Identidades de fronteiras: escrituras híbridas

Maria Nazareth Soares Fonsecai

 

 

Mediante os cruzamentos entre sincretismos, dialógica e polifonia, a identidade nunca é idêntica a si própria. Ela varia constantemente: a viagem é a grande metáfora da identidade, e ao seu fim não voltamos à forma anterior. (Massimo Canevacci).

Uma das questões que têm frequentado os debates dos Estudos Culturais ressalta a mudança de focalização dos estudos latino-americanos que se transferem dos chamados centros hegemônicos para a circulação em “novas avenidas crítico-ideológicas”, como bem o assinalou Mabel Moraña (1995). Novos mapas de investigação teórica se traçam, procurando alcançar territórios que, de algum modo, pareciam ter ficado à deriva enquanto se discutiam, do exterior, imagens do continente pensado sempre como uma totalidade. Uma das marcas desses novos estudos seria a preocupação com as chamadas identidades localizadas ainda que já integradas à consciência de que, cada vez mais, nos situamos em encruzilhadas em que o local se confronta com o geral.

Nesse processo de afirmação de movimentos redefinidos pela globalização, de insistência nos aspectos que configuraram os fenômenos de (des)territorialidade, parece ser pertinente voltar a refletir sobre este processo de pensar o continente, reafirmando suas particularidades. Talvez assim se possa compreender que muitos dos valores defendidos como padrão de uma especificidade latino-americana continuam a circular, fundando, no entanto, uma nova maneira de estar no mundo. Daí que o mesmo movimento de mundialização, que elimina fronteiras e alarga territórios antes bem demarcados, não consegue evitar que questões localizadas exponham a urgência de uma reestruturação territorial e apontem as fraturas que se expõem no paradigma da era atual. Nesse sentido, atento às complexidades do novo modelo seletivo de incorporação/exclusão de áreas, Pablo Ciccolella (1997) chama a atenção para o fato de que o fenômeno da globalização deve ser pensado como plural, ainda que aspire a construir redes mundializadas:

... este proceso de transformación acelerada (globalización-modernización vía integración) no es homogéneo, sino que estaría produciendo una nueva fragmentación social-territorial, donde aparecen regiones, sectores sociales y sectores productivos que se modernizan, que se incorporan al sistema mundializado de relaciones económicas y culturales, que se incorporan al sistema mundializado de relaciones económicas y culturales, que em términos reales se integran con economias vecinas; y regiones, sectores sociales y productivos que quedan excluídos de este proceso. (CICCOLELLA, 1997, p. 60).

Desse modo, o mesmo movimento que visa a edificar a nation-ness globalizada não pode impedir que as identidades emergentes e os novos movimentos de cunho social intensifiquem os conflitos do mundo em que vivemos, impulsionando processos de redefinição de fronteiras e uma nova territorialidade para os fenômenos socioculturais. É certo que as macro identidades, de alguma forma, esgarçam-se nas malhas da globalização, mesmo que o fim das barreiras ao livre comércio não modifique o caráter nacional da propriedade das empresas transnacionais (LAHORGUE, 1997). Paralelamente, um movimento de afirmação de micro identidades se afirma em busca da refuncionalização de lugares e da redefinição de espaços. Sobre esse processo, é interessante lembrar que Michel Foucault, já na década de oitenta, referia-se às heterotopias, aos espaços heterogêneos de localizações e relações, e destacava o papel dos micro espaços, vistos como uma espacialidade efetivamente vivida e socialmente criada, na concretização de mecanismos de vigilância e poder disciplinar (Apud SOYA, 1993). Ou mesmo perceber os movimentos que se afirmam em regiões fronteiriças como as zonas de comércio entre duas margens, duas regiões, dois países ou nos processos de revitalização de movimentos de feição identitária que se constroem no limiar entre o privado e o público. É o caso bem particular da afluência de questões localizadas no espaço dos media onde se exibem os problemas particulares, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma reflexão. Somos cada vez mais prisioneiros dos mecanismos da velocidade que nos impedem de distinguir o que é e o que não é. Na tela de TV ou na página do jornal as imagens cada vez mais perdem a intensidade, pois não provocam nem espanto nem grande interesse (SARLO, 1997).

