Negritice, translatio e Exu de mulheres negras:

signifyin(g) e identidades na literatura negra em tradução

José Endoença Martinsi

“Everyday Use” represents a variety of cultures and subcultures, in varying degrees of tension among themselves: the dominant, white majority, not directly represented in the story, but important throughout; a black culture that is somewhat typical of the agrarian South; the changing and more assertive subgroup that is entering (or creating) a different culture from the earlier tradition. (Wilfred L. Guerin, 1999: 297.)

I will wait for her [Dee] in the yard that Maggie and I made so clean and wavy yesterday afternoon. A yard like this is more comfortable than most people know. It is not just a yard. It is like an extended living room. When the hard Clay is swept clean as a floor and the fine sand around the edges lined with tiny, irregular grooves, anyone can come and sit and look up into the elm tree and wait for the breezes that never come inside the house. (Walker: Everyday Use, 1973: 47.).

Vou esperar por ela [Dee] no quintal que eu e Maggie deixamos tão limpo e ondulado ontem à tarde. Um quintal como este é mais confortável do que a maioria das pessoas imagina. Não é apenas um quintal. É como se fosse uma extensão da sala de visitas. Quando se varre a terra batida como se fosse um assoalho e a areia fina dos cantos fica riscada por sulcos minúsculos e desiguais, qualquer um pode vir se sentar aqui para olhar a copo do olmo e aguardar as brisas que nunca chegam até o interior da casa. (Barcellos: Uso Diário, 1998: 52.).

Resumo: O artigo analisa a experiência específica de relações étnico-raciais no conto Everyday Use, da escritora afroamericana Alice Walker (1973), traduzido, no Brasil, como Uso Diário, em 1998, por Waldéa Barcellos. Em função da perspectiva tradutória que caracteriza a presente análise, proponho dupla modalidade de relações translatórias. De um lado, discuto a tradução racial das personagens Dee, Maggie e Sra. Johnson, em consonância com os conceitos Negrice, Negritude e Negritice; do outro, interpreto a tradução interlinguística da narrativa da autora negra entre o Inglês estadunidense e o Português brasileiro, a partir dos conceitos Paralatio, Similatio e Translatio. Na abrangência da tradução racial das personagens femininas, associo a identidade assimilacionista de Dee ao conceito Negrice, por seu desejo de obter outros valores fora da tradição da família afroamericana e do resultante desprezo que expressa pela cultura negra associada à costura de colchas que, na família Johnson, atravessa várias gerações. Em seguida, caracterizo Maggie como detentora de identidade nacionalista, derivada da clara afirmação que faz da Negritude, visto que sua firme dedicação às colchas vai da apreciação do tecido à produção pessoal do utensílio. Por fim, descrevo a Sra. Johnson – mãe de Dee e Maggie – como mulher possuidora de identidade crioulizada, por suas ligações afetivo-raciais às duas filhas, aspecto que a leva não apenas a tentar dividir sua herança racial com as duas jovens, mas também a aproximar-se do conceito Negritice. Em síntese, os três conceitos raciais e as três específicas identidades raciais a eles associadas caracterizam aproximação e distanciamento das mulheres das suas matrizes raciais negras. Os conceitos tradutórios que delineiam aproximação e distanciamento entre o texto original e a sua tradução linguística e cultural se valem do conceito Signifyin(g). O crítico literário afroamericano Gates (1988), proponente da noção de Signifyin(g), esclarece o conceito como “uma metáfora da revisão textual”, permitindo que “quando um texto Significa sobre outro texto, pela imitação, revisão, repetição ou diferença tropológicas, a dupla voz da relação intertextual permite que realizemos relações específicas e formais na tradição literária negra.” (GATES, 1988: 88) Nesta dupla análise translatória, o conceito de Signifyin(g), originariamente um conceito de crítica literária, na visão de Gates (1988), assume o estatuto de teoria da tradução, na qual, de um lado, conversam duas raças e, do outro, dois textos literários dialogam.

Palavras-chave: Signifyin(g). Tradução. Negritice. Translatio. Alice Walker.

Abstract: The article analyzes a specific experience of ethnic-racial relations in the short-story Everyday Use by the African-American writer Alice Walker (1973), translated, in Brazil, as Uso Diário, in 1998, by Waldéa Barcellos. Due to the translation perspective that characterizes the present analysis, I propose a double modality of translational relations. On the one hand, I discuss the racial translation of the characters Dee, Maggie and Mrs. Johnson, in line with the concepts Negriceness, Negritude and Negriticeness; on the other, I interpret the interlinguistic translation of the black author's narrative between American English and Brazilian Portuguese, based on the concepts Paralatio, Similatio and Translatio. In the scope of the racial translation of the female characters, I associate Dee's assimilationist identity with Negriceness, for her desire to obtain other values outside the African American family tradition and the resulting contempt she expresses to the black culture associated with the sewing of quilts that, in the family Johnson, spans several generations. Next, I characterize Maggie as having a nationalist identity, derived from the strong affirmation of Negritude she makes, since her firm dedication to quilts ranges from appreciating the fabric to the personal production of the utensil. Finally, I describe Mrs. Johnson – the mother of Dee and Maggie – as a woman with a creolized identity, due to her affective-racial ties to her two daughters, an aspect that leads her not only to try to share her racial heritage with the two young women, but also getting closer to Negriticeness. In short, the three racial concepts and the three specific racial identities connected to them characterize the closeness and distancing of women from their black racial matrices. The translational notions that outline the conciliation and distance between the original text and its linguistic and cultural translation make use of the concept of Signifyin(g). African-American literary critic Gates (1988), proponent of the term, clarifies the concept as “a metaphor for textual revision”, allowing that, “when a text Signifies over another text, by tropological imitation, revision, repetition or difference, the double voice of intertextual relationship leads us to establish specific and formal relationships in the black literary tradition.” (GATES 1988: 88) In this double translational analysis, the concept of Signifyin(g), originally a concept of literary criticism, in the view of Gates (1988), assumes the status of translation theory, in which, on the one hand, two races talk and, on the other, two literary texts converse.

Keywords: Signifyin(g). Translation. Negriticeness. Translatio. Alice Walker.

Comentários iniciais

A motivação para este estudo se origina no desejo pessoal de interrelacionar os estudos da tradução, a teoria literária e a ficção afrodescendente. Trata-se de intenção que se realiza neste ensaio, mas que vai encontrar seu marco inicial nos anos 90 do século passado. Naquela década, durante meus estudos de doutorado em Literatura Anglo-americana, na Universidade Federal de Santa Catarina, escrevo o texto Dualismo da Mulher Negra na Literatura Negra Americana: Podem os Mundos Negro e Branco se Unir? (Black Women’s ‘two-ness’ in African American Literature: Can Black and White Worlds Join Together?) (doravante, Dualismo da Mulher Negra), ensaio que, ainda hoje, me desafia a prosseguir na elaboração de abordagem que dê conta dos encontros e desencontros entre os dois mundos, presentes na produção literária de romancistas negros e não-negros. Publicado, em 2010, em revista acadêmica, o ensaio esboça, de forma incipiente e tímida, os primeiros pensamentos daquela preocupação analítica. A palavra dualismo no título da reflexão sugere a duplicidade da vida afroamericana na sociedade dos Estados Unidos, para onde milhões de africanos são traficados durante os séculos de devastadora escravidão. A pergunta que acompanha o vocábulo-conceito dualismo – Podem os Mundos Negro e Branco se Unir? – determina a questão central do texto: através da possibilidade do encontro ou da potencialidade da ruptura entre sujeitos brancos e negros, busca-se avaliar, de um lado, os efeitos, quase sempre dramáticos, da escravidão e da cultura anglo-americana sobre os africanos recém-chegados e seus descendentes, e as tomadas de posição articuladas pelo sujeito negro, em grupo ou individualmente, para controlar e reverter os resultados danosos da experiência escravizadora.

O desafio central de Dualismo da Mulher Negra busca averiguar, em textos ficcionais e peças de teatro, escritos por escritores negros dos Estados Unidos, a dupla consciência do sujeito afroamericano. Pretende examinar, igualmente, as experiências de aproximação e de afastamento real, imaginário, físico, mental ou psicológico entre as comunidades culturais euro-americanas e afro-americanas que ali se estabelecem. Durante a pesquisa para a elaboração do ensaio, me deparo com a produção literária de três mulheres negras e percebo, nos textos que escrevem, algumas respostas satisfatórias à pergunta que formulo no título do artigo. São considerações que vêm de Pecola Breedlove, a protagonista no romance O Olho Mais Azul, de Toni Morrison (2003); de Celie Johnson, personagem central da ficção A Cor Púrpura, escrita por Alice Walker (2016); e de Mama Younger em A Raisin in the Sun, peça de teatro escrita por Lorraine Hansberry (1994). O que me atrai na trajetória da filha Pecola, da esposa Celie e da avó Mama é a percepção de que elas representam atitudes distintas em relação aos dois grupos de valores culturais e raciais hegemônicos nas duas comunidades que as cercam. Por exemplo, a menina Pecola busca na beleza branca o amor que não está disponível para ela na comunidade negra em que vive. O desejo de possuir olhos azuis — a beleza que eles representam no imaginário da população negra do romance — metaforiza o desejo de amor e sua aceitação no seio da própria família. Pecola acredita que só será amada pelos pais se e quando possuir a beleza de dois olhos azuis. Em situação diametralmente oposta à da menina, a jovem senhora Celie evita contatos com pessoas, coisas ou valores que representem a cultura anglo-americana, preferindo permanecer totalmente imersa no mundo negro, apesar da violência doméstica a que se vê submetida pelo marido. Em dado momento da narrativa, sua relação amorosa com Shug Avery simboliza a compreensão que recebe da e oferece à comunidade negra. Por fim, a avó Mama reúne em si porções do que Pecola e Celie vivem e simbolizam. Como a menina Pecola, Mama interage com uma comunidade anglo-americana quando compra, com parte da pensão deixada pelo marido, uma casa de boa qualidade no distrito de Claybourne Park e toda a família se transfere para o bairro de moradores brancos. Diferente de Pecola, ela não se deixa escravizar pela força dos valores brancos que ali encontram fortemente estabelecidos. Semelhante a Celie, a dedicação de Mama ao mundo negro se revela nas atitudes positivas que demonstra à própria família. Como matriarca dos Youngers, Mama revela força e energia para manter a família unida, apoiando os desejos de filhos e de netos. Por exemplo, atenta à dinâmica existencial da família, Mama reserva parte da pensão deixada pelo marido para que a filha Beneatha prossiga no curso universitário de medicina.

Pela qualidade das posturas assumidas, as três personagens se veem envolvidas nas redes do fenômeno interracial que Du Bois (1998) define como a multiciplicidade da vida negra: experiência ora centrada num dos mundos, ora no outro, ora ainda amalgamada pelas duas distintas comunidades. Em determinada discussão com um amigo branco sobre as excelências raciais de brancos e negros nos Estados Unidos, Du Bois diz ao branco: “a vida é, eu afirmo, (1) a beleza e a saúde do corpo; (2) A clareza mental e o gênio criativo; (3) a bondade espiritual e a receptividade; (4) a adaptabilidade social e a construtividade.” (DU BOIS, 1998: 30) Ao que o amigo branco contesta: “eu asseguro que a raça branca conspicuamente se sobressai em beleza, gênio, construção e está na frente até na bondade.” (DU BOIS, 1998: 30) Por sua vez, Du Bois responde: “eu mantenho que a raça negra se sobressai em beleza, bondade, e adaptabilidade, e se encontra na frente também na genialidade.” (DU BOIS, 1998: 30) A conversa entre os dois pensadores comprova a coincidência de valores negros e brancos. Aí reside o porquê de não caber demasiada surpresa se alguém busca o que precisa ali ou aqui. Do ponto de vista cultural, pode ser. Da perspectiva racial, o fenômeno parece mais complexo.

Outro elemento importante é a seleção da abordagem teórica que, de forma geral, comporta as decisões pessoais de Pecola, Celie e Mama. O termo womanism, então, cai como uma bênção nas minhas preocupações teóricas. Definido por Walker (1983), o termo womanism (womanismo) se contrapõe ao feminismo porque, enquanto o movimento feminista diria respeito a mulheres brancas, o womanism descreveria as experiências de mulheres negas na literatura afroamericana. Em palavras breves, acredito que Walker

descreve "womanismo" como o conceito que as mulheres negras utilizam para chamar atenção para a sua individualidade, identidade e energias raciais. Walker explica que o "womanismo" tem a ver com a mulher negra que apresenta "comportamento insurgente, audacioso, corajoso ou voluntarioso", quer "saber mais e em maior profundidade do que é considerada" boa para alguém e "está interessada em ações adultas.” Walker também nos lembra que uma negra womanista é "uma mulher que ama outra mulher sexualmente e/ou não-sexualmente. Aprecia e prefere a cultura das mulheres, a flexibilidade emocional das mulheres, e a força das mulheres." (MARTINS, 2010: 28)

Em ensaios subsequentes, as subjetividades femininas da mulher afroamericana e o “womanismo” de Walker não parecem mais suficientes para a empreitada teórica que anima este pesquisador. Nos anos que seguem, há o esforço pessoal para expandir e aprofundar a discussão incipiente do artigo dos anos 1990. Encontro, em outros textos literários, exemplos de personagens negros — mulheres e homens — mergulhados em situações interraciais semelhantes às de Pecola, Celie e Mama. Na crítica e teoria literárias e culturais, deparo com análises da experiência negra em geral, não apenas afroamericana, que me ajudam a compreender os fenômenos que se colocam à investigação. Os textos seminais de Appiah (1997), Du Bois (1986), Fanon (2005), Gates (1988), Glissant (2005), Hall (2006), Memmi (2007), West (1993) e outros estão ao meu alcance. Interesso-me por encontrar, na literatura de outras experiências negras espalhadas pelos demais continentes, a mesma dinâmica interracial e por verificar se esta se replica. Vasculho a literatura em línguas diferentes — alemão, italiano, francês, espanhol, português — e também, nelas, são recorrentes exemplos semelhantes nos textos de autores brancos. Assim, constato que personagens negros também estão presentes na ficção de Allende (2010), Cleave (2010), Callado (2004), Updike (1994), Rodrigues (1981), Paton (1987) e de outros. Retiro de Shakespeare (1999) os personagens-metáforas — Ariel e Calibã — para modelar as posturas isolacionistas de Pecola e Celie. Entre os orixás do panteão religioso afrodescendente, Exu se erige como metáfora para a hibridação cultural e racial que Mama encarna. Por fim, a investigação desemboca na produção do artigo Negritice: Interculturalidades e Identidades na Literatura Afrodescendente (Doravante, Negritice…). Publicado em livro e periódico acadêmico, Negritice repete e se distingue de Dualismo da Mulher Negra, delineando, assim, uma leitura da trajetória literária de personagens negros, a partir das aproximações e afastamentos entre os mundos negro e branco. Trata-se de empreendimento literário que apresenta dimensões teóricas, práticas e pedagógicas. Teoricamente, o texto baliza o enfoque de futuros estudos (este ensaio é exemplo); na esfera prática, aponta caminhos para a produção ficcional pessoal (o romance Legbas, Exus e Jararacumbah Blues, de 2012, e O Dom de Casmurro, de 2016, destacam-se); no campo pedagógico, em função da lei 10.639/2003, orienta a condução de aulas e cursos, revelando-se, também, uma contribuição àquilo que há em comum entre os estudos literários e os estudos negros, ou seja, as experiências do sujeito da afrodescendência.

Leitura recorrente, Negritice empalma conceitos, metáforas, identidades. Os conceitos negrice, negritude e negritice se associam às metáforas Ariel, Caliban e Exu que, por sua vez, se conectam com as identidades assimilacionista, nacionalista e catalista. Retomemos, por exemplo, Pecola Breedlove e o desejo que a impele a pedir que Deus lhe conceda dois olhos azuis e os coloque no lugar dos negros que são dela. A ênfase no valor da beleza branca metaforizada nos olhos azuis a aproxima da negrice, de Ariel e da assimilação. Quanto a Celie, por outro lado, a relação que esta mantém com “womanismo” estipulado por Walker (1983) a deixa próxima do conceito negritude, da metáfora Calibã e da identidade nacionalista. Por fim, na ambiguidade caracterizada pela aliança que constrói com a experiência negra e branca, Mama se coloca sob amparo do conceito negritice, da metáfora Exu e da identidade catalista.

A caminhada em busca de uma perspectiva para textos literários que narrem experiências de personagens afrodescendentes parte da apreciação do que seja uma literatura afro-diaspórica. Podemos elencar três perguntas para se alcançar uma perspectiva amplificada deste fenômeno literário: (1) a literatura afrodescendente se restringe aos escritos de autores negros sobre a experiência negra?; (2) inclui, também, os escritos de não-negros sobre a experiência negra?; (3) ampara textos de um negro ambientado em um mundo não-negro? Como tentativa de resposta às três proposições, adapto, para efeitos de discussão, a definição de literatura que Bandia (2008) articula para a literatura africana, substituindo a palavra “africana” por “negra”:

Não obstante os debates, pode-se supor que a literatura [negra] continua sendo a literatura que transmite o pensamento [negro] tradicional e moderno, e lida com a experiência [negra], antiga e contemporânea. A literatura [negra] é a soma de todas as literaturas nacionais e étnicas espalhadas pelo mundo. (BANDIA, 2008: 13)

Na verdade, como a africana, a literatura negra é um arco-íris de elementos “trans”: é trans-nacional, trans-racial, trans-cultural, trans-diaspórica e trans-linguística. Assim, marcada pela “trans-idade”, ela pode ser apreciada, de forma mais enfática, por aqueles aspectos que sugerem a sua inclusão sob o guarda-chuva teórico-conceitual do pós-colonial. E é, neste aspecto, isto é, na sua vinculação com o pós-colonial, que esta autobiografia teórico-literária, esboçada até aqui, e o ensaio que começa a tomar forma, a partir de agora, se dão as mãos, marcando um continuum discursivo que avança do pessoal e do específico para o geral e o coletivo.

Este ensaio lança um olhar sobre a tradução racial de personagens afrodescendentes e a linguística de romances a partir de uma perspectiva pós-colonial. A modalidade racial coloca o personagem afrodescendente em contínuo movimento translatório, levando-o a mover-se entre os valores culturais brancos e negros. A perspectiva linguística ativa a movimentação do texto literário entre o familiar e o estranho linguístico que os romances escritos em língua inglesa, alemã, italiana, francesa e espanhola estabelecem com o português do Brasil. Assim, as traduções raciais protagonizadas por negrice, negritude e negritice se ajustam às traduções linguísticas que, agora, posso chamar de paralatio, similatio e translatio. Paralatio se situa no campo do familiar; similatio, na abrangência do estranho; translatio combina os dois aspectos. Pym (2010) esclarece que a causa principal da tradução cultural [racial] é o movimento de pessoas (sujeitos) e não o deslocamento de textos (objetos)” (PYM, 2010: 144). Os deslocamentos de sujeitos afrodescedentes entre negrice, negritude e negritice os incluem no âmbito da tradução cultural de que fala Pym. Quando se atém à tradução linguística, Pym a denomina de equivalência direcional, enfatizando que “as estratégias de equivalência direcional tendem a se expressar nos termos de dois polos opostos, no qual um lado representa a estratégia que permanece próxima do texto de partida e o outro abriga a proposta que busca a proximidade do texto de chegada” (PYM, 2010: 26). Tanto na perspectiva racial quanto na estratégia direcional, o movimento é binário — ou seja: direciona-se ao mundo branco ou ao mundo negro; aproxima-se do texto fonte ou do texto alvo. A superação do binarismo acontece com negritice e translatio. Do ponto de vista racial, negritice procura estancar as oposições do dualismo racial; da perspectiva da língua, translatio deseja contornar a dualidade linguística. Avançar para o hibridismo ou crioulização, tanto em termos de raça quanto em termos de língua, é a contribuição deste ensaio.

Diante destes elementos, a inserção do estudo no pós-colonialismo se esclarece e explica a tripla abrangência que o trabalho assume: (1) desenvolve uma perspectiva racial, ao privilegiar o pêndulo por que passa o sujeito afrodescendente em textos literários; (2) apresenta uma dimensão transnacional, ao incluir afrodescendentes de nacionalidades diferentes, espalhadas pelos vários continentes; (3) adquire um espectro interlinguístico, ao privilegiar textos provenientes do inglês, italiano, alemão, francês, espanhol e português. As três orientações ou deslocamentos — racial, transnacional, translinguística — solicitam esclarecimentos a respeito da diáspora negra, sob o manto do enfoque teórico-prático dos estudos pós-coloniais. Novamente é Bandia (2008) quem vai nos ensinar que

nos últimos anos, os estudos pós-coloniais têm sido vistos como um local produtivo para se compreender fenômenos como transnacionalismo, transculturalidade e comunicação transcultural em um contexto globalizado cada vez mais em expansão. As práticas da escrita intercultural e translingual na literatura euronegra são informados pelas preocupações estéticas e ideológicas relacionadas com as posições pós-coloniais ou pós-modernas em relação às questões de linguagem e identidade. (BANDIA, 2008: 01)

Bandia também articula as aproximações possíveis entre a tradução racial e a escrita intercultural e pós-colonial, dizendo que

as duas áreas envolvem o movimento de uma cultura linguística para outra, exceto que na escrita pós-colonial intercultural a tradução é entendida no sentido metafórico da transgressão, do deslocamento, do traslado, ou do movimento de uma cultura local colonizada para uma estrangeira e colonizadora cultura linguística. Em outras palavras, enquanto a tradução interlinguística geralmente envolve a importação de elementos da língua estrangeira à própria cultura, a escrita intercultural pós-colonial como tradução descreve um movimento na direção oposta, um movimento inverso da representação de um sujeito na língua do outro. (BANDIA, 2008: 03)

A sugestão de Bandia de que o sujeito afrodescendente pós-colonial perfaz um deslocamento intercultural, ou seja, “um movimento de uma cultura local colonizada para uma cultura de língua estrangeira e colonizadora” aproxima o estudo que se esboça da noção e experiência da diáspora negra. A “diáspora” é, tradicionalmente, associada ao povo judeu, mas quando utilizada para designar experiência interracial, a metáfora se refere às pessoas afrodescendentes "expulsas, removidas ou exiladas das suas casas, que, no entanto, [negociam] os elementos de sua cultura nativa enquanto residem na cultura dominante (…) [negros] cujas dispersões também foram marcadas pela escravidão e pela opressão” (FOSTER, 1997: 218). Na literatura, a experiência de afrodescendentes, vivida entre raças, é conhecida também por “literatura diaspórica”, definida por Foster (1997) como “toda literatura, oral ou escrita, produzida pelo povo negro que sofreu dispersão física ou mental" (FOSTER, 1997: 218). Dispersão ou deslocamento que tendem a realçar, literariamente, inúmeros aspectos: escravidão, raça, cor, colonização, descolonização e a pós-colonização.

Na condição de exemplificação das afirmações propostas até aqui, discuto, em seguida, os deslocamentos interraciais e identitários de três mulheres negras, em conjunto com as dispersões interlinguísticas entre Everyday Use e Uso Diário, como exemplo da experiência diaspórica de pessoas e texto negros, na literatura afroamericana.

1. TRÊS MULHERES E DUAS COLCHAS NO USO DIÁRIO DE ALICE WALKER

Situada na dimensão diaspórica, minha discussão começa com o conto Uso Diário, da escritora afroamericana Alice Walker (1973). O texto narra as experiências de três mulheres americanas negras, as duas filhas Dee e Maggie, e a mãe Sra. Johnson. As três personagens pertencem a uma família cuja tradição negra se manifesta de maneiras diferentes em suas vidas. Mulher inteligente, pele clara e formação acadêmica, Dee contrasta com Maggie, a irmã sem educação formal, desengonçada, feia, a pele muito escura, marcada por queimaduras. A Sra. Johnson leva uma vida simples, cuidando da rotina da família, na lida com os animais — vacas, porcos e galinhas. Sem tempo nem ânimo para educar-se, se preocupa com a educação de Dee e a timidez desajeitada de Maggie. Transforma-se, assim, na provedora destas Johnsons, cujo pai e marido morreu, já faz alguns anos. Além destes aspectos antagônicos, o elemento gerador do conflito mais significativo entre elas se manifesta na relação que estas mulheres são capazes de manter com duas antigas colchas da família, representações concretas da herança cultural dos Johnsons. Presentes na família há muitas gerações, as colchas, cuja confecção os Johnsons desenvolvem desde os tempos da escravidão, são apreciadas por cada uma das mulheres de forma distinta. Pomo da discórdia entre as irmãs e a mãe, Dee as ignora e viaja para Augusta onde estuda; Maggie sabe como confeccioná-las e permanece em contato com elas, em casa; em um momento especialmente crítico entre as duas filhas, envolvendo a decisão de a quem caberá ficar com as colchas, a Sra. Johnson se transforma na juíza salomônica que vai dar a palavra final. Neste sentido, Salgueiro (2004) esclarece que

no conflito que se estabelece entre as personagens, (…) Walker mostra que a cultura e a herança de cada um não são de modo algum representadas pela posse de objetos ou pelas aparências, mas sim, pelo estilo de vida e pela maneira de agir de cada um. Na metáfora do “quilt” (colcha de retalhos), que se desenrola ao longo do conto, Walker trabalha toda uma questão teórica de valores, resistência e permanência. (SALGUEIRO, 2004: 86)

Nos parágrafos que seguem, a apreciação do comportamento que cada uma das Johnsons demonstra em relação à vida negra no Sul dos Estados Unidos — ou seja, a tradução racial pela qual passa cada uma das mulheres — acontece na análise comparativa entre o texto fonte e o texto alvo, entre Everyday Use (1973) e Uso Diário (1998). Através de excertos selecionados, procura-se estudar o conto de maneira que contemple a sintonia entre os anseios raciais de Dee, Maggie e Sra. Johnson e as opções linguísticas e tradutórias feitas pela tradutora Waldéa Barcellos para conta do texto alvo. Pensa-se realçar a correspondência entre o racial e o lingual, por meio de expedientes específicos envolvendo as três personagens. Realça-se que, por um lado, (1) ao deslocamento racial de Dee da família para Augusta corresponderia uma dispersão linguística entre texto fonte e alvo; por outro, (2) a vizinhança racial entre Maggie e as colchas refletiria uma aproximação lingual entre o texto de partida e o de chegada; por fim, (3) as atitudes da Sra. Johnson para com Dee e Maggie encontrariam instanciações de afastamento e aproximação entre cultura e texto de partida e cultura e texto de chegada. Abro a análise com Dee, em processo de tradução racial e lingual.

1.1.  Negrice de Dee: Afastamento Racial e Diferença Lingual

O afastamento racial de Dee da tradição racial dos Johnsons se faz representar pela  rejeição às colchas familiares. O rechaço da jovem ao objeto que marca a história da família, no âmbito da teorização que se propõe em seguida, se caracteriza como um deslocamento para o mundo branco, ou um ambiente antagônico ao familiar, atitude que podemos representar pelo conceito Negrice. Em sua perspectiva de alienação cultural de Dee, Negrice metaforiza a construção de identidade de assimilação. Como caracterização da assimilação na ficção negra, o conceito pode ser entendido a partir de uma grande variedade de pensadores negros e brancos. Considere-se que assimilação não parece comportamento exclusivo de sujeitos negros, mas se verifica também sua presença em sujeitos colonizados, negros e outros. Negrice, ou seja, a idealização de valores brancos, leva colonizados de colorações diversas a construir identidade assimilacionista similar àquele de Ariel, em A Tempestade, de Shakespeare (1999). Na peça do bardo inglês, por exemplo, o colonizado Ariel desenvolve uma identidade de assimilação ao aderir ao projeto colonialista de Próspero. Suas palavras de adesão são enfáticas:

Salve, meu amo! Meu senhor, cá’stou
Pra atender seu prazer, seja voar,
Nadar, entrar no fogo, cavalgar
As nuvens; pra cumprir as suas ordens,
Eis, Ariel e seus pares
(SHAKESPEARE, 1999: 26/27)

A partir da adesão de Ariel ao colonizador europeu, intelectuais negros e brancos têm discutido a assimilação como experiência do colonizado, negro ou não. Rodó (1991), por exemplo, dialoga com Shakespeare — um caso de Signifyin(g)— ao descrever o Ariel shakespeareano como o personagem-metáfora do [negro] colonizado e assimilacionista, enfatizando sua imagem ocidentalizada: “Ariel, gênio do ar, representa no simbolismo da obra de Shakespeare a parte nobre e alada do espírito. Ariel é o império da razão e do sentimento sobre os baixos estímulos da irracionalidade” (RODÓ, 1991: 13). Outros intelectuais seguem linha idêntica de reflexão, ampliando, assim, a abrangência da Signifyin(g) pensada por Gates (1988) com diálogo entre textos negros e outros. Fanon (2005), por exemplo, afirma que, como o Ariel de Shakespeare, o colonizado “aceitava a justeza” das ideias colonialistas “e podia-se descobrir, num recanto do seu cérebro, uma sentinela vigilante encarregada de defender [valorizar] o pedestal greco-latino [ocidental]” (FANON, 2005: 63). Este “pedestal” ocidental, segundo Memmi (2007), é “um modelo tentador muito próximo [que] se oferece e se impõe a ele [colonizado]” e o leva a querer “mudar de condição mudando de pele” (MEMMI, 2007: 162). Compatível com as palavras de Fanon e Memmi é a visão de West (1993). A vontade de usufruir do modelo cultural prestigioso do branco — colonizador ou não — se repete nas palavras deste teórico para quem grupos de negros existem e procuram depositar seu futuro “em uma disposição deferente ao pai ocidental” (WEST, 1993: 85). Du Bois (1986), por sua vez, faz eco aos pensadores que, aqui, o precedem, enfatizando a auto-indagação negra: “o que, afinal, sou eu? Sou um branco?”(DU BOIS, 1986: 821). As palavras de Glissant (2005) e Ferreira (2004) nos ensinam que, quando privilegiamos valores brancos com exclusividade, estamos diante “da identidade como raiz única” (GLISSANT, 2005: 27), unidirecional, em favor “de uma idealização da visão dominante do mundo branco” (FERREIRA, 2004: 70). Como se trata de um movimento em uma única direção — sem trocas, nem reciprocidade — ainda não podemos falar que estamos diante de uma tradução racial. Trata-se apenas de uma tradição se sobrepondo a outra tradição: a branca assumida sobre a negra rejeitada. Hall (2006) acredita que, neste tipo de deslocamento da tradição negra para a branca, persiste o propósito de um dia voltar à tradição original. A esses sujeitos podemos chamar de negros traduzidos, aqueles que acham, segundo Hall, “tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro: ou retornando as suas ‘raízes’ ou desaparecendo através da assimilação e da homogeneização” (HALL, 2006: 88). Como vemos o negro imenso na homogeneização assimilacionista que transforma sua identidade em uma forma de identificação pura e purificada com tudo o que é ou representa a branquidade. “A purificação identitária”, Robins (1991) ensina, “visa assegurar tanto a proteção contra, e a superioridade posicional sobre, o outro estranho/estrangeiro” (ROBINS, 1991: 42).

Em retrospecto, pode-se afirmar que esta longa lista de autores e seus pensamentos a respeito da modalidade de tradução racial marcada pelo conceito Negrice reforça a presença de outra conceituação negra, Signifyin(g). Em suas elaborações filosóficas a respeito do que acontece com afrodescendentes e sujeitos colonizados, todos os pensadores arrolados se aproximam ou se distanciam da proposta assimilacionista que Shakespeare estipula para o seu personagem Ariel. Esta ideia de aproximação e distanciamento caracteriza Sgnifyin(g) que, para Gates (1988), se apresenta como conversa entre autores, pensamentos e textos brancos e negros. Neste sentido, Gates define Signifyin(g) quando afirma que

escritores negros tanto quanto críticos da literatura negra aprenderam a escrever lendo literatura, em especial os textos canônicos da tradição ocidental. Como resultado, os textos negros lembram outros textos ocidentais. Estes textos negros empregam muitas das convenções do aparato linguístico que forma a tradição ocidental. A literatura negra mais se assemelha à tradição literária ocidental do que se diferencia dela, como registro em inglês, espanhol, português e francês. Porém, a repetição negra formal sempre repete com uma diferença, uma diferença negra que se manifesta em usos específicos da língua. E o receptáculo que engolfa a língua que é a fonte — e o reflexo — da diferença negra é a tradição do Black English vernacular. (GATES, 1988: XXII-XXIII)

Nesta caracterização da Signifyin(g), pode-se mensurar o quanto Dee se assemelha e diferencia do Ariel shakespeareano ao se aproximar de Augusta e distanciar-se das colchas dos Johnsons. De forma semelhante, Ariel aproxima-se do colonizador Próspero, desprezando, assim, as suas semelhanças com Calibã, seu irmão sob colonização.

Voltaremos a Dee mais adiante, mas, antes, precisamos dar conta das características do conceito Paralatio, o lado lingual da tradução, na qual Negrice engloba a realidade racial. Bem, paralela à “tradizível” dispersão racial, representada pela Negrice, aparece a Paralatio, ou seja, o deslocamento lingual, igualmente unidirecional, que se movimenta da língua fonte para o texto meta. O conceito utilizado aqui para caracterizar esta tradizível dispersão linguística é o adjetivo “livre”. A ideia de Signifyin(g) interlingual também se estabelece, agora sobre a noção de liberdade translatória. Chesterman (1997) esclarece que a tradução livre sugere que “os tradutores têm o direito de traduzir da maneira que desejarem, explorando uma grande gama de relações entre fonte e alvo” (CHESTERMAN, 1997:13). Aqui, o critério válido é que haja alguma relação entre os dois textos. Trata-se, na verdade, de relação flexível que Venuti (2002) chama de domesticação, fenômeno tradutório reforçador da noção de que “projetos tradutórios (…) constroem representações exclusivamente domésticas de culturas estrangeiras”, estando “simultaneamente engajados na formação de identidades domésticas” (VENUTI, 2002: 145). Venuti argumenta, ainda, que “a função mesma da domesticação é a assimilação”, ou seja, “a inscrição de um texto estrangeiro com inteligibilidades e interesses domésticos” (VENUTI, 2002: 27). Inteligibilidades e interesses linguísticos, certamente. Bassnett (2005) explicita que traduções domesticadoras reformulam o texto alvo de maneira a ensejar a que “o consumo interno aconteça de acordo com as normas e expectativas que prevalecem no sistema linguístico e cultural do texto alvo” (BASSNETT, 2005:120).

Nesta perspectiva de domesticação translatória, na qual a ênfase recai na tradução livre, a tradução lingual se inclui em um dos lados da polarização que Pym (2010) enxerga no paradigma direcional. Posicionando o paradigma, na história dos estudos da tradução, num período que cobre os anos do romano Cícero e chega ao americano Venuti, Pym sugere que

muitas teorias se baseiam em apenas dois tipos de equivalência, às vezes apresentadas como uma dicotomia (pode-se traduzir um texto de uma maneira ou de outra). (…) Isto é, de maneira livre ou literal. É por isso que tendemos a ver a dicotomia como fazendo parte da teoria direcional da tradução. (…) O ponto importante é que a nomeação destas duas modalidades diferentes assume que há algum valor que permanece constante entre elas: são traduções diferentes da mesma coisa. (PYM, 2010: 31)

Neste movimento unidirecional das modalidades de tradução racial e lingual, as relações de complemento entre Negrice e Paralatio estabelecem que tanto a domesticação racial de Dee que a leva a mudar da família para Augusta quanto a domesticação lingual que transfere o idioma inglês de Everyday Use para o Português de Uso Diário, pela pena de Barcellos, se caracterizam pela ideia de colonização que sujeito negro e texto negro espelham. Assim, o resultado mais visível nesta mobilidade tradutória reflete, de um lado, o diálogo interracial de Dee e, do outro, a conversa interlingual do conto, fenômenos que dão conta da Signifyin(g) de Gates (1988). Ao conceito Signifyin(g) que se ajusta à noção de tradução como diálogo intrarracial e entre idioma, Gates (1988) associa a ideia do Livro Falante (Talking Book). Ele sugere que esta modalidade de Signifyin(g) inclui “os textos de voz dupla através da qual um texto fala com o outro” (GATES, 1988: XXV). Assim, as duas bocas da tradução — negro/branco; fonte/alvo — representadas pelas “duas bocas” da Signifyin(g) permitem que o romance de partida e o de chegada conversem, através das diferenças linguais que os afastam.

Veremos, abaixo, como as dispersões raciais de Dee e os deslocamentos linguais do conto de Walker (1973) se refletem nos excertos selecionados para a caracterização da assimilação racial e da domesticação lingual. No excerto de abertura,

I
NEGRICEDee wanted nice things (…) At sixteen she had a style of her own: and knew what a style was (Walker, Everyday 50).
PARALATIO:  Dee queria do bom e do melhor (…) Aos dezesseis anos ela já possuía um estilo próprio; e sabia o que estilo significava (Walker, trad. Barcellos, 55).

a Sra. Johnson, narradora e mãe de Dee, se concentra na beleza física da filha. Sua atenção se volta aos atributos de beleza de Dee, exemplificados pela boa qualidade do corpo, do cabelo mais liso, da pele mais clara e das feições delicadas. Estes aspectos físicos lhe conferem uma maneira autônoma de comportar-se, o que a jovem assume, e que pode ser metaforizada na frase “Dee queria do bom e do melhor”. Sem condições de encontrar o bom e o melhor na humilde existência dos Johnsons, a filha ambiciosa deposita suas esperanças na universidade em Augusta. O “estilo próprio” da jovem autônoma inclui alguns elementos: o modo de se vestir, de falar, ler e de olhar as pessoas nos olhos sem nunca baixar a cabeça para ninguém. Essas características certamente vão ajudá-la a criar, no mundo dos brancos em Augusta, vida própria, independente e autoconfiante. O estilo forte e audacioso vai dar-lhe, também, elementos específicos para assimilar valores brancos e ser aceita. Ou seja, Dee vai traduzir-se racialmente, assumindo identidade assimilacionista associada ao conceito Negrice. No novo ambiente, Dee espera ter acesso àquilo que Memmi (2007) atribui à cultua ocidental. O mundo do branco é tentador para Dee porque “não sofre de nenhuma de suas carências, tem todos os direitos, desfruta de todos os bens, beneficia-se de todos os prestígios” (MEMMI 2007: 162), diz o pensador. Quando cotejados os textos fonte e alvo, passa-se da Negrice como assimilação racial para Paralatio, como domesticação linguística. Como resultado, as diferenças entre a humildade do mundo negro representado pela família das Johnsons e a opulência da comunidade branca metaforizada por “todos os bens” que possui são retomadas na tradução linguística. Nota-se, então, que a tradução intertextual de Barcellos produz distinções linguísticas entre as duas línguas envolvidas no processo translatório, quando altera palavras, expressões e frases para transportar a mensagem do texto de partida ao idioma de chegada, favorecendo a fluência brasileira, com a utilização de características linguísticas mais palatáveis ao leitor receptor. Por exemplo, Barcellos faz a expressão [nice things] corresponder a [do bom e do melhor], expande o numeral [sixteen] para [dezesseis anos], reescreve a forma verbal [was] como [significava], e aciona, em relação ao artigo indefinido inglês [a], a estratégia de tradução que o substitui pela forma definida [o] do português. Esta concentração na diferença interlinguística se coaduna com perspectiva de Chesterman (1997), para quem “os tradutores são agentes de mudança. Os tradutores, na verdade, produzem diferenças” (CHESTERMAN 1997: 02).

No próximo excerto, a Sra. Johnson prossegue na descrição das qualidades pessoais da filha Dee, ampliando os contornos da sua identidade assimilacionista.

II
NEGRICEFurtive boys in pink shirts hanging about on washday after school. Nervous girls who never laughed. Impressed with her they worship the well-turned phrase, the cute shape, the scalding humor that erupted like bubbles in lye. She read to them (Walker, Everyday 51).
PARALATIO:  Meninos esquivos, de camisa cor-de-rosa, perambulando por ali no dia de lavar roupa, depois da aula. Meninas nervosas que nunca riam. Todos, impressionados com ela, idolatravam sua expressão bem cuidada, a forma elegante, o humor causticante que surgia como bolhas na lixívia. Ela costumava ler para eles. (Walker, trad Barcellos, 56)

Na esfera racial, a Sra. Johnson, narradora e mãe de Dee, desvela tanto a Negrice como a assimilação racial da filha mais bonita quando detalha suas qualidades intelectuais, evidenciadas no fato de ser usuária do inglês padrão, em detrimento do Black English, dialeto negro americano utilizado pela irmã Maggie e demais membros da família. A opção linguística da jovem pelo inglês angloamericano, aliada à beleza do corpo e ao humor, se transforma em útil instrumento de sedução e de atração dos amigos que rodeiam Dee. Estes aspectos se tornam alvos de admiração entre os vizinhos e colegas de escola que apreciam seus encantos intelectuais — cuidado, elegância e humor linguístico — nos momentos especiais em que a capacidade mental de Dee se destaca na leitura de livros que faz para todos. São estas qualidades da filha que convencem a Sra. Johnson da capacidade intelectual da filha intelectualmente brilhante e motivam a mãe a envidar todos os esforços pessoais e financeiros para que a filha possa seguir os estudos em Augusta. Como resultado, Negrice e assimilação racial se articulam na existência de Dee de forma incontestável. Ferreira (2004) se refere a este momento de assimilação na vida de qualquer negro como exemplo de submissão racial. Nesta ocasião, “há, portanto, uma negação do grupo afro-descendente como referência para a constituição de sua identidade” (FERREIRA 2004: 74) afrocentrada, escreve o pensador afro-brasileiro. O deslocamento da transferência interracial de Dee para a migração intertextual do conto traça a passagem da análise da Negrice para a Paralatio. As estratégias de tradução associadas à Paralatio mostram momentos especiais em que a tradutora brasileira Barcellos faz arranjos linguísticos de criatividade para realizar a passagem do excerto do inglês para o português. Por exemplo, Barcellos prefere traduzir, de forma bem criativa e livre, [school] como [aula], [they] como [todos], [well turned] como [bem-cuidada], [cute] como [elegante], [erupted] como [surgia] e, por fim, [read] como [costumava ler]. A frase portuguesa [impressionados com ela], intercalada por vírgulas, também aparece na tradução de Barcellos para dar conta da expressão original [impressed with her], sem marcação por vírgulas.

No excerto que segue abaixo, Dee se vale da sua acuidade intelectual e da rotina que leva em Augusta, como estudante universitária, para propor uma função alternativa para as colchas familiares.

III
NEGRICE: “Mama,” Wangero said sweet as a bird. “Can I have these old quilts? (…) Maggie can’t appreciate these quilts!” she said. She’d probably be backward enough to put them to everyday use” (…) Maggie would put them on the bed and in five years they’d be in rags” (…) “Hang them,” she said. As if that was the only thing you could do with quilts (Walker, Everyday 56/58).
PARALATIO:  — Mama — Wangero disse, delicada como um passarinho —, posso ficar com essas velhas colchas? (…) — Maggie não tem condição de dar valor a essas colchas! É bem capaz que ela seja tão retardada a ponto de as deixar no uso diário. (…) Maggie iria usá-las na cama, e em cinco anos elas estariam em frangalhos. (…) Eu as penduraria como quadros. — Como se essa fosse a única coisa que se pudesse fazer com colchas. (Walker, trad. Barcellos, 61/62)

A apreciação que Dee tem pelas colchas distingue-se daquele que Maggie devota aos utensílios de cama. Insensível, Dee desvaloriza a utilização que Maggie faria das colchas, privilegiando o uso diário. Dee, ao contrário, promete utilizá-las como objeto de decoração do apartamento que ocupa em Augusta, enfatizando que “eu as penduraria como quadros.” Realçando que o uso que dará às colchas é mais nobre que o da irmã Maggie, o faz acompanhar de conotação de desvalorização da irmã, quando a acusa de que “é bem capaz que ela seja tão retardada a ponto de deixá-las no uso diário.” Cética a respeito da função que Dee articula para as colchas, a Sr. Johnson reage com a expressão “Como se essa fosse a única coisa que se pudesse fazer com colchas.” No final da narrativa, Maggie oferece as colchas à irmã, mas Sra. Johnson decide de maneira diferente, oferecendo-as a Maggie. Enraivecida e decepcionada com a opção da mãe, Dee volta para a Augusta, não sem antes proferir uma ameaça contra a irmã e a mãe. “Do jeito que você e mamãe ainda vivem nem dá para acreditar”, exclama, põe os óculos escuros, entra no carro do narrador e se vai dali. Com esta atitude extrema, Dee realça sua Negrice e a identidade assimilacionista que a caracteriza. Cross (1971) explica a atitude de Dee em relação ao que as colchas representam para a tradição cultural negra dos Johnsons com palavras claras. “Como os padrões ocidentais são inerentemente anti-negros, o cruel paradoxo do negro assimilado é que, ao se tornar um bom americano, ele também se tornou anti-preto e anti-africano” (CROSS 1971:05), escreve o pensador. O distanciamento cultural e racial entre Dee e o resto da família Johnson se prolonga ainda no distanciamento entre o texto inglês e o português, como demonstração da tradução linguística, a partir do conceito de domesticação paralática. Na tradução lingual, se percebe que o afastamento lexical e oracional entre os dois textos apresenta várias ocorrências: distanciamento entre [passarinho] e [bird], [ficar] e [have], [não tem condição de dar valor] e [can’t appreciate], [é bem capaz que ela seja] e[she’d probably be], [a ponto de as deixar] e [to put them], [eu as penduraria, como quadros] e [hang them] e [se pudesse] e [you could]. Os exemplos evidenciam como o inglês vai se ajustando à língua alvo do conto, assimilando a fluência lexical, semântica e sintática do português brasileiro. A tradutora Barcellos não apenas alonga as frases do português, mas também, adicionalmente, inclui novas palavras para lidar com o significado que ela acredita ser apropriado para a situação. Por exemplo, a frase inglesa de duas palavras [hang them] aparece em português como uma longa oração de cinco termos [eu a penduraria, como quadro]. Igualmente, a expressão [como quadro], ausente na narrativa fonte, é inserida, configurando, assim, diferença entre o original e a tradução. Neste sentido, as decisões translatórias de Barcellos se adequam ao pensamento de Bassnett (2005), segundo o qual “o consumo interno aconteça de acordo com as normas e expectativas que prevalecem no sistema linguístico e cultural do texto alvo” (BASSNETT, 2005:120).

1.2. Negritude de Maggie: aproximação racial e convergência lingual

Em relação à identidade assimilacionista de Dee, representada pelo conceito Negrice, vimos como Ariel se insere na tradição literária negra, como metáfora identitária cujo foco recai na adesão ao mundo cultural que não é negro, mas branco. Nesta nova parte da análise, perceberemos como esta mesma literatura fornece espaço para Calibã e seus significados metafóricos de apego a tudo que sugere orgulho negro. Aqui, se esclarece como a Signifyin(g) da diferença sustenta diálogos identitários entre Calibã e Ariel. Em A Tempestade, de Shakespeare (1999), a metáfora branco-europeia associada a Ariel cede lugar a Calibã, como símbolo do mundo negro-africano. Em lugar da adesão ao projeto colonialista de Próspero, como faz Ariel, Calibã articula a destituição do europeu que se apoderou da ilha, da qual os dois — Ariel e Calibã — são donos por direito e herdeiros da proprietária Sycorax. Em três momentos, a derrubada do colonizador Próspero está presente no coração da resistência anticolonialista de Calibã. Na primeira ocasião, o revolucionário personagem shakespeareano reivindica a possessão da ilha, bradando “a ilha é minha, da mãe Sycorax, que você me tirou” (SHAKESPEARE, 1999: 35). Em seguida, a reivindicação da posse se articula através da maldição que lança sobre Próspero, bradando contra o europeu usurpador,

Maldito seja! Todos os encantos
de Sycorax — sapos, escaravelhos,
e morcegos, te ataquem todos juntos! (…)
Agora eu sei falar, e o meu proveito
é poder praguejar. Que a peste o pegue,
por me ensinar sua língua!”
(SHAKESPEARE, 1999: 35-36)

Mais adiante, Calibã planeja a morte de Próspero, juntamente com os colaboradores europeus que o acompanham: “com uma acha amassa o crânio, ou rasga com pancada, ou corta a goela com a faca” (SHAKESPEARE, 1999: 85), ordena a Trínculo e Stephano.

Signifyin(g) é o conceito que explica a conversa intrarracial que os dois negros e colonizados Calibã e Ariel entabulam, através de comportamentos distintos e antagônicos em relação ao colonizador Próspero. Enquanto Ariel colabora com o projeto colonialista do europeu, Calibã não apenas resiste a ele, mas também procura extirpar da ilha da mãe Sycorax tanto a colonização quanto o colonizador. A proposta de resistência consciente de Calibã se propaga pela cultura negra e encontra ressonância nos textos de muitos intelectuais e escritores afrodescendentes vindouros. Estes novos Calibãs literários e acadêmicos compartilham com o Calibã shakespeareano grandes ideias relacionadas à autonomia e à autodeterminação do sujeito afrodescendente em todos os aspectos da experiência racial em nível global. Percebe-se neles, então, a Signifyin(g) da semelhança. Através dela, a luta de Calibã pela autonomia e independência de colonizado, através do desejo de retomar a ilha para si e para a mãe Sycorax, encontra paralelo em textos de vários pensadores negros e brancos. Com maior ou menor veemência, agressividade ou determinação, os Calibãs da descolonização negra espalham nas letras afrodescendentes sua Negritude nacionalista. Retamar (1988), por exemplo, reclama Calibã, com paixão, afirmando que “nosso símbolo, então, não é Ariel, como pensou Rodó, mas Caliban (…) Não conheço outra metáfora mais adequada para nossa situação cultural, para nossa realidade (…) O que é a nossa história, o que é a nossa cultura senão a história, senão a cultura de Caliban?” (RETAMAR, 1988: 29). Fanon (2005) olha para a luta de Calibã pela autodeterminação negra como o desejo de descolonizar-se, esclarecendo que a descolonização impregna, no negro colonizado, “um ritmo próprio, trazido pelos novos homens, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é verdadeiramente a criação de homens novos” (FANON, 2005: 53). Esta “nova humanidade” negra de que fala Fanon é retomada por Memmi (2007) como um ato de “ruptura”, através da qual o colonizado se pergunta: “como sair disso a não ser por meio da ruptura, da explosão, cada dia mais violenta, desse círculo infernal? A situação colonial, por sua própria fatalidade interna, chama à revolta.” (MEMMI, 2007: 169-170). De mãos dadas, a nova humanidade e a ruptura negras encontram em West (1993) uma formulação mais propositiva, não mais direcionada contra o colonizador ocidental ou o opressor branco, mas ativada em favor dos valores culturais de matriz africana. Trata-se, pensa West, de “uma busca nostálgica do pai Africano” (WEST, 1993: 85). Busca esta que se concretiza na resposta que a nova humanidade negra, duramente reconquistada, consegue articular à pergunta de Du Bois (1986): “afinal o que eu sou: sou um Negro?” (DU BOIS, 1986: 821). A resposta só seria sim, sou negro. Imbuído dessa nova humanização auto-determinada e independente, o novo ser negro submerge completamente na cultura negra, atitude que, para Ferreira (2004), se caracteriza por um “mergulho na negritude e libertação dos valores bancos (…). O interesse pela ‘Mãe África’ torna-se evidente.” (FERREIRA, 2004: 81). Cross (1971) fecha esta longa lista de pensadores – literários e acadêmicos – da descolonização negra insistindo em que o negro, então, se lança na cultura negra, atitude pessoal na qual “a literatura negra é consumida apaixonadamente; irmãos e irmãs, que nunca tinham interesse na leitura da literatura negra passam a ensinar-se a ler e a escrever (...) poesia, ensaios, peças de teatro, romances, ou textos confessionais” (CROSS 1971: 18). Porém, é preciso deixar claro que desenvolver a assimilação de valores brancos, como fizeram Ariel e Dee, e passar a valorizar e vivenciar os valores negros, como farão Calibã e Maggie, ainda é uma atitude reativa, necessária, mas incompleta para a deflagração de uma “humanidade negra” construtiva e autônoma. Assim entendida e vivida como reação acrítica à Negrice, a Negritude é denunciada por Glissant (2005) como experiência proveniente de uma cultura atávica. “As culturas atávicas”, explicita o pensador martinicano, “tendem (…) a defender de forma frequentemente dramática (…) o estatuto da identidade como raiz única (…) e excluem o outro” (GLISSANT, 2005: 27). Identidades excludentes, como a assimilacionista, apoiada nos bens culturais ocidentais, e a nacionalista, baseada somente nos valores de matriz africana, se tornam experiências atávicas, gerando “identidades purificadas”. “A pureza identitária”, Robins (1991) escreve, “procura assegurar tanto a proteção contra como a superioridade de posição sobre o outro externo” (ROBINS, 1991: 42). Como se trata de uma identidade marcada pela polaridade entre dois mundos antagônicos – o branco e o negro – e duas tradições em oposição – a ocidental e a africana –, Hall (2006) acredita que o negro que nela se constrói acha “tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro lugar” (HALL, 2006: 88), no Ocidente ou na África, ladeando Dee ou Maggie. Como resultado, à semelhança de Dee e Ariel, tivemos o negro que já foi o branco, mas excluiu outro negro; agora, na toada de Maggie e Calibã, nos deparamos com o negro que ignora o branco.

Agora, falemos da Similatio como o correspondente lingual da Negritude racial. À migração racial que se ancora na Negritude se junta à dispersão interlingual da Similatio. Ao descrever um movimento unidirecional para a tradição negra que o nacionalismo e o orgulho racial fortalecem, a Negritude faz do negro um sujeito tradizível, ou seja, um ator que se apoia em uma única tradição racial. Paralelo ao este deslocamento racial se instaura outro fenômeno identitário, também tradizível, materializado na dispersão lingual, ou seja, na tradução similática. A modalidade de tradução textual que caracteriza o movimento lingual da Similatio é o adjetivo literal, que se caracteriza pela infusão da literalidade na tradução. Amorim (2005) assegura que

a tradução literal é compreendida também como abrangendo a noção correlata da ‘tradução palavra-por-palavra’ (…) a tradicional noção de fidelidade a um dos lados dessa oposição (…) considera-se que ser ‘fiel’ ao texto original é privilegiar uma leitura que se restringiria às estruturas sintáticas do texto de partida, à sua ‘literalidade’. (AMORIM, 2005:53-54)

Aos tradutores adeptos da “literalidade”, ou seja, da prevalência das especificidades linguísticas da língua A sobre o idioma B, Landers (2001) chama de sourcerers, aqueles voltados para o texto fonte, original. Um tradutor sourcerer ofereceria ao leitor, segundo Landers, uma tradução orientada para o texto de partida. Kruger (2009) argumenta que “como acontece em abordagens gerais da tradução, a tensão entre voltar-se para o texto-fonte (estrangeirização) e voltar-se para o texto-alvo (domesticação) é uma preocupação central no estudo de tradução literária” (KRUGER, 2009: 166). Venuti (2002) resolve esta tensão ao preferir a tradução estrangeirizante, descartando, então, a domesticante. Por estrangeirização tradutória Venuti entende o processo translatório que “força a língua e a cultura domésticas a registrarem a estrangeiridade do texto estrangeiro” (VENUTI, 2002: 155). Por isso, para o autor, “a boa tradução” não é mistificadora como a domesticação, mas “desmitificadora: manifesta, em sua própria língua, a estrangeiridade do texto estrangeiro” (VENUTI, 2002: 27). A estrangeiridade desafia a fluência do idioma que recebe a tradução, imprimindo nele a inovação cultural. Bassnett (2005) ressalta que a tradução estrangeirizante

opta por uma estratégia que adere mais fortemente às normas do sistema-fonte. A estrangeirização assegura que um texto é um outro autoconsciente, de maneira que os leitores não podem duvidar que o que estão encontrando deriva de um sistema completamente diferente. Em resumo, que ele contém traços de uma estrangeiridade que o torna distinto de qualquer coisa produzida pela cultura alvo. (BASSNETT, 2005: 121)

Para além da validação translatória que os pensadores arrolados conferem à noção de Similatio, eles também evidenciam a presença da Signifyin(g) dialógica entre as ideias que defendem sobre a validade da estrangeirização na experiência tradutória, tanto no campo racial quanto no lingual. Os pensadores da Negritude e os defensores da Similatio, discutidos até aqui, coincidem na sua apreciação da dispersão racial e lingual como duas mobilidades unidirecionais: a racial se viabiliza entre o mundo branco e negro; a linguística se edifica entre os idiomas de partida e aquele de chegada.

A identidade nacionalista de Maggie, derivada da sua associação à Negritude, promove antagonismos identitários à identidade assimilacionista de Dee, proveniente da sua adesão à Negrice. No excerto abaixo,

I
NEGRITUDE: Have you ever seen a lame animal, perhaps a dog run over (…)? That is the way my Maggie walks (Walker, Everyday 49)
SIMILATIO:    Alguma vez vocês viram um animal coxo. Talvez um cão atropelado (…)? É assim que minha Maggie anda (Walker, trad. Barcellos, 54).

percebem-se, na descrição que Sra. Johnson faz das filhas, as diferenças pessoais das duas irmãs, Dee e Maggie. Enquanto Dee “possuía um estilo próprio”, marcado pela postura assertiva na ação de envolver os outros na sua rede de influência, Maggie se assemelha, segundo a mãe, a “um animal coxo” e a “um cão atropelado.” Nas palavras da Sra. Johnson, racialmente, a descrição física de Maggie não é positiva na forma como ela se move. Seus movimentos são limitados pela postura corporal e falha física. Sua aparência imperfeita contrasta com a beleza e o corpo de Dee. De um lado, a comparação que a narradora estabelece entre Maggie e os animais — às vezes, um cachorro; outras ocasiões, uma cobra ou um peixe — enfatiza a deformidade física e a feiura da filha, ressaltando a distância que se estabelece entre as duas irmãs. Infelizmente, ficamos sabendo, pelas palavras da narradora, que a postura inadequada no corpo imperfeito de Maggie resulta do incêndio da casa e de queimaduras que a deixam com cicatrizes horrendas por todo o corpo. Todavia, as condições físicas e psicológicas de Maggie são recompensadas pela atitude pró-ativa, através da qual constrói uma Negritude orgulhosa e uma identidade nacionalista assertiva e cooperativa. Nas palavras de Fanon (2005), Maggie traz para a família Johnson, como ainda veremos, “uma nova linguagem, uma nova humanidade.” Essa renovada humanidade permite que, à colonização da arielista de Dee, Maggie contraponha, como faz Calibã em relação a Ariel, a descolonização negra. Em paralelo ao estranhamento racial da figura de Maggie, temos a estrangeirização da Similatio como proposta de tradução linguística estrangeirizante. Por exemplo, nota-se a semelhança frasal e semântica entre [a lame animal] e [um animal coxo], entre [perhaps a dog run over], [talvez um cão atropelado], e entre [my Maggie walks] e [minha Maggie anda].

No próximo excerto, a Negritude de Maggie deixa sua descolonização racial mais assertiva.

II
NEGRITUDE: “She can have them, mama,” she [Maggie] said, like somebody used to never winning anything, or having anything reserved for her. “I can ‘member grandma Dee without the quilts” (Walker, Everyday 58).
SIMILATIO:    — Ela pode ficar com elas, mamãe — disse ela [Maggie], como alguém acostumado a jamais ganhar qualquer coisa, ou jamais ter alguma coisa reservada para si. — Eu posso me lembrar de vovó sem as colchas (Walker, trad. Barcellos, 62).

A assertividade de Maggie se evidencia quando oferece a Dee as colchas que a irmã orgulhosa tanto deseja levar para Augusta e expô-las, como obra de arte, no apartamento que ocupa. Estas palavras de desprendimento, caracterizadas pela oferta de “ela pode ficar com elas, mamãe” são amplificadas por afirmação do reconhecimento da tradição presente na família Johnson, quando diz que “posso me lembrar da vovó sem as colchas.” A avó Dee é a ancestral que torna a confecção de colchas uma tradição perene na família Johnson, por gerações e gerações, desde os trágicos anos de escravidão no Sul do país. A atitude e as palavras de desprendimento revelam uma Maggie disposta a desistir das colchas, pomo da discórdia entre as três mulheres da família, e a presenteá-las a Dee. O desprendimento de Maggie funciona em favor da preservação da família, já que não necessita das colchas para manter a avó Dee na sua memória e na vida da família. A atitude altruísta de Maggie se cola à avaliação que Du Bois (1998) faz da raça negra quando afirma que “a raça negra se sobressai em beleza, em bondade” (DU BOIS, 1998: 30). Hooks (1998) faz eco às palavras de Du Bois, dizendo que “o negro é sinônimo de bondade” (HOOKS, 1998: 43). A Negritude nacionalista de Maggie, marcada pela descolonização racial ao privilegiar a cultura e a tradição negras se alonga na estrangeirização translatória presente no conceito Similatio. Similaticamente, quando se discute a tradução textual, nesta pequena passagem, não é difícil notar que as expressões [she said], [like somebody] e [without the quilts] recebem traduções em português como [ela disse], [como alguém] e [sem as colchas], evidenciando, assim, proximidade linguística entre texto alvo e fonte, ênfase que recai nas especificidades sintáticas e semânticas da língua inglesa.

Nosso derradeiro excerto aprofunda a qualidade da Negritude calibanista de Maggie e a distancia, racialmente, ainda mais de Dee, a irmã arielista que troca a tradição negra pela cultura acadêmica em Augusta. Nas palavras da Sra. Johnson,

III
NEGRITUDE: It was Grandma Dee and Big Dee who taught her how to quilt herself (…) She looked at her sister with something like fear but she wasn’t mad at her. This was Maggie’s portion. This was the way she knew God to work (Walker, Everyday 58)
SIMILATIO:    Foram vovó Dee e Big Dee que a ensinaram a fazer acolchoados (…) Olhava para a irmã como algo semelhante ao medo, mas não tinha raiva dela. Este era seu quinhão. Era dessa maneira que ela sabia que Deus agia (Walker, trad. Barcellos, 62).

a humilde Maggie revela todo o seu envolvimento e investimento pessoais na tradição dos Johnsons, caracterizada pela confecção das colchas durante anos. Neste excerto, ficamos sabendo que, como permanece próxima da tradição negra, Maggie participa diretamente da confecção das colchas. As relações entre a confecção das colchas de que Maggie é detentora e a tradição cultural da família Johnson chamam atenção para a vizinhança racial que ela mantém com a ancestralidade negra das mulheres Johnsons, exemplificando, de forma clara, as diferenças existentes entre ela e a irmã Dee, que menospreza a tradição dos Johnsons. Maggie aprecia as colchas e aprendeu a confeccioná-las, ao passo que Dee as descarta como possuidoras de valor ancestral. A velha casa da família eleva o grau de rivalidade racial entre as irmãs. Nas palavras da mãe narradora, neste momento, o lado mais espiritualizado de Maggie se evidencia, ausente de raiva ou ódio pela irmã educada. A maneira como “sabia que Deus agia” nela a leva a aceitar “o seu quinhão” de vida humilde, sem mágoa ou raiva, motivo que animaram “vovó e Big Dee que a ensinaram a fazer acolchoados.” Sua aceitação de permitir que Dee leve também as colchas para Augusta e a exiba no apartamento que divide com Asalamalakin revela uma Maggie que se coloca nas mãos de Deus, deixando-o agir sobre a sua vida. Assim, enquanto, de um lado, Dee deseja possuir a materialidade das colchas prontas, Maggie, do outro, prefere a imaterialidade do conhecimento sobre as colchas que ela pode fazer quando desejar ou precisar para colocar no uso diário. Como resultado, temos que a Negritude de Maggie se pauta pelo conhecimento que efetiva o uso diário das colchas. Dee, ao contrário, luta pelas colchas para preservá-la, como relíquia distante da necessidade utilitária. Maggie se encontra imersa na cultura negra, o que a leva a perceber-se inteira e completa. Nas palavras de Cross (1971), a Negritude de Maggie leva-a a considerar que “tudo que tem valor deve ser negro ou importante para a gente negra. A experiência é uma imersão na negritude e abandono da branquidade” (CROSS 1971: 18). Da perspectiva similática da tradução lingual, as opções e decisões translatórias de Barcellos articulam, com base na aproximação entre os dois idiomas, a correspondência linguística entre as expressões [Grandma Dee] e [vovó Dee]. Além disso, a manutenção do nome [Big Dee] em português repete o mesmo fenômeno tradutório anterior, igualando os dois textos, o que dá visibilidade à Similatio translatória. Exemplos semelhantes ocorrem nas expressões [who taught her] e [que a ensinaram] e [something like fear] e [algo semelhante ao medo]. Por fim, a expressão que, mais de perto, exemplifica a espiritualidade de Maggie obedece ao mesmo padrão de tradução similática, com Barcellos reproduzindo [she knew God to work] como [ela sabia que Deus agia]. Neste sentido de afirmação da autonomia linguística do idioma A na estrutura semântica e sintática do idioma B, as palavras de Bassnett reiteram as estrangeiridade quanto insistem em que “a estrangeirização assegura que um texto é um outro autoconsciente.”

A pergunta que ainda cabe nesta análise indaga-nos como debelar aos vários antagonismos que se evidenciam nesta argumentação: oposição entre Ariel e Calibã; distanciamento entre colonização e descolonização; separação entre assimilação e nacionalismo; discrepância entre Negrice e Negritude; rivalidade entre Dee e Maggie.

1.3. Negritice da Sra. Johnson: hibridismo racial e lingual

Vimos, quando tratamos de Dee e Maggie, duas experiências raciais e duas modalidades linguísticas que, claramente, opõem as tradições culturais negra e branca: a primeira indica que ao afastamento racial que Dee assume em relação às tradições da família Johnson corresponde uma estratégia tradutória de distanciamento lingual entre os idiomas Inglês e Português, nas decisões translatórias de Barcellos; a segunda revela que à aproximação racial que Maggie direciona à herança negra do clã Johnson corresponde uma clara proximidade tradutória entre as línguas A e B. A partir de agora, a análise das experiências raciais e tradutórias que dizem respeito à Sra. Johnson abandona tanto o binarismo racial reinante entre as irmãs Dee e Maggie quanto a polarização linguística que se estabelece entre o texto de partida e aquele de chegada. Ao desprezar a polarização antagônica das filhas, a mãe Johnson reivindica para si posturas combinatórias e híbridas, fazendo com que tanto o distanciamento racial associado à filha brilhante quanto a aproximação negra relacionada à descendente altruísta, e ao tipo de tradução específica que cada uma delas referenda, se fundam na sua figura como a mãe das jovens e a narradora do conto de Walker. A ênfase nas ações da mãe de Dee e Maggie ilustra, de um lado, a substituição de Ariel como metáfora literária da filha que escolhe Augusta; do outro, exemplifica o abandono de Calibã como representação sígnica da filha que privilegia as colchas. A prevalência do orixá Exu no lugar das duas figuras shakespeareanas sugere um avanço racial da colonização de Dee e da descolonização de Maggie para a pós-colonização do sujeito negro, representado pela Sra. Johnson. Na esfera da tradução lingual, o deslocamento linguístico caminha da domesticação e da estrangeirização translatórias na direção da hibridização translatória.

Para superar a colisão racial entre colonização e descolonização que aparta Ariel de Calibã, que separa a Negrice da Negritude, que distancia Dee de Maggie, juntamente com o distanciamento entre as culturas branca e negra impõe-se a presença conciliadora de Exu. Todos esses aspectos, ao privilegiarem tradições herméticas, fechadas e atávicas e impedirem a verdadeira tradução racial, cedem espaço à mulher negra que, como personificação do orixá, é capaz de promover a própria tradução. Em função dos aspectos de alteridade que exemplifica, a negra Sra. Johnson será analisada racialmente com base na reciprocidade racial e cultural da divindade negra de Exu. Diferente de Ariel que simbolizou a cooptação de Dee pelos valores brancos de Augusta e distinto de Calibã que representou a afirmação de Maggie das energias culturais negras, Exu não se encontra em A Tempestade, de Shakespeare (1999). O orixá aparece, porém, em La Tempête, a releitura da peça do dramaturgo inglês, realizada por Césaire (1969), escritor afrocaribenho da Martinica. Na peça de Césaire, Exu se encontra presente na festa de casamento de Miranda, filha de Próspero, com Ferdinando, filho do inimigo do colonizador europeu. Com humor, Exu saúda os convidados, dizendo “Deus para os amigos, o diabo para os inimigos! E a diversão para todos” (CÉSAIRE, 1969: 68). Dotado da capacidade de juntar elementos em nítida oposição semântica — Deus e o diabo — Exu metaforiza, no texto de Césaire, a futura aproximação entre Próspero e Calibã, presente nas palavras do europeu: “bem, meu velho Caliban, somos só nós dois nesta ilha, só você e eu. Você e eu! Eu sou você! Você sou eu!” (CÉSAIRE, 1969: 92). As exclamações “eu sou você” e “você sou eu” sugerem a alteridade ou a reciprocidade que só a tradução é capaz de edificar entre dois elementos, textos ou pessoas. Traduzidos por Exu — ou nEle — colonizador e colonizado se aproximam através das figuras de Próspero e Calibã, depois de vencidas suas rivalidades intestinas.

De forma brilhante, o crítico literário afroamericano Gates (1988) amplia as qualidades do hibridismo racial que Césaire atribui a Exu, ao analisar a imagem de tradutor cultural presente na divindade do orixá. Gates argumenta que, de um lado, a deidade Iorubá do Candomblé traduz a cultura dos deuses para os homens e, do outro, interpreta a cultura dos homens para os deuses. A tradução do divino para o humano e do humano para o divino é possível porque, segundo Gates, Exu “mantém uma perna ancorada no reino dos deuses e a outra neste nosso mundo humano” (GATES, 1988: 6). Ocupando esta posição mediadora — o entre-lugar da encruzilhada — Exu é “aquele que traduz, que explica” (GATES, 1998: 9) o conhecimento. Gates enxerga em Exu um tradutor racial também, ao afirmar que “podemos tomar” Exu “como esta forma de significação perpétua ou ambulante”, ou seja, “como um emblema do processo da transmissão cultural e racial que sempre acontece com uma frequência extraordinária quando culturas africanas e de matriz africana se encontram com as culturas europeias do Novo Mundo e, juntas, geram uma nova cultura” (GATES, 1988: 19), a afroamericana ou afrodescendente. Devido à capacidade de intermediar os deuses e os homens, os africanos e os europeus, como afirma Gates, Exu tem a força de juntar Ariel e Calibã, como deseja Retamar (1988). Ariel, argumenta o pensador cubano, pode “se unir a Caliban, em sua luta pela verdadeira liberdade” (RETAMAR, 1988: 65), e pode, desta forma, “com seu próprio exemplo, luminoso e aéreo como poucos” pedir “a Caliban o privilégio de um lugar em suas fileiras sublevadas e gloriosas” (RETAMAR, 1988: 73).

A discussão teórica que acontece a partir daqui entroniza o conceito de Signifyin(g), conforme o caracteriza seu criador, o crítico literário afroamericano Gates (1988) e, em relação ao qual adiciono alguns teóricos e suas ideias que contribuem ao processo de dialogo mútuo. A insistência de Exu na reciprocidade e alteridade entre coisas e mundos que se opõem — ou seja, na hibridização, sincretismo, crioulização raciais — deve redundar na construção de identidades catalistas, ou seja, identidades de coalisão interracial. Conectado a Exu, o catalista afrodescendente concilia, com consciência, sua cultura negra com a do branco europeu. Fanon (2005), por exemplo, conversa com Césaire, Gates e Retamar ao enxergar nesta aproximação interracial a conciliação entre o nacional e o internacional, dizendo que “é no coração da consciência nacional que se eleva e se vivifica a consciência internacional. E essa dupla emergência é apenas, definitivamente, o núcleo de toda cultura” (FANON, 2005: 283). Imbuído do mesmo mote dialógico fanoniano, Memmi (2007) acredita que a liberdade virá desta reciprocidade interracial e intercultural. “Uma vez reconquistadas todas as suas dimensões”, Memmi explica, “o ex-colonizado se terá tornado um homem como os outros. Ao sabor da fortuna dos homens, é claro; mas será enfim um homem livre” (MEMMI, 2007:190). Livre da assimilação e do nacionalismo essencialistas e mutuamente separatistas, protagonizados, em separado, por Ariel e Calibã – também por Dee e Maggie – o novo afrodescendente desenvolve, nas palavras de West (1993), uma postura que se alimenta de “uma negação crítica, de uma preservação sábia e de uma transformação insurgente desta linhagem negra que protege a terra e projeta um mundo melhor” (WEST, 1993: 85). A construção de um mundo melhor só é possível na fusão dos mundos branco e negro, como Du Bois (1986) parece sugerir, ao perguntar-se: “afinal, o que sou eu? Posso ser os dois?” (DU BOIS,1986: 821), negro e branco, Ariel e Calibã, Maggie e Dee. A pergunta de Du Bois reafirma a alteridade de Exu na experiência afrodescendente. Alteridade que Ferreira (2004) define como “coalizão” ativa, pois, “neste estágio, o indivíduo negro, enquanto mantém relações com pares negros, deseja estabelecer relacionamentos significativos com não negros de seu conhecimento, respeitando suas autodefinições” (FERREIRA, 2004: 83). O ato cooperativo, recíproco, entre as duas subjetividades, a branca e a negra, a africana e a europeia, é celebrado por Glissant (2005) como ato construtor de identidades rizomáticas, ou seja, de identificações que agem “como raiz indo ao encontro de outras raízes” (GLISSANT, 2005: 2). No entrelaçamento de várias raízes raciais, a subjetividade catalista não se configura como uma identidade pura ou purificada, à feição da assimilacionista e da nacionalista. Muito ao contrário, na perspectiva de Robins (1991), este pensador sugere que “é na experiência da diáspora (…) e da migração que a diferença é confrontada: fronteiras são cruzadas; culturas são misturadas; identidades são borradas” (ROBINS, 1991: 42). Na perspectiva de Hall (2006), esta tradução identitária baseada na impureza, na mistura, coloca o afrodescendente na situação ideal, tanto pós-moderna quanto pós-colonial: “ele é obrigado a negociar com as novas culturas em que vive, sem simplesmente ser assimilado por elas e sem perder completamente suas identidades. Ele carrega os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foi marcado” (HALL, 2006: 88-89). Negros e brancos estabelecem coalizões interraciais.

Para os efeitos de análise que busca o nosso estudo, essa longa tarefa de caracterizar o catalismo negro se encaixa na palavra-conceito Negritice. A Negritice contribui com o nosso entendimento da discussão das atitudes catalistas de personagens negros. Negritice é o neologismo criado em 2003 para fundir, em uma só palavra, os termos NEGRITude e negrICE [NEGRIT+ICE]. Na ocasião, definia o termo assim: “negritice — combinando os aspectos positivos da negritude e as configurações negativas da negrice — é o conceito que marca as discussões de raça na literatura” (MARTINS, 2003: 15). Na origem do termo, o modelo literário da Negritice é Capitu, personagem central do romance. Branca no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis ([1900] 2016), Capitu se assume negra no romance blumenauense. “A raça de Capitu, negra. Nem mulata, nem crioula. Capitu era negra” (MARTINS, 2009: 11). Na literatura negra, a Negritice descreve a harmonia, a cordialidade e solidariedade interracial de negros e brancos. Na metade do século 20, Hughes (1944) já coloca esta questão da mútua solidariedade ao enfatizar o que brancos e negros almejam alcançar em seus encontros interraciais. Hughes aclara que

nós não queremos nada que não seja compatível com a democracia e a Constituição, nada que não seja compatível com o Cristianismo, nada que não seja compatível com uma vida sensível e civilizada. Nós queremos, simplesmente, oportunidade econômica, oportunidade educativa, uma vida decente, participação no governo, justiça na lei, cortesia normal e igualdade nos serviços públicos. Não há nada errado em querer essas coisas, não é? (…) Nós somos homens de boa vontade, buscando a boa vontade dos outros. (HUGHES, 1944: 265)

Na verdade, Exu e Negritice desejam reafirmar este encontro da “boa vontade” dos negros com a “boa vontade” dos brancos de que fala Hughes.

Apesar da multiplicidade de aspectos envolvidos na representação do negro que Exu sugere, o fenômeno identitário pode também ser explicado pelo conceito da consciência dupla de Du Bois (1999), definida como “sua duplicidade — ocidental e Negro; duas almas, dois pensamentos, dois esforços (…) dois ideais” (DU BOIS, 1999: 54). Para o pensador negro americano, a busca da “humanidade consciente” por parte do negro só é realizável pela fusão da “dupla individualidade em um eu melhor e mais verdadeiro”, algo que se caracteriza pela seguinte postura:

nessa fusão, ele [Negro] não deseja que uma ou outra de suas antigas individualidades [arielista, calibanista] se percam. Ele não africanizaria o [Ocidente], porque o [Ocidente] tem muitas coisas para ensinar ao mundo e à África. Tampouco desbotaria sua alma negra numa torrente de [ocidentalismo] branco, porque sabe que o sangue negro tem uma mensagem para o mundo. Ele simplesmente deseja que alguém possa ser ao mesmo tempo Negro e [Ocidental] sem ser amaldiçoado e cuspido por seus camaradas, sem ter as portas da Oportunidade brutalmente batidas na cara. (DU BOIS, 1999: 54)

Para o negro, esta duplicidade assumida tem um objetivo que, para Du Bois, é o de ele “ser um colaborador no reino da cultura, para escapar (…) do isolamento (…) e utilizar o melhor da sua potência e do seu gênio latente.” (DU BOIS, 1999: 54)

No campo da tradução, a Translatio é o conceito complementar da Negritice. Neste sentido, a tradução racial da Sra. Johnson através da Negritice convoca a tradução lingual do conto de Walker (1998) por meio da Translatio.  Diferente das “tradizíveis” e unidirecionais Paralatio e Similatio — a primeira enfatiza as diferenças e a segunda realça as semelhanças entre língua fonte e alvo — a Translatio é bidirecional como a Negritice, movendo-se em duas direções, do texto fonte para o texto alvo e vice-versa. A Translatio é ambígua, combinatória e inclusiva, pois é capaz de aglutinar a domesticação simbolizada na Paralatio e a estrangeirização representada na Similatio. Esta tradução aglutinadora dos opostos, que ocorre na Translatio, produz novas textualidades que, segundo Hall (2006), “estão realmente traduzidas” (HALL, 2006: 89). Um texto traduzido nas circunstâncias oferecidas pela Translatio não substitui a domesticação pela estrangeirização, não repõe a estrangeiridade no lugar da domesticidade, nem exclui uma modalidade da outra. Ao contrário, a tradução aceita a aglutinação das duas modalidades, fundindo, desta maneira, a liberdade e a literalidade linguísticas, sincretizando a fluência e a resistência tradutórias. É o que propõe Kruger (2009), quando afirma que

sugiro também que, ao invés de serem vistas como abordagens mutuamente exclusivas e excludentes, domesticação e estrangeirização serão mais produtivas se não forem consideradas estratégias divergentes, mas complementares, estratégias que inevitavelmente convivem, em modulações diferentes, em cada tradução, e que as estratégias de domesticação e estrangeirização podem ter importância para a construção de discursos éticos, abertos, plurais e responsáveis através da tradução. (KRUGER, 2009:170)

Em sintonia com a alteridade de Exu, assim como a Negritice foi retomada acima pela noção de consciência dupla, o conceito da Translatio pode ser redimensionado pela expressão double bind. O conceito, derivado das discussões de Derrida sobre a tradução, indica que a escrita negra é um tipo de tradução que funde fenômenos culturais negros e ocidentais. Para Adell (1994), a alteridade entre o negro e o Ocidente se reflete na confluência que ela percebe entre a literatura negra e a filosofia ocidental. Argumenta que “no século XX, a literatura e a crítica negras estão implicadas no conjunto da literatura e da filosofia ocidentais” (ADELL,1994: 2). Ao enfatizar a dimensão de suplemento presente na escrita, de modo geral, e na negra, de maneira particular, a autora invoca Derrida (1984) para sugerir que a escrita, sendo “a essência de todas as tradições e cânones literários, sempre se soma a ou se torna substituta de escritas anteriores” (ADELL, 1994: 4). Mais adiante, Adell esclarece que “um texto, qualquer texto, apesar de seu contexto social, político ou ideológico [racial, também], e apesar de suas pretensões à verdade, é sempre uma multiplicidade de outros textos” (ADELL, 1994: 4). Esta intertextualidade a que se refere Adell também ocorre na tradução. Nas palavras de Derrida (2001),

nos limites em que ela é possível, em que ela, ao menos parece possível, a tradução pratica a diferença entre significado e significante. Mas, se essa diferença não é nunca pura, tampouco o é a tradução, e seria necessário substituir a noção de tradução pela de transformação regulada de uma língua para outra, de um texto para o outro. Não se tratou, nem, na verdade, nunca se tratou de uma espécie de “transporte”, de uma língua a outra, ou no interior de uma única e mesma língua, de significados puros que o instrumento — ou o “veículo” — significante deixaria virgem e intocado. (DERRIDA, 2001: 26)

Na abrangência daquilo que tanto Negritice quanto Translatio propõem, pureza — racial ou lingual — é algo impensável, indesejável. Como sugere Ottoni (2005) “o que importa nessa nova abordagem não são mais as diferenças puras, mas as semelhanças e as impurezas entre as línguas, o que há de contaminação entre elas ou no interior de uma mesma língua” (OTTONI, 2005: 33). Para Derrida (2006), o fenômeno do double bind se caracteriza pela ideia de que “a tradução torna-se necessária e impossível (…) necessária e interdita” (DERRIDA, 2002: 19), em sua ação mais relevante: a de “remarcar a afinidade entre as línguas, a exibir sua própria possibilidade” (DERRIDA, 2002: 44).

Como personificação literária da longa discussão da Negritice, a Sra. Johnson, na verdade, atua como elo de contato entre as filhas Dee e Maggie. Nesta postura híbrida e conciliatória, a mãe se assume, como mistura, impureza, ao mesmo tempo em que corporifica as características racialmente antagônicas das duas filhas. Assim, o sincretismo racial – a crioulização – que caracteriza a personagem, da mesma forma que Exu, inclui, ao mesmo tempo, tanto o afastamento racial característico de Dee quanto à aproximação cultural peculiar de Maggie. Como consequência, a Sra. Johnson não deve ser vista como portadora de atitudes divergentes, mas como representante de comportamentos convergentes: no quesito racial, intrarracialmente; no que se refere ao aspecto lingual, intralinguisticamene. À matriarca das Johnsons não cabe ser ou Dee ou Maggie, separadamente, mas se impõe crioulizar-se com Dee e Maggie, combinatoriamente. Nesta mesma toada sincrética, tão pouco resta a Barcellos traduzir, linguisticamente, a Sra. Johnson como afastamento ou aproximação lingual, mas fazê-la migrar entre um idioma e o outro, no bojo das duas perspectivas linguísticas combinatórias, simultaneamente.

A dualidade da Sra. Johnson, na verdade, sua dupla consciência voltada para Dee e Maggie, se viabiliza, inicialmente, no excerto que segue:

I
NEGRITICE:   [Dee] Sometimes I dream a dream in which Dee and I are suddenly brought together on a TV Program (Walker, Everyday 48).
[Maggie] I will wait for her in the yard that Maggie and I made so clean and wavy yesterday afternoon (Walker, Everyday 47).
TRANSLATIO:           [Dee] Às vezes sonho que Dee e eu somos de repente reunidas num programa de televisão (Walker, trad. Barcellos, 53).
[Maggie] Vou esperar por ela no quintal que eu e Maggie deixamos tão limpo e ondulado ontem à tarde (Walker, trad. Barcellos, 52).

Tanto o excerto fonte quanto o excerto alvo aludem às relações pessoais da Sra. Johnson com as filhas Dee e Maggie. Pode-se notar que a mãe se relaciona com as irmãs de formas específicas e distintas, em função dos comportamentos antagônicos que as meninas demonstram. Administrar, combinatoriamente, as visões díspares que relata a respeito das duas filhas estabelece sua sintonia com o conceito da Negritice, e com o ato comunicativo do orixá Exu, a partir das frentes identitárias de Negrice e Negritude. Em relação à Negrice, nota-se, então, de um lado, a aproximação da mãe com a vida de glamour de Dee, através do sonho que a mãe narra, no qual ela mesma se imagina no show de TV de Johnny Carson, reafirmando, desta maneira, o quanto é atraente para ela o desejo de Dee de aliar-se à experiência cultural branca ou ocidental. À maneira de Dee, a Sra. Johnson aprecia — ao menos, no sonho — assimilar a vida americana branca, marcada pelo glamour de shows televisivos, representada na figura do apresentador branco. Assim, a Negrice de mãe e filha não apenas as aproxima das características assimilacionistas de Ariel em relação ao branco Próspero, mas também corporifica as atitudes que Cross (1971) associa ao negro colonizado. Neste estágio da Negrice da Sra. Johnson e de Dee, mãe e filha se mostram ingenuamente anti-negras porque admiram a branquidade de Johnny Carson “como intelectualmente superior e tecnicamente mística (...) os negros neste estágio de assimilação tendem a deixar seduzir-se pela retórica do homem branco, confundindo suas palavras com suas ações” (CROSS 1971: 16). Em relação a Maggie, a Negritude, representada no envolvimento entre a Sra. Johnson e a filha inclui atitudes e comportamentos de outra origem. Mãe e Filha se afastam da experiência onírica na TV e abrem espaço para a rotina despretensiosa da limpeza do quintal de casa onde moram. Pode-se dizer, então, que a beleza do sonho é branca e fica restrita aos traços delicados e tez clara de Dee. Por outro lado, a simplicidade e a rotina da limpeza do terreiro doméstico são negras e permanecem associadas à rotina diária de Maggie. Porém, permanece um agravante para a filha que carece do brilhantismo intelectual da irmã universitária: é que até o arranjo que fazem da área deve ser colocado a serviço de Dee, durante da primeira visita que faz à família, depois de anos estudando e vivendo em Augusta, ato que demonstra a qualidade da sororidade das duas mulheres. Isso para Maggie não é problema, em função da sua bondade e desprendimento raciais, que o sentido pessoal de Negritude lhe empresta. As palavras de Cross ilustram a camaradagem entre a mãe e a filha quando esclarecem que, neste momento, as duas mulheres negras “desenvolvem um nível idealístico e super-humano de expectativa em relação à qualquer coisa que seja negra, em relação à qual o menor reforço pode proporcionar à pessoa um continuado envolvimento” (CROSS 1971: 21). Quando se considera o transcurso da Negritice da Sra. Johnson para a Translatio do texto ficcional, a tradução lingual que a brasileira Barcellos procura dar às experiências crioulizadas da Sra. Johnson, as línguas dos textos de origem e de chegada protagonizam um movimento simultâneo na direção da Paralatio e Similatio translacionais, ou seja, realçam afastamento e aproximação entre o Inglês e o Português. Pela Paralatio, entendida aqui como afastamento interlinguístico, a tradução sugere uma Sra. Johnson associada à expressão sintática inglesa [I dream a dream], cuja redundância lexical e frasal desaparece na oração portuguesa [(eu) sonho]. Barcellos segue a estratégia tradutória de distinção entre os dois idiomas quando faz a oração original [brought together] migrar para o texto alvo como o particípio de [reunidas]. Tampouco se pode esquecer de mencionar a palavra inglesa [TV], reescrita como [televisão] por extenso, na tradução. Se, quando se refere à união entre a mãe e Dee, ou seja, à Negrice de ambas, a linguagem da Sra. Johnson se vê privilegiado no distanciamento linguístico entre os idiomas em questão, nas referências às atitudes da mãe para com Maggie, marcadas pela Negritude, esta mesma linguagem se pauta pela aproximação linguística que se viabiliza na decisão de Barcellos de manter a frase do texto alvo linguisticamente semelhante ao tratamento alcançado no texto fonte. Exemplos desta ênfase na opção similática da tradução é a expressão [wait for her], traduzida como [esperar por ela]. O mesmo comportamento similático entre as duas línguas também se apresenta nas frases [in the yard] e [yesterday afternoon], reescritas por Barcellos como [no quintal] e [ontem à tarde], respectivamente. Entre as expressões [so clean and wavy] e [tão limpo e ondulado], Barcellos também deixa visualizada a convergência intertextual patrocinada pela Similatio. Como resultado, pode-se caracterizar a Translatio presente nesta análise com a contribuição teórica de Kruger (2009) que reitera o hibridismo translatório. Para Kruger, “traduções podem se vistas como hibridismos, como misturas complexas e polifônicas do doméstico e do estrangeiro, do familiar e do estranho, do outro e do eu” (KRUGER 2009: 174).

Em mais um excerto, alonga-se a análise da tradução racial e lingual na perspectiva híbrida da Negritice e da Translatio:

II
NEGRITICE:   [Dee] “Why don’t you take one or two of the others?” I asked. “These old things was just done by me and Big Dee from some tops your grandma pieced before she died” (Walker, Everyday 56).
[Maggie] “The truth is,” I said, “I promised to give them quilts to Maggie, for when she marries John Thomas” (Walker, Everyday 57)
TRANSLATIO:           [Dee] — Por que você não leva um ou dois dos outros? Essas velharias foram feitas por mim e por Big Dee com uns retalhos que sua avó reuniu antes de morrer (Walker, trad. Barcellos, 61).
[Maggie] — O problema é que eu prometi dar essas colchas para Maggie, quando ela se casar com John Thomas (Walker, trad. Barcellos, 61).

Nos excertos selecionados, a Sra. Johnson marca o início de uma potencial reviravolta nas relações que mantém com as duas filhas. Até aqui, a Dee da Negrice fora a filha preferida, aquela com a qual a mãe gostaria de estrelar a TV com Johnny Carson, caracterizando assim a potencialidade das suas identidades assimilacionistas. Com Maggie, a desfavorecida, cuja companhia a mãe reserva para os afazeres domésticos de limpar o pátio da casa, a Sra. Johnson compartilha a Negritude com a filha, evidenciando suas identidades nacionalistas. Um par de antigas e velhas colchas, porém, pode mudar as relações entre as três mulheres. Confeccionadas com pedaços de velhas roupas pela Sra. Johnson e a avó Dee, as duas colchas, tradicionais utensílios na vida dos Johnson por gerações e gerações, podem decretar a queda de Dee nas graças da mãe. Na contenta entre mãe e filha, a Sra. Johnson insiste com a filha brilhante que as colchas que ela tanto deseja não têm nenhum valor financeiro e, muito menos, apresentam algum conteúdo artístico que possa motivar alguém a pendurá-la na parede, destino que a filha bonita pensa dar a elas. Como forma de convencê-la, a mãe afirma que as colchas seriam um presente dela a Maggie que vai casar-se, em breve, com John Thomas, um jovem humilde e simples como Maggie. Neste momento, porque a alternativa de outras colchas oferecidas à Dee não a comove, a mãe procura se equilibrar entre as duas filhas para que a harmonia familiar se mantenha entre as três mulheres Johnson. Este analista oferece, então, à Sra. Johnson, como orientação, as dúvidas identitárias que Du Bois (1986) associa ao negro que, dividido interracialmente, se pergunta “afinal, o que sou eu? Sou branco ou sou negro? Posso ser os dois?” (DU BOIS 1986: 821). Enquanto se aguarda o desfecho da legítima dúvida que invade a alma da mãe de Dee e Maggie, cabe espaço para a análise da Translatio, como paralelo lingual da tradução racial da Sra. Johnson. Com base na dualidade lingual das opções transláticas, o tratamento tradutório alcançado por Barcellos, na caracterização tradutória de Dee retoma a mesma dissemelhança entre as aspas [“...”] e o travessão [–],como marcadores da fala da Sra. Johnson, caracterizando, assim, a opção de Barcellos pela Paralatio. Mais adiante, enquanto, por um lado, a decisão paralática da tradutora brasileira faz desaparecer a oração original [I asked] do texto alvo, também leva a locução nominal [these old things] migrar para o excerto em língua portuguesa como [essas velharias]. Em seguida, Barcellos, ainda tomada pela Paralatio, traduz a expressão nominal [from some tops] como [como uns retalhos], e a oração [pieced] como [reuniu]. Em relação a como a mãe se refere à filha Maggie, Barcellos assume opções associadas à Similatio. Como resultado, repete, na língua B, os nomes próprios [Maggie, John Thomas], sem alteração. Mais adiante, retoma a perspectiva similática, reescrevendo a oração [I promised to give] como [prometi dar]. Por fim, em relação à expressão [them quilts], Barcellos, similaticamente, evita o Black English da versão original, mas o aproxima de algo como [essas colchas]. Em perspectiva teórica, pode-se considerar, mais uma vez, as palavras de Kruger (2009). Sob o ponto de vista da Translatio e as maneiras como sincretiza traduções paraláticas e similáticas, a posição da teórica sul-africana de que domesticação e estrangeirização não devem ser tomadas “como abordagens mutuamente excludentes, mas ao contrário como estratégias as serem utilizadas de forma híbrida para que reflitam, contemplem e se engajem, de muitas maneiras, na diversidade cultural e linguística” (KRUGER 2009: 174).

Por fim, na última dupla de trechos narrados pela Sra. Johnson o paralelismo translatório entre a Negritice humana e a Translatio textual se adensa, racial e linguisticamente.

III
NEGRITICE:   [Dee/Maggie] I did something I never had done before: hugged Maggie to me, then dragged her on into the room, snatched the quilts out of Miss Wangero’s hands and dumped them into Maggie’s lap (Walker, Everyday 58).
TRANSLATIO:           [Dee/Maggie] Fiz o que nunca fizera antes: abracei Maggie apertado, arrastei-a para dentro do quarto, arranquei as colchas das mãos da senhorita Wangero e Joguei-as no colo de Maggie (Walker, trad. Barcellos, 62).

O excerto original e o derivado deixam antever, na manifestação da Negritude translática da Sra. Johnson, a firme decisão de favorecer Maggie, a filha que preserva a tradição cultural da família, associada às colchas. Ela que já havia tecido os mais afirmativos elogios à beleza, inteligência e capacidade da Dee que adere a valores fora da família negra, agora, nega à filha assimilacionista a posse das colchas, afirmando que “arranquei as colchas das mãos da senhorita Wangero (Dee)”. Como complemento à decisiva censura à Negrice de Dee, a mãe declara que “joguei-as no colo de Maggie”, aliando-se, assim, ao negro nacionalismo afirmativo de Maggie. Sua aliança com Maggie se solidifica quando a mãe, em ato inusitado, nunca antes tentado, esclarece que “abracei Maggie apertado.” Quando a Sra. Johnson encerra a narrativa ainda ouve a crítica severa da filha Dee para quem a mãe “simplesmente não entende ... a sua cultura.” A irmã Maggie também recebe a reprimenda de que é preciso acompanhar a mudança “porque os tempos são outros para nós.” Depois da discussão acalorada, Dee e o namorado voltam para Augusta. Sra. Johnson e Maggie permanecem no pátio, sentadas, tranquilas até a “hora de entrar e dormir.” Como resultado, fica a impressão de que a Negritice da Sra. Johnson encontra a boa vontade da Negritude de Maggie, mas não recebe contribuição igual da Negrice de Dee. Aqui, as palavras de Ferreira (2004) se dirigem a Sra. Johnson, cuja postura conciliatória se abre para a alteridade negra. Sua proposta de amalgamar Dee e Maggie em relação às colchas vai de uma perspectiva unicultural para o estágio no qual “passa a haver uma referência multicultural” (FERREIRA 2004: 84). A base desta articulação de alteridade se estriba na atitude altruísta de Maggie para com Dee, oferecendo as colchas à irmã. Demonstrando desapego aos objetos que lhe são mais caros, Maggie conquista o coração da mãe, ganha abraços e, como prêmio, fica com as colchas. O egoísmo e a insensibilidade de Dee em relação à vida rural e negra que Maggie representa e a Sra. Johnson encampa fazem a filha brilhante perder as colchas que ela desejava como objeto de decoração que não pode ir para o uso diário.

A Negritice da Sra. Johnson busca a companhia da Translatio intertextual. Em decorrência da primazia da tradução translática que Barcellos elabora, os procedimentos tradutórios de acomodação linguística do texto original à língua derivada incluem os pronomes pessoais [I], e a expressão [to me], traduzida como [apertado]. Este pequeno momento de preferência paralática por parte da tradutora brasileira se completa nos instantes de opção similática. Os exemplos de Similatio encontram-se em alguns aspectos: primeiramente, a decisão similática de Barcellos se evidencia no tratamento que dá à transferência dos nomes próprios [Maggie, Wangero], mantendo-os inalterados no excerto alvo; em seguida, a Similatio reaparece na eliminação dos pronomes pessoais de primeira pessoa [I] e [eu] nas orações originais [hugged], [dragged], [snatched] e [dumped] e nas correspondentes orações derivadas [abracei], [arrastei], [arranquei] e [joguei], respectivamente. Neste momento de sincretismo tradutório, as palavras de Ottoni (2005) são contribuição explicativa relevante ao esclarecerem que “o que importa nessa nova abordagem não são mais as diferenças puras, mas as semelhanças e as impurezas entre as línguas, o que há de contaminação entre elas ou no interior de uma mesma língua” (OTTONI, 2005: 33).

Considerações Finais

Ao longo deste ensaio sobre as especificidades raciais e linguais da tradução como proposta de crítica literária procuro realçar aspectos que considero relevantes para a compreensão da Signifyin(g) de Gates (1988), em sua passagem de conceito literário para potencial concepção translatória. Como vimos na minuciosa análise de casos extraídos de Everyday Use e Uso Diário, o movimento da teoria literária para a teoria tradutória da Signifyin(g) atravessa, no campo literário, as palavras raciais de Negrice, Negritude e Negritice e empalma, na área da tradução, os termos Paralatio, Similatio e Translatio. Em momentos especiais de deslocamento do mundo negro para o mundo branco e retorno, a narrativa de Walker enseja a Dee, Maggie e Sra. Johnson a possibilidade de estabelecimento de desencontros e encontros interraciais, causados por entendimentos pessoais sobre a presença de duas velhas colchas em suas vidas e histórias. Igualmente, em decisões específicas, a tradutora brasileira Barcellos oportuniza distanciamentos e aproximações interlinguísticas entre a língua A e o idioma B. Como resultado, por sua proposta de diálogo tradutório interracial e interlingual, a Signifyin(g) se encontra contemplada na acepção de mobilidade identitária da tradução, estipulada por Hall (2006) que, em análise, escreve:

A identidade torna-se uma “celebração móvel”; formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (...) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL 2006: 13)

Nesta discussão que chega a seu momento conclusivo, a “celebração móvel” de que fala Hall (2006) se atrela tanto ao humano quanto ao linguístico. Na verdade, o humano e o textual se movem e se deslocam da realidade narrativa original para a realidade ficcional derivada.

Assim deve ser vista a Signifyin(g) neste meu desejo de colocá-la também no patamar de teoria tradutória, por sua potencialidade de mobilidade e movimento, tanto racial quanto lingual. A ideia de mobilidade de pessoas e textos possibilita a edificação de tese em torno da qual gravita este ensaio, quando propõe que a tradição (racial, lingual) se transforma em tradução (racial, lingual) pela migração (racial, lingual). Neste sentido, a regra geral sugere que tradições raciais migram com as pessoas que se deslocam e, quando o fazem, se traduzem, mantendo-se fiéis aos valores que trazem ou identificando-se com a vida que os recebe. Mas nem sempre é assim. Como conceito, tradução sugere reciprocidade, troca, mistura dos dois pares envolvidos. Hall (2006) argumenta que pessoas e línguas traduzidas “carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas” (HALL, 2006: 88-89). Há momentos, porém, em que este hibridismo racial e lingual não acontece, mas cede lugar à imersão, à homogeneização racial ou lingual, em uma das duas pontas do fenômeno migratório. Então, ocorre o binarismo apontado por Pym (2010): “ou o migrante mantém-se fiel aos valores que traz ou identifica-se com a vida que os recebe” (PYM, 2010: 144). Quando a polarização racial acontece, a tradição que migra se anula para assumir a tradição que a recebe. O caso de Dee se encaixa neste polo binário. Ainda está presente em nossa mente o processo de transformação pelo qual passa Dee ao deixar a família Johnson para estudar em Augusta. Entre as inúmeras transformações, a jovem negra troca o nome Dee por Wangero. A mudança de Dee pode ser entendida a partir do diálogo de Du Bois (1998) com o amigo branco. O euro-americano que fala com Du Bois explicita os valores da raça branca: beleza e saúde físicas, racionalidade mental, genialidade criativa, bondade, abertura de espírito e capacidade de trabalho. Dee se vê imersa em todos esses atributos culturais brancos, dentro e fora da família.  Porém, uma situação oposta à de Dee também pode ocorrer. Estaremos, então, diante de uma migração que permanece congelada na própria tradição, como é o caso de Maggie. A dispersão diaspórica da África para os Estados Unidos não a impediu de traduzir-se de forma polarizada. Ela se apega aos valores da família Johnson, sem considerar outras possibilidades. Os valores raciais dos Johnsons, representados pelas duas colchas em disputa, devem ser ampliados e redimensionados. Tyson (2001) lista os seguintes: história oral, oralidade, música, nomes e apelidos das pessoas, artesanato de tecido (as colchas), de madeira (objetos domésticos) e comida. Tyson inclui, ainda, família, comunidade, igreja, espiritualidade e humanidade. Maggie encarna alguns destes aspectos: oralidade, artesanato, família, espiritualidade. “Estes elementos da cultura negra americana”, Tyson esclarece, “se encontram geralmente representados na Literatura Afroamericana e criaram uma tradição literária afroamericana” (TYSON, 2001: 153). Ora, se a tradução exige reciprocidade, troca, mistura e hibridização, então não se pode dizer que Dee e Maggie sejam sujeitos traduzidos, na acepção de Hall (2006). Na verdade, a ausência de reciprocidade, ou alteridade, nas trocas raciais as transforma em negros traduzidos: isto é, elas ainda se encontram em tradições atávicas, congeladas, isoladas num ou noutro lado da polarização migratória.

No conto de Walker analisado, a tradução racial, como é vista por Hall (2006), só ocorre com a Sra. Johnson. Para Hall, tradução implica a superação da polarização binária pela combinação híbrida, crioulizada, sincrética. Em forma de rizoma, como deseja Glissant (2005). A mãe de Dee e Maggie, que admira a filha bonita e inteligente passa, a partir de um determinado momento, a apreciar, também, as qualidades da filha mais simples. Com Dee, a mãe sonha estar num programa de TV; em Maggie ela referenda a bondade espiritual, o desprendimento das coisas materiais e o artesanato. Através de Dee, ela se alimenta da cultura branca (TV, Johnny Carson, Polaroid, etc); por meio de Maggie, se fortalece na herança negra do Sul, emblematizada nas colchas e nos utensílios domésticos, fabricados pela própria família. Na verdade, ela não apenas recebe, mas também dá amor materno às duas filhas. Esta abertura para Dee e Maggie — ou seja, a fusão das duas filhas — segundo Steiner (2009), engendra “um dar e receber onde novos significados raciais emergem do lugar do encontro entre humanidades comuns” (STEINER, 2009: 6). No ambiente de trocas culturais que a mãe das irmãs protagoniza, Hall (2006) enxerga, na tradução racial, uma “celebração móvel” (HALL, 2006: 13), em cuja movimentação, os sujeitos “estão irrevogavelmente traduzidos” (HALL, 2006: 89).

Neste ensaio, a migração lingual, ou textual, encampa o segundo aspecto da tradução como mobilidade entre tradição e tradução. Acontece no terreno da tradução entre línguas algo paralelo ao que se menciona acima em relação ao campo racial. Aqui, vale o enunciado da nossa tese original de que é a migração de línguas que permite que tradições linguísticas se traduzam. Em outras palavras, a dispersão entre textos, através do diálogo da escrita com a reescrita, enseja a que a tradução ocorra. No processo de tradução da brasileira Barcellos ao conto de Walker, a migração de Everyday Use para Uso Diário deve ser vista a partir de três estratégias de dispersão lingual colocadas em ação. Primeiramente, para o distanciamento racial de Dee propusemos uma ênfase na divergência entre as línguas fonte e alvo, na qual, soberano, o português engolfa o inglês, levando o idioma original se tornar invisível nas especificidades e peculiaridades linguísticas da língua de chegada. Em seguida, em relação a Maggie optamos pela modalidade que combina aproximação racial com convergência interlingual. O texto fonte, então, permanece soberano no texto alvo, auxiliando o leitor a perceber que segura nas mãos – ou enxerga na tela – um texto traduzido. Por fim, na exemplificação da Sra. Johnson, a estratégia é híbrida e mistura afastamento e aproximação, tanto raciais como linguais. E ao desestabilizar o binarismo anterior, o hibridismo provoca, como resultado, engolfamento e soberania interlinguísticos, possíveis e desejáveis na transferência do conto escrito para o reescrito.

Para além da dimensão racial e lingual existe outra: a dialógica. Com ela quero enfatizar a ocorrência de duas modalidades de diálogo entre os dois analisados: a racial e a lingual. As opções híbridas aventadas por Barcellos na comparação tradutória entre o conto fonte e o conto alvo introduzem a dinâmica dialógica, cujo nome é Signifyin(g). Gates (1988) explica que a Signifyin(g) opera como a teoria literária que consegue explicar a dialogia entre textos literários na produção literária afroamericana. Na caracterização do conceito, Gates esclarece que o diálogo racial e lingual acontece “quando um texto significa sobre outro texto, pela revisão ou repetição e diferença tropológica (…) A Signifyin(g), então, é uma metáfora para a revisão textual” (GATES, 1988: 88). A contribuição relevante deste capítulo reside no desejo de superação da dicotomia ou binarismo racial e lingual. A polarização racial que coloca Dee de um lado e Maggie do outro é desestabilizada pela Sra. Johnson, cujas atitudes raciais procuram fundir, nela mesma, as posturas presentes em Dee e em Maggie no tocante à raça. Na discussão do conceito da Signifyin(g), Gates atribui a fusão e o sincretismo racial e textual a Exu, o orixá negro cuja contribuição pode ser dimensionada na formula “dois, isso se torna três”. Isto é, Negrice e Negritude se tornam Negritice; Paralatio e Similatio se fazem Translatio; Dee e Maggie se rearticulam na mãe Johnson. Nesta triangulação embasada em Exu, e retomada por Bhabha (1998), a Sra. Johnson representa “a emergência de um terceiro espaço de representação” (BHABHA, 1998: 303), onde “não existe resolução” (BHABHA, 1998: 308), porque “a cultura migrante do ‘entre-lugar’, a posição minoritária, dramatiza a atividade da intraduzibilidade da cultura” (BHABHA, 1998: 308). Do negro e do texto negro, em seus aspectos raciais e narrativos, também. Do mesmo modo, o capítulo procura destruir as polaridades linguais de aproximação e afastamento entre o idioma de partida e o de chegada. Isto parece possível pelo hibridismo das duas estratégias tradutórias. Hibridismo que é reivindicado por Kruger (2009) quando rechaça “abordagens mutuamente excludentes” para defender “estratégias que sejam usadas de maneiras híbridas e que reflitam, contemplem e incluam várias modalidades de diversidade linguística” (KRUGER, 2009: 174). Como resultado, se intui que a tensão excludente entre convergência e divergência lingual cede lugar para a fusão das duas estratégias translatórias. Assim, a intraduzibilidade racial converge para o hibridismo linguístico.

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[i] José Endoença Martins é professor de Literatura Negra no PPGLPT da UNIFACVEST (Lages, SC), com doutorado em Literatura Afro-Americana e em Estudos da Tradução, ambos pela UFSC. É membro dos grupos de pesquisa Educogitans e NEAB, da FURB. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. Tem 20 obras publicadas, em várias línguas. Criador dos conceitos Negrice, Negritice, Paralatio, Similatio e Translatio.

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