“Transidades” textuais:

literatura afrodescendente e pós-colonialismo

José Endoença Martins*

Este ensaio servirá de base para o Módulo 11 Literatura Africana e Afro-Brasileira, sugerido para integrar o conteúdo do Curso de Especialização Educação das Relações Étnico-Raciais, organizado pelo NEAB/UFPR. O texto apresenta seis partes, cada uma alia teoria à prática: (1) a primeira discute os aspectos teóricos que vão dar conta das relações entre narratividade, identidade e pós-colonialismo no contexto literário afrodescendente; (2) a segunda relaciona narrativas às identidades assimilacionistas; (3) a terceira gira em torno das narrativas e identidades nacionalistas; a (4) quarta aborda as narrativas em relação às identidades catalistas; a (5) última amplia o escopo das narratividades identitárias para também incluir textos e personagens de autores não afrodescendentes, ausentes nas partes dois a quatro; a sexta (6) explicita as implicações teóricas e práticas do esboço apresentado. Ao lado de comentários teóricos específicos, as partes dois a cinco vão encontrar exemplificação literária entre personagens ficcionais e personae poéticas dentre um grande número de textos de autores afro-e-euro-descendentes provenientes da África, Estados Unidos, Brasil, Caribe e Europa. Sob esta perspectiva, o presente artigo se torna uma versão revista e ampliada do ensaio Negritice; interculturalidades e identidades na literatura afrodescendente, publicado na antologia Notas de História e Cultura Afro-Brasileiras, sob a responsabilidade editorial de Costa e Silva (2007).

1. Narratividades Identitárias pós-coloniais

E o escuro. Todo mundo acha que o escuro é uma cor só, mas não é verdade. Há cinco ou seis tipos de escuro. Uns sedosos, outros peludos. Alguns não passam de vazios. Outros são como dedos. Ele não fica quieto. Está sempre se mexendo e muda de um tipo preto para outro (...) Bem, a escuridão da noite é mais ou menos a mesma coisa. Pode ser um arco-íris” (MORRISON: A Canção de Solomon, 1994: 51- 52).

As cinco partes procuram situar a produção literária afrodescendente no âmbito do pós-colonialismo, aproximação já insinuada no título. A relação entre afrodescendência, pós-colonialismo e literatura é um fenômeno aceito pelos teóricos destes campos do conhecimento. Tyson (1999), por exemplo, explica esta aproximação assim:

A crítica pós-colonial e a  literatura afro-descendente são particularmente eficazes em nos ajudar a ver as relações entre todos os aspectos da nossa experiência – psicológica, ideológica, social, política, intelectual e estética – através de maneiras que nos mostram como estas categorias são inseparáveis na nossa experiência e no nosso mundo (...) As críticas pós-colonial e afro-descendente também compartilham uma série de pressupostos teóricos e preocupações políticas, porque os dois campos englobam a experiência e a produção literárias de povos cuja história é marcada pela opressão política, social e psicológica extrema (TYSON , 1999: 363).

Já Bandia (2008) esclarece a respeito da literatura afrodescendente, dizendo que “pode-se supor que a literatura afrodescendente permanece a literatura que transmite o pensamento africano e afrodescendente tradicional e moderno, e lida com a experiência africana e afrodescendente antiga e contemporânea. É a soma de todas as literaturas nacionais e étnicas” (BANDIA, 2008: 13).