É com a intenção de refletir sobre a diferença cultural mais do que reconhecer a diversidade do continente latino-americano que o presente trabalho procura retomar alguns textos considerados fundantes da identidade do continente, buscando inseri-los em percursos mais amplos, abertos por novos itinerários traçados na época atual. A proposta é mapear algumas produções – teóricas, artísticas, culturais – significativas em momentos decisivos do processo de busca da identidade latino-americana e com elas refletir sobre as novas identidades culturais que se configuram por encontros, choques e transições. Com alguns textos revisitam-se pontos de vista e espaços em transformação e indaga-se sobre processos de descaracterização/caracterização de novas identidades que se efetivam no mundo atual, quando se acirram os conflitos inevitáveis no aparato dos Estados-nacionais. Ao se repensar a diferença cultural pelo viés dos atuais processos de transformação dos espaços, toma-se a impureza como significante de entrecruzamentos e inter-relacionamentos que explicitam os atuais “espaços vivenciais de hibridação cultural” bem caracterizados por Ciccolella, quando reflete sobre as mutações da economia capitalista tal como se mostra no momento atual (CICCOLELLA, 1997, p. 62).

Um traço dessa impureza já se mostra na pintura do cubano Wifredo Lam, no entrecruzamento das heranças advindas de sua identidade “criolla” e de sua formação europeia, perceptível, em muitos de seus quadros, com forte apelo à linguagem surrealista. Nessa encruzilhada é possível perceberem-se diversos elementos da ritualidade atávica de raízes africanas, vivida por ele na pequena aldeia cubana onde nascera, sob tutela de curanderos y sacerdotes de la santería, com os quais compõe interessantes diálogos e transgressões. Deixando aflorar, em sua pintura, o componente africano, este ganha outra dimensão e ultrapassa tanto os estratos populares negros cubanos quanto o surrealismo de que frequentemente se vale. É sobretudo por explorar as metamorfoses e os hibridismos tão peculiares à cultura latino-americana que os quadros de Lam criam, como observa Fernando Ortiz, “un nuevo género”, o da “naturaliza viva”, muito claro em criações como “La Jungla” (fig. 01), com seus seres híbridos nos quais a separação entre o vegetal, o animal e o humano mostra-se dissolvida, deixando aflorar o repertório das tradições culturais de origem africana. Lam transfere para seus quadros a retórica da proliferação típica do real maravilhoso, visto por Alejo Carpentier como um recurso estético capaz de reproduzir a especificidade da cultura americana e de salientar os seus contrastes com relação à Europa. O conceito em Carpentier procura identificar a profusão de elementos díspares, próprios de culturas heterogêneas, e o potencial de prodígios que se fazem refração à lógica cartesiana. Essas mesclas podem ser certamente encontradas em vários quadros de Lam, quando mergulham na diversidade americana e dissolvem os traços rígidos, inadequados à figuração do real maravilhoso, para apreender as pulsações da natureza, vista como um espaço de concretudes místicas e mitológicas. Por essa via muitos quadros do pintor cubano fazem-se “narrativas da identidade híbrida americana” porque neles estão em interação – não distanciados mas interrelacionados – diferentes significantes culturais.

 

Figura 1 Wifredo Lam. "La jungla", 1942-1944 (detalhe)

 

Um contraponto aos painéis híbridos de Lam poderia ser buscado no “réalisme merveilleux” haitiano, visto por Jacques Stéphen Aléxis como uma estética intuitiva, assumida pelo povo para apreender a realidade a partir de tendências próprias às culturas americanas. Ainda que essas tendências apontem para a intenção de (re)nomear espaços do Novo Mundo a partir da diferença que os constitui, cada uma delas enfatiza significantes múltiplos e feições plurais, pois o ideologema buscando é sem dúvida o da mestiçagem.

O mesmo ideologema configuraria a “expressão americana”, de Lezama Lima, principalmente quando o teórico cubano acentua, no barroco americano, as feições índicas e negroides, vendo-as enquanto reterritorialização de traços culturais trazidos pelos colonizadores ou como uma apetência diabólico-simbólica, conforme expressão de Irlemar Chiampi (1998, p. 7). A “expressão americana” também se mostraria na poesia afro-cubana de Nicolás Guillén, na sonoridade inventiva de poemas de Motivos de son (1930) e de Sóngoro cosongo (1931) nos quais se percebem elementos do substrato africano já transculturados na ilha de Cuba, nas potencialidades sonoras da língua oral. Exemplos dessa inventividade estão nos versos do poema “Negro bembón”: “Po qué te pone tan brabo,/ cuando te dicen negro bembón,/ si tiene la boca santa,/ negro bembón” e outros construídos com a apropriação de ritmos e sonoridades próprios às camadas populares em Cuba, para ressaltar o legado musical advindo das tradições africanas, em processo de transformação, todavia. Por isso seus “versos mulatos” produzem-se com significantes que tocam na composição étnica de Cuba, tomando-a como metonímia da América mestiça, da “nuestra América mestiza”, como bem denominou José Martí referindo-se às transformações, às mutações culturais híbridas do continente.

