiano com os de Rubem Fonseca, Rachel de Queiroz e Paulina Chiziane.

 

Por fim, os artigos reunidos em “O corpo negro em cena” destacam a questão da afrodescendência e da negritude presentes em enredos de forte impacto, de onde emerge a trajetória do sujeito afro-brasileiro. Integram esta seção o texto-prefácio de Olhos d´água, assinado por Heloísa Toller; a reflexão de Aline Alves Arruda sobre o erotismo; as leituras perspicazes de Maria do Rosário Alves Pereira, Imaculada Nascimento, Iêdo de Oliveira Paes, Adélcio de Souza Cruz e Assunção de Maria Sousa e Silva sobre personagens emblemáticas da obra de Conceição Evaristo.

 

Com esta publicação, reiteramos nossa profunda admiração pela obra dessa autora, o reconhecimento de sua importância para a literatura contemporânea e o desejo de contribuir para divulgá-la ainda mais junto aos estudiosos e aos novos leitores.

 

Belo Horizonte, novembro de 2023.

Referência

 

DUARTE, Constância Lima; CÔRTES, Cristiane; PEREIRA, Maria do Rosário Alves (Org.). Escrevivências: Identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Malê, 2023.

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* Constância Lima Duarte, é Doutora em Literatura Brasileira e professora voluntária do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFMG. Coorganizadora, entre outros, de Escrevivências: identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo (2016, 2. ed. 2018); e Escrevivência: a escrita de nós – Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (2020), além de outros trabalhos.

** Cristiane Côrtes é Professora do Centro Federal Tecnológico de Minas Gerais – CEFET-MG, campus IX. Especialista em Educação e Africanidades pela UnB, Mestre em Teoria da Literatura e doutoranda em Literatura Comparada pela UFMG. Desenvolve pesquisas e publicações sobre escrita de autoria feminina e negra. Trabalha com projetos voltados para Literatura, alteridade e áreas afins.

*** Maria do Rosário Alves Pereira é Doutora em Letras, Estudos Literários, pela UFMG e professora do CEFET-MG, campus Belo Horizonte. É coautora, entre outros, de Linhas Cruzadas: literatura, arte, gênero e etnicidade (2011) e coorganizadora dos volumes críticos A escritura no feminino: aproximações (2011) e Escrevivências: identidade, gênero e violência na obra de Conceição Evaristo (2016).

 

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