Com base nas palavras de Tyson e Bandia, em especial, na ênfase na “opressão política, social e psicológica extrema” que caracteriza a vida de negros e colonizados espalhados pelo mundo, e no pensamento e experiência atuais e passados que negros e colonizados têm protagonizado nos continentes, pode-se aceitar que o encontro dos dois campos – a afrodescendência e o pós-colonialismo literários – projeta uma discussão da literatura negra que se distingue pela presença de uma “trans-idade”. No âmbito desta reflexão, a transidade engloba uma adjetivação profícua e criativa, cujo prefixo recorrente é o “trans”, como em transnacional, transcultural, translingual, transidentitário e transdiaspórico. Pela transnacionalidade, nos conscientizamos que as nações negras edificadas nos vários continentes apresentam aspectos comuns; através da transculturalidade, sabemos que nossas diferenças culturais se autoalimentam reciprocamente; por meio da translingualidade, somos instados a lidar com nossas semelhanças e diferenças transnacionais e transculturais em nossas várias línguas específicas;  pela transidentitaridade, descobrimos que nos construímos e nos reconstruímos a partir de encontros e desencontros transnacionais, transculturais e translinguísticos; por fim, pela transdiasporidade nos indagamos a respeito das nossas adições e supressões transnacionais, transculturais, translinguais e transidentitárias nos locais para os quais nos deslocamos, livre ou compulsoriamente.

Como consequência desta transidade multifacetada, as experiências negras reafirmam os contornos pós-coloniais deste fenômeno cultural, sugerindo que autores, textos e personagens afrodescendentes:

Não estão primeiramente ocupados com a criação de uma polaridade entre os chamados modos ocidentais e não ocidentais de existência, mas estão bastante preocupados com as negociações que ocorrem entre os dois modos de articulação de existência - eles exploram o toma-là-dá-cá entre as culturas e as línguas, entre os ensinamentos étnicos e preocupações universalizadas, e entre a história colonial e uma história de auto-determinação. Esta relação entrelaçada pode ser mais bem entendida quando se pensa nos textos literários como a tradução contínua contra os discursos dominantes unívocos (STEINER, 2009: 2).

Nesta tradução cultural proposta por Steiner (2009), os cinco adjetivos e os cinco  substantivos da transidade (transnacional[idade], transcultural[idade], translingual[idade], transidentitar[idade], transdiaspor[idade]) têm a força de nos convidar a refletir sobre a produção literária afrodescendente sob a perspectiva teórico-prática do pós-colonial, na qual as contribuições entre nações, culturas, línguas, identidades e localidades se encontram em perpétuo movimento de ida e volta, isto é, de perdas, trocas e empréstimos. Esta movimentação, marcada pela “dispersão física ou mental”, é característica da literatura diaspórica, definida por Foster (1997), nestes termos:

 

Em seu sentido mais amplo, então, quando aplicada à diáspora africana, a literatura diáspórica é toda a literatura, oral ou escrita, produzida pelo povo negro que sofreu a dispersão física ou mental. Tal definição, especialmente quando aplicada à literatura da diáspora africana, é controversa. Alguns definem a literatura diáspórica como incidindo sobre o patrimônio africano ou as experiências étnicas e raciais de um negro, e assuntos como a escravidão, a raça, a colonização ou a linha da cor. Outros argumentam que qualquer literatura criada por qualquer indivíduo exilado ou emigrado pode ser considerada diaspórica, em parte porque os padrões de fala, a escolha de palavras, os padrões estéticos, e outras influências culturais nunca são completamente obliterados (FOSTER, 1997: 218-219).

Considerando as palavras de Foster, associa-se a produção literária afro-descendente à dinâmica diaspórica da literatura, uma vez que ambas se alicerçam sobre “o patrimônio africano” ou de matriz africana, e se amparam “nas experiências étnicas e raciais de um negro”. Geralmente, incluem também a literatura do negro “exilado ou emigrado”.

O ponto de partida para a nossa discussão deve ser o fenômeno da construção de identidades negras, africanas e afrodescendentes. Ora, sabe-se que tema, linguagem, autor, ponto de vista e leitor contribuem, direta ou indiretamente, com a roteirização das identidades das personagens presentes num texto literário negro.

Por isso, creio que a definição de Appiah (1997) para identidade se encaixa no roteiro que pretendemos criar para a discussão. O filósofo africano afirma que

Toda identidade humana é construída e histórica; todo o mundo tem seu quinhão de pressupostos falsos, erros e imprecisões que a cortesia chama de “mito”, a religião, de “heresia”, e a ciência, de “magia”. Histórias inventadas, biologias inventadas e afinidades culturais inventadas vêm junto com toda identidade; cada qual é uma espécie de papel que tem que ser roteirizado, estruturado por convenções de narrativa à qual o mundo jamais consegue conformar-se realmente (APPIAH, 1997: 243).