Uma expressão da mestiçagem cultural do continente foi celebrada por José Retamar, quando retoma a figura do Caliban, criada por Shakespeare para nomear o escravo selvagem e deformado em The Tempest (1611). Essa figura disforme, em diversas releituras da peça, passa a simbolizar o mundo americano e, principalmente, os movimentos em defesa de traços de sua diferença cultural. O corpo deformado de Caliban, em criações de autores como Renan, (CALIBAN, 1878), Jean Guéhenno, (CALIBAN HABLA, de 1928), ou na identificação, feita pelo argentino Anibal Ponce, de Caliban com as massas sofridas do continente latino-americano, transita entre versões que degradam ou supervalorizam a diferença, sempre posta em comparação com a Europa.

É importante, nesse sentido, rever, já sem as paixões políticas que marcaram a sua publicação, o texto Psychologie de la colonisation, de Octave Mannoni, escrito em 1950. Nessa obra, Mannoni salienta o que chama de disposições neuróticas inconscientes que induzem o oprimido a se adequar à imagem que dele faz o opressor. Ao cunhar a expressão “Complexo de Próspero” e nomear com ela o desejo do dominado de se submeter ao poder do dominador, Mannonni acaba por patologicizar as relações colonizador/colonizado e alocar, no colonizado, o que poderia ser definido como um gérmen de inferioridade. Essa visão determinista é rechaçada por Frantz Fanon no célebre texto “Du prétendu complexe de dépendance du colonisé” (1952) e, também, de maneira indireta, pela reflexão atual de Homi Bhabha (1990), quando explicita os processos de produção do discurso colonial e os aparatos que legitimam esse discurso como recusa de diferenças raciais/culturais/históricas desse discurso.

Noutra direção, fortalecendo-se a identificação da mestiçagem cultural pelos traços de Caliban, o livro Los placeres del exilio, de 1960, de George Lamming, destaca alguns movimentos de afirmação da identidade calibanesca da América. O traçado da identidade americana pelas feições de Caliban assume os pressupostos da negritude com a peça Une tempête: adaptation pour un Théâtre nègre, de Aimé Césaire, escrita em 1969, a qual traz para a cena a figura de um Caliban negro, inserindo, na história criada por Shakespeare, a figura de Exu, atribuindo a esse orixá a energia advinda dos negros marrons que construíram com seus atos uma forma de resistência à opressão colonial, na história das Antilhas francesas. Essa energia própria de um Caliban-Exu pode ser percebida no texto de José Fernández Retamar, “Calibán”, publicado na Revista Casa de las Américas,em 1971. Retomando diversos movimentos de afirmação da identidade do continente, Retamar reafirma com a figura de Caliban as expressões culturais que expressam modos de ser do continente e, ao mesmo tempo, faz da personagem emblema da transgressão que desloca o tanto o ato de Próspero – que deu a palavra e um nome a Caliban – quanto o silenciamento imposto ao escravo. Como personagem transgressora, Caliban resiste ao controle que o dominador quis lhe impor.

Pode-se dizer, portanto, que em todos esses textos onde que é discutida a questão identitária da América Latina, delineia-se uma visão em que limites e fronteiras mostram-se esgarçados por significantes de culturas compósitas, detalhadas em mosaico. Tomados como indicadores de transgressão, ainda que se quisessem fixados numa tradição, acentuam interações e ressemantizam traçados de uma ordem consolidada em pontos fixos. A poética da relação (1990), de Edouard Glissant, da Martinica, retoma esses pontos numa construção rizomática, para aludir às interrelações culturais. A metáfora do rizoma, em seu pensamento, minimiza a ideia de identidade pensada como raiz fixa, investindo em deslocamentos em direção ao outro, em contatos intra e interculturais: “É com a imagem do rizoma que se pode descrever a identidade, que não se relaciona com raiz, mas com a relação” (GLISSANT, 1990, p. 31).

Muitos dos textos referidos até aqui - e que de algum modo foram entendidos apenas enquanto valorização das origens culturais do continente americano - podem ser relidos a partir de uma abordagem mais propícia à interlocução, à percepção de identidades de fronteiras que circunscrevem uma espacialidade multilíngue, multirracial, multi-histórica. Essa intenção fica evidente no romance Texaco (1992), do martinicano Patrick Chamoiseau, quando procura apreender as manifestações culturais como um sistema em rede, em que vários pontos indiciam o trânsito, os deslizamentos. É interessante perceberem-se os deslocamentos como marcadores da “sintaxe créole” do romance e como desconstrução dos sistemas de compartimentação herdados do colonialismo. Por outro lado, mescladas são também as expressões de alguns remanescentes de quilombos, no Brasil, em que a tradição, recuperada por rituais que procuram reestabelecer a força dos ancestrais, é atravessada por injuções do mundo atual que impõe às consagrações do grupo uma coreografia de espetáculo para propiciar o consumo esperado pelos turistas. Esses movimentos interrelacionais são percebidos por Néstor Canclini (1996) como próprios das culturas híbridas, nas quais a “a identidade, mesmo em amplos setores populares, é poliglota, multi-ética, migrante, feita de elementos mesclados de várias culturas” (p. 142).

Talvez por isso seja pertinente retomar alguns dos movimentos aqui nomeados para apreendê-los em novas formas de interação produzidas pelo mundo globalizado, nas quais Caliban, em transformação constante, expõe uma identidade mutante que corporifica esforços de manutenção de alianças. Caliban, ao transmudar-se em Exu, assume a força que resiste à descaracterização, traduz esforços de manutenção da identidade de comunidades de negros, vistos como emergentes quilombos contemporâneos. Essas comunidades vêm sendo estudadas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros empenhados em melhor conhecer os processos de transmutação cultural nelas desenvolvidos. Sirva de referência a pesquisa intensa realizada na comunidade dos Arturos, de Minas Gerais, definida pelos estudiosos Edimilson de Almeida Pereira e Núbia Pereira de Magalhães Gomes como aqueles que resistem cultivando o legado dos antecessores (1988, p. 13), para não perderem inteiramente a tradição. Os estudiosos, na introdução do livro que dissemina a longa pesquisa realizada por eles, chamam a atenção para a condição dos habitantes da Comunidade dos Arturos que vão se transformando em assalariados, já quie muitos(as) passam a trabalhar nas indústrias da região de Contagem, na grande Belo Horizonte, em Minas Gerais. Os habitantes da Comunidade esforçam-se por manter viva “a moral ligada aos interesses do grupo familiar” (p. 13), sem acreditar, todavia, que possam se manter imunes às assimilações e transformações. Algumas tradições cultivadas por essa Comunidade, como o ritual de capina ou o João do Mato, a celebração do Candombe e a festa de Nossa Senhora do Rosário são adaptadas aos tempos novos que forçam a abertura a inovações e transformações. Mesmo a presença constante entre eles de visitantes e pesquisadores podem aumentar o risco de seus festejos e rituais se transformarem em espetáculo para os consumidores que afluem à comunidade, muitos desconhecendo os mandamentos do sagrado que aí se ritualiza.

É possível pensar esta força que impulsiona os movimentos de resistência à descaracterização como integrada aos movimentos de Exu, tomado aqui como um princípio dinâmico da tensão que caracteriza os modos de inserção da herança africana no continente latino-americano e particularmente no Brasil, mesmo quando acuada por mudanças inevitáveis e vivendo de forma aguda a tensão entre preservação e transformação. A esse movimento de transmutação se refere o já citado Edimilson de Almeida Pereira (1998), quando analisa as transformações impostas às comunidades tradicionais como a dos Arturos, em Minas Gerais, para salientar o que nelas se mostra como interrelações culturais, como mecanismos que compatibilizam a vivência do tradicional com os hábitos ditados pela era consumismo desenfreado.

É interessante observar que por essas rotas migrantes Exu reassume as metamorfoses, que enriquecem as figurações de plantas e animais como em quadros de Wifredo Lam ou mesmo nas linhas retas de esculturas de Emanoel Araújo que, ao relerem o barroco, traduzem a inspiração africana da cultura brasileira (fig. 2). E o horror vacui, tão presente nos romances de Alejo Carpentier expõe-se nos oratórios de Ronaldo Rego quando rompe com a tradição católica para registrar a presença dos deuses do panteão africano na cultura do país (fig. 3). E nos detalhes da linguagem plástica dos anjos negros de Maurínio Araújo (fig. 4), herdeiros de Aleijadinho e de Manuel da Costa Ataíde, e imersos na realidade pluriétnica do Brasil.

Figura 2 Emanoel Araújo, Ritoexu, 1986

 

Figura 3. Ronaldo Rêgo. Oratório.

 

Figura 4. Maurino Araújo. Anjos Negros.

 

Todas essas formas de transgressão já prenunciadas nos versos negros de Guillén, nos quadros de Lam, na tensão entre o real maravilhoso de Carpentier e no devir “plutônico” de Lezama Lima, e mais recentemente nos intercâmbios e hibridações característicos dos tempos de mundialização cultural, são expressões calibanescas que, assumindo a energia de Exu, funcionam como metáforas da “encruzilhada semiótica das culturas negras nas Américas” (MARTINS, 1995, p. 56).

Torna-se necessário considerar que a recuperação de textos e manifestações que expressam o desejo de definição da identidade pluriétnica do continente latino-americano pode fazer avançar a reflexão sobre os processos de transculturação, de crioulização – como defendem os teóricos das Antilhas – e descrever uma espacialidade de fronteiras provisórias, flutuantes, que intenta recuperar outros processos de significação característicos de uma história que ficou soterrada pela preponderância dos nobres relatos de culturas pensadas como uma totalidade.

Essa indagação, ao se situar no processo atual de novas configurações territoriais, nos processos de circulação dos bens simbólicos vistos como mercadoria com preço dado pelo mercado, poderá nos informar sobre os modos como se reinstala a questão da identidade em culturas que têm de enfrentar a precariedade de suas fronteiras e as transformações inevitáveis de seus valores e tradições.

Resta saber se essas reflexões que procuram fazer da impureza o significante das “feições dúcteis e maleáveis” das culturas e dos bens produzidos por elas, poderão dialogar com os chamados discursos fundadores da identidade latino-americana e com eles repensar os modos como as feições localizadas integram-se aos novos cenários propostos e impostos pela globalização.

Nota

1. Originalmente publicado na Revista Itinerários, Araraquara, 15/16: 109-120, 2000.

Referências

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CICCOLELLA, P. J. Redefinición de fronteras, territórios y mercados en el marco del capitalismo de bloques. In: CASTELLO, et al. (Orgs.) Fronteiras na América Latina: espaços em transformação. Porto Alegre: UFRGS/Fundação de Economia e Estatística, 1997, p. 55-67.

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REVUE NOIRE. Paris, n. 22, sept/oct/nov.1996.

Créditos de ilustrações

Figura 1 – La jungla – quadro de Wifredo Lam (Cuba).

Figura 2 – Ritoexu – escultura de Emanoel Araújo (Brasil).

Figura 3 – Oratório – composição em madeira policromada de Ronaldo Rêgo (Brasil).

Figura 4 – Anjos Negros – esculturas em madeira de Maurino Araújo (Brasil).

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* Doutora em Literatura Comparada pela UFMG, estágio na Université de La Sorbonne Nouvelle, Paris (1982/1983 e 1992). Professora Aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC-Minas, período 1995 – 2018. Autora dos livros: Brasil afro-brasileiro (2000); Poéticas afro-brasileiras (2003); Literaturas africanas de língua portuguesa: percursos da memória e outros trânsitos (2008); Mia Couto: espaços ficcionais (2008); Literaturas africanas de língua portuguesa: mobilidades e trânsitos diaspóricos (2015). Co-organizadora da coletânea Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Volume 4. (2011). Coordenou, de 2010 a 2022, o Grupo Estudos Estéticas Diaspóricas (GEED) que congrega pesquisadores de vários estados do Brasil e de várias cidades de Minas Gerais. A partir de 2021, coordena a seção literÁfricas, no literafro/UFMG, que tem como objetivo transformar-se em acervo, multiplicação e socialização de artigos críticos, resenhas, entrevistas e textos literários de escritores(as) africanos(as) e afro-diaspóricos(as).

 

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