É importante ressaltar a expressão utilizada por Appiah: que uma identidade é “estruturada por convenções de narrativa”. Ora, esta confluência entre identidade e narratividade é colocada de forma mais bem explicitada por Somers (1994):

É através da narratividade que chegamos a conhecer, entender e dar sentido ao mundo social, e é através das narrativas e da narratividade que constituímos nossas identidades sociais (...) Não importa se somos cientistas sociais ou sujeitos de pesquisa histórica, mas que todos nós chegamos a ser o que somos (embora efêmeros, múltiplos e em mudança) porque estamos localizados ou nos localizamos (quase sempre inconscientemente) em narrativas socais quase nunca de nossa própria fabricação (SOMERS, 1994: 606).

Baker, por sua vez, em consonância com as palavras de Appiah e Somers sobre a interdependência envolvendo narrativa e identidade, sugere que a literatura é o locus da narratividade por excelência, ao escrever que “a literatura constitui uma instituição poderosa para disseminar a narrativa pública [ontológica, privada, também] em qualquer sociedade” (BAKER, 2006: 33).

Diante destas reflexões, vamos em busca de três identidades negras nas narratividades literárias de africanos e afrodescendentes, espalhados pelo mundo: assimilacionista, nacionalista e catalista.

2. Identidades e narratividades assimilacionistas.

Essas pessoas evitam arriscar-se a questionar os estereótipos aos quais são submetidos por medo de perderem a aceitação, efetiva ou desejada, das pessoas brancas e pelas vantagens imaginadas passíveis de ocorrer sem perderem o status (FERREIRA, 2004: 74)

As dinâmicas narrativas – na poesia, drama e ficção – permitem que percebamos a construção da identidade assimilacionista afrodescendente. O que nos aguarda, nesta parte do texto, é a percepção de como autores negros, da África à Europa, fazem seus personagens migrarem, física ou mentalmente, de uma cultura para outra, e ensejam que negrice, ou seja, a idealização de valores brancos, os leve a construir identidades assimilacionistas, isto é, identificações com produtos e bens culturais ocidentais. Na verdade, a assimilação de valores brancos não é desejo exclusivo de negros, mas um fenômeno que acomete certos grupos de colonizados. Em A Tempestade de Shakespeare (1999), por exemplo, Ariel desenvolve uma identidade assimlacionista ao aderir ao projeto colonialista de Próspero. Suas palavras de adesão são enfáticas:

Salve, meu amo! Meu senhor, cá’stou
Pra atender seu prazer, seja voar,
Nadar, entrar no fogo, cavalgar
As nuvens; pra cumprir as suas ordens,
Eis, Ariel e seus pares (SHAKESPEARE, 1999: 26/27)

 A partir do atestado adesista de Ariel, alguns intelectuais negros e não-negros têm discutido a assimilação como experiência do colonizado, negro ou não. Rodó (1991) descreve o espírito shakespeariano como o personagem-metáfora do negro – colonizado e assimilacionista – enfatizando sua imagem ocidentalizada: “Ariel, gênio do ar, representa no simbolismo da obra de Shakespeare a parte nobre e alada do espírito. Ariel é o império da razão e do sentimento sobre os baixos estímulos da irracionalidade” (RODÓ, 1991: 13). Outros intelectuais seguem na mesma linha. Fanon (2005), por exemplo, afirma que, como o shakespeariano Ariel, o colonizado “aceitava a justeza” das ideias colonialistas “e podia-se descobrir, num recanto do seu cérebro, uma sentinela vigilante encarregada de defender [valorizar] o pedestal greco-latino” [ocidental]” (FANON, 2005: 63). Este “pedestal” cultural ocidental, segundo Memmi (2007), simboliza “um modelo tentador muito próximo [que] se oferece e se impõe a ele [colonizado]” e o leva a querer “mudar de condição mudando de pele” (MEMMI, 2007: 162). Compatível com as palavras de Fanon e Memmi, aparece a visão de West (1993). A vontade de usufruir do modelo cultural prestigioso do branco – colonizador ou não – se repete nas palavras deste filósofo afro-americano, para quem, grupos de negros existem que procuram depositar seu futuro “numa disposição deferente ao pai ocidental” (WEST, 1993: 85). Du Bois (1986), por sua vez, faz eco a todos esses pensadores, enfatizando a indagação negra: “afinal, o que sou eu? Sou um branco? (DU BOIS, 1986: 821). As palavras de Glissant (2005) e Ferreira (2004) nos ensinam que o negro assimilacionista constrói “uma identidade com raiz única” (GLISSANT, 2005: 27), unidirecional, em favor “de uma idealização da visão dominante do mundo branco” (FERREIRA, 2004: 70). Como se trata de um movimento em uma única direção – sem trocas – ainda não podemos falar em tradução. Hall (2006) acredita que, neste tipo de deslocamento de uma herança cultural negra para a branca, persiste o propósito de um dia voltar à tradição original. Aqui, ele fala de negros tradizidos, aqueles que acham “tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro: ou retornando as suas ‘raízes’, ou desaparecendo através da assimilação e da homogeinização” (HALL, 2006: 88). 

Toda essa exaustiva formatação teórica da assimilação negra pode ser enunciada numa palavra-conceito: negrice. Ela serve para nos referirmos à discussão das atitudes assimilacionistas de personagens negros. Borba (2002) dicionariza o vocábulo negrice como (1) negritude e (2) episódio desagradável. Na literatura, negrice simboliza a competência social que o negro aciona quando migra para o mundo branco. Negrice vem sendo utilizada em textos que escrevo desde o início deste século. Na peça de teatro O Olho da Cor, aludo às “configurações negativas da negrice” (MARTINS, 2003: 15). Aqui, é preciso redimensionar o termo para neutralizar a carga negativa a ele associada. Negrice não é apenas negatividade. Representa a maneira como um personagem negro lida com os valores da cultura branca. Os teóricos já mencionados neste artigo atestam a abrangência e a diversidade da experiência do negro no mundo branco. Por isso, naquilo que o conceito negrice pode abranger, envolver-se com valores brancos não implica necessariamente negligenciar os valores negros, mas enfatizar os brancos, pontualmente. A aliança com a cultura ocidental não é, em si, negativa ou positiva. O elemento negativo, assim como o positivo, depende das motivações que animam o ser negro. Os resultados derivam do nível de energia ativado. A negrice será negativa se, e quando, o negro se afastar dos valores negros. Ou se a experiência de assimilação se eternizar.

À exemplificação literária da negrice, agora.

A literatura africana abriga em sua manifestação nacional, cultural, linguística e identitária, a transidade ficcional, poética e dramatúrgica escrita nas línguas inglesa, francesa e portuguesa. A produção literária se encontra matizada pela presença de situações em que as personagens ficcionais, as personae poéticas, os autores e os leitores aderem ao modelo ocidental de cultura, em função das línguas ocidentais que utilizam para a comunicação. Bandia (2008) explica o recurso aos idiomas europeus dominantes como uma atitude realista, dizendo que

A multiplicidade das línguas locais no continente tem limitado a comunicação entre as línguas, e (...) poucas pessoas podem se orgulhar de possuir conhecimento aprofundado da escrita de várias línguas nativas (...) É verdade que os escritores dominados que utilizam as grandes linguas literárias como o inglês, o francês e o português têm a vantagem e o potencial para promover suas literaturas nacionais no contexto do espaço literário internacional (BANDIA, 2008: 1-2).

Na ficção, o nigeriano Chinua Achebe (2009) escreve seu romance O mundo se despedaça em inglês. Um dos personagens é Nwoye, um jovem igbo que se converte ao Cristianismo, logo após a chegada dos ingleses.  A atitude arielista que esboça na conversão reforça as palavras dos intelectuais negros e brancos que pensaram a questão do colonizado que se encanta com os valores culturais do colonizador. Nwoye não apenas se declara “sou um deles” (ACHEBE, 2009: 164), isto é, um dos cristãos, ele também renega a paternidade de Okonkwo: “ele não é meu pai” (ACHEBE, 2009: 164). Porém, o jovem convertido não abandona a mãe e as irmãs, prometendo voltar ao clã para convertê-las à nova fé, quando aprender a ler e escrever sobre o Cristianismo. Se considerarmos a solidariedade existente entre Nwoye e Ikemefuna vamos notar que a negrice do jovem igbo não é a única proposta de vida que Nwoye tem. Na literatura africana de língua francês, a senegalesa Diome (2003) escreve o romance Le ventre de l’Atlantique [O ventre do Atlântico] onde a personagem central Salie narra sua relação com o irmão Madické, um jovem que adora futebol e vê no jogador italiano Maldini um ideal de atleta. A vitória da França sobre a Itália, durante a Copa da Europa de 2000, deixa o jovem Madické entristecido. A identificação de Malické com o branco Maldini é descrita pela irmã Salie: “eu compreendia a decepção de Malické, mas achava sua tristeza, as lágrimas na sua voz e sua raiva contra os seus amigos (...) um pouco excessivas (...) Ele carregava em seus ombros todo o peso da derrota italiana e sofria mais que os napolitanos” (DIOME, 2003 : 223). O angolano arielista na língua portuguesa é António, personagem do romance Bom dia Camaradas, de Ondjaki (2006). A idealização que António faz dos tempos coloniais de Angola o posiciona em favor da administração portuguesa. Afirmando que “no tempo do branco isto não era assim...” (ODJAKI, 2006: 17), António, que havia trabalhado para um português, elogia as melhorias efetuadas pelos brancos na capital Luanda, enumerando-as: “a cidade estava mesmo limpa... tinha tudo, não faltava nada... era livre sim, podia andar na rua e tudo...” (ODJAKI, 2006: 18).

O tipo de identificação com a vida ocidental que seduz os jovens africanos de Achebe e Diome e o maduro angolano de Odjaki vai se repetir na experiência de uma jovem negra americana. No conto Uso Diário de Alice Walker (1998), Dee trilha os mesmos passos arielistas de Nwoye, Madické e António. A diferença é que a busca da jovem no mundo ocidental não se pauta pela religiosidade, não se aproxima do futebol, nem da administração de um país. Estriba-se na educação. Como Nwoye, Dee também se afasta da família e sai em busca do conhecimento que vai distanciá-la da irmã Maggie e da mãe. Dee desafia as duas com palavras fortes: “a sua cultura (...) Você também, Maggie, devia fazer alguma coisa da sua vida. Os tempos são outros para nós. Mas do jeito que você e mamãe ainda vivem nem dá para acreditar” (WALKER, 1998: 63).  Pecola segue os passos de Dee. No Romance O olho mais azul, de Morrison (2003) a beleza euro-americana de Shirley Temple estampada na xícara de leite, a graciosidade branca de Mary Jane impressa no papel de bala, e a brancura infantil do bebê dos Fishers são imagens dos valores culturais anglo-americanos que Pecola aceita, deseja e assimila. A identificação da menina com a cultura ocidental se metaforiza no doce Mary Jane que ela adora. “Ela come o doce e a doçura é boa. Comer o doce é, de certo modo, comer os olhos, comer Mary Jane. Amar Mary Jane. Ser Mary Jane” (MORRISON, 2003, p.54). Os olhos bonitos e azuis de Mary Jane no papel do doce concentram a carga de identificação da menina com os valores externos à cultura negra. Como não dispõe dos meios de trazê-los para sua existência, solicita a intervenção divina, num processo longo e demorado de preces e orações. “Toda noite, sem falta, ela rezava para ter olhos azuis. Fazia um ano que rezava fervorosamente” (MORRISON, 2003, p.50), é a frase que dramatiza o processo de demanda pessoal e coletiva.

Ao lado de Nwoye, Madické, Dee e Pecola, podemos incluir outros afrodescendentes que, no Brasil, também espelham o encontro com “o pedestal greco-latino”, expressão utilizada por Fanon (2005) para se referir ao Ocidente. No romance Úrsula, a brasileira Reis (2004) constrói o escravo Túlio de forma cristianizada que, ao salvar da morte certa um homem branco desconhecido, sente-se feliz e reconfortado pelas palavras de agradecimento do jovem branco. A narradora reflete este momento de realização cristã de Túlio: “era o primeiro branco que tão doces palavras lhe havia dirigido; e sua alma, ávida de uma outra alma que a compreendesse, transbordava agora de felicidade e de reconhecimento” (REIS, 2004: 29). Na minha peça de teatro O Olho da Cor (2003), a jovem Bertília também encontra seu modelo “greco-latino” em Vera Fischer, a loura blumenauense que, em 1969, foi eleita Miss Brasil. Costureira nas tecelagens da cidade, Bertília vê a miss representada em qualquer mulher galega de Blumenau e “jurava que um dia seria igual a ela, teria olhos azuis. Iria fazer qualquer coisa para ter aqueles olhos azuis porque achava que a força, a coragem e a arrogância que ela mostrava, mas, especialmente, a beleza, vinham dos olhos e da cor deles” (MARTINS, 2003: 34). Na poesia do brasileiro Trindade (2008), uma persona poética assinala a investida do negro na religião dos brancos:

De Bíblia na mão (...)
Do rei Salomão
Os cantares eu lia (...). 
Cheguei a Diácono
Presbiteriano (TRINDADE, 2008: 54).

No Caribe francês, Cathy Gagneur aumenta o panteão arielista, colocando-se na companhia de Nwoye, Madické, António, Dee, Túlio e Bertília.  Personagem do romance Corações Migrantes de Maryse Condé (2002), Cathy casa com o rico plantador de cana Aymeric Linsseuil. Abandona sua casa em L’Engoulvent e vai morar em Belles-Feuilles, a mansão do marido branco. Em contato com a branquidade dos Linsseuils, sua transformação é total: aprende francês “um pouco de leitura, um pouco de caligrafia, mas sobretudo a bordar, a costurar e a ter boas maneiras” (CONDÉ, 2002: 31-32). Na Inglaterra, o romance Uma Margem Distante, escrito por Phillips (2006), cobre a vida de Solomon na vila de Weston. Refugiado africano que foge da guerra em seu país, Solomon procura se integrar à vida inglesa, trabalhando como motorista e lavador de carros. A relação bem cordial de Solomon com a inglesa branca Dorothy esclarece a respeito da disposição arielista do africano na branca Weston. Dorothy expressa sua ligação a Solomon, dizendo que ela “só queria ser feliz (...) e sabia que Solomon era um homem que poderia me fazer feliz” (PHILLIPS, 2006: 75). Sobre ela ele pensa: “essa é uma mulher para quem eu poderia contar minha história” (PHILLIPS, 2006: 333).   


3. Nacionalismo Negro: Narratividades Identitárias

Até esse momento, a pessoa estava submetida a uma visão do negro determinada pela cultura branca, e sua maneira de agir ainda é estereotipada, sendo a referência da pessoa negra uma referência de grupo definida  externamente, levando-a a pensar, sentir e comportar-se de acordo com padrões idealizados de como a pessoa negra “deve” agir (FERREIRA, 2004: 80).

Como vimos, a identidade assimilacionista descreve a adesão do negro aos valores culturais do Ocidente. Alguns desses valores incluem nobreza de espírito, racionalidade e sentimentos elevados (Rodó, 1991: 13); outros listam beleza, genialidade, trabalho e bondade (Du Bois, 1998: 30); Memmi (2007) realça que o branco tem direitos, bens e prestígios. Além disso, “dispõe das riquezas e das honras, da técnica e da autoridade” (MEMMI, 2007: 163). Por outro lado, a nacionalista é a identidade que explica a aceitação e a vivência dos valores de matriz africana por parte do afro-descendente. Sua base cultural negro-africana se opõe ao modelo branco-europeu da assimilação. Em A Tempestade, de Shakespeare (1999), a metáfora branco-europeia Ariel cede lugar a Caliban, negro-africana. Em vez do apoio ao projeto colonialista de Próspero, como faz Ariel, Caliban articula a destituição do europeu que se apoderou da ilha, da qual os dois – Ariel e Caliban – são donos e herdeiros por direito. Em três momentos, a derrubada do colonizador europeu está presente na resistência de Caliban. Na primeira ocasião, Caliban reivindica a posse da ilha, bradando: “a ilha é minha, da mãe Sycorax, que você me tirou” (SHAKESPEARE, 1999: 35). Em seguida, a reivindicação se dá através da maldição que lança sobre Próspero:

Maldito seja! Todos os encantos
de Sycorax – sapos, escaravelhos,
e morcegos, te ataquem todos juntos! (...)
Agora eu sei falar, e o meu proveito
é poder praguejar. Que a peste o pegue,
por me ensinar sua língua!” (SHAKESPEARE, 1999: 35-36).

Por fim, Caliban planeja a morte de Próspero, juntamente com os colaboradores que o acompanham: “com uma acha amassa o crânio, ou rasga com pancada, ou corta a goela com a faca” (SHAKESPEARE, 1999: 85).

A luta de Caliban pela autonomia e independência de colonizado, através do desejo de retomada da ilha de Sycorax, encontra paralelo em textos de vários pensadores negros e brancos. Com maior ou menor veemência, agressividade ou determinação, os novos calibans espalham nas letras negras sua negritude nacionalista. Retamar (1988), por exemplo, reclama Caliban, com paixão, afirmando que “nosso símbolo, então, não é Ariel, como pensou Rodó, mas Caliban (...) Não conheço outra metáfora mais adequada para nossa situação cultural, para nossa realidade (...) O que é a nossa história, o que é a nossa cultura senão a história, senão a cultura de Caliban?” (RETAMAR, 1988: 29). Fanon (2005) olha para a busca de auto-determinação de Caliban como um desejo de descolonização. E esclarece que a descolonização impregna, no negro colonizado, “um ritmo próprio, trazido pelos novos homens, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é verdadeiramente a criação de homens novos” (FANON, 2005: 53). Esta “nova humanidade” negra de que fala Fanon é retomada por Memmi (2007) como a “ruptura”, através da qual, o colonizado se pergunta: “como sair disso a não ser por meio da ruptura, da explosão, cada dia mais violenta, desse círculo infernal? A situação colonial, por sua própria fatalidade interna, chama a revolta” (MEMMI, 2007: 169-170). De mãos dadas, a nova humanidade e a ruptura negras encontram em West (1993) uma formulação mais propositiva, não mais direcionada contra o colonizador ocidental ou o opressor branco, mas ativada em favor dos valores culturais de matriz africana. Trata-se, pensa West, de “uma busca nostálgica do pai Africano” (WEST, 1993: 85). Busca que se concretiza na resposta que a nova humanidade negra reconquistada consegue articular à pergunta de Du Bois (1986): “afinal o que eu sou: sou um Negro?” (DU BOIS, 1986: 821). Imbuído dessa nova humanização auto-determinada e independente, o novo ser imerge completamente na cultura negra, atitude que para Ferreira (2004) se caracteriza por um “mergulho na negritude e libertação dos valores bancos (...). O interesse pela ‘Mãe África’ torna-se evidente” (FERREIRA, 2004: 81). Porém, sair da assimilação de valores brancos e passar a valorizar e vivenciar os valores negros ainda é uma atitude reativa, necessária, mas incompleta para a deflagração de uma “humanidade negra” construtiva. Assim entendida e vivida, a negritude é denunciada por Glissant (2005) como proveniente de uma cultura atávica. “As culturas atávicas”, ensina Glissant, “tendem (...) a defender de forma frequentemente dramática (...) o estatuto da identidade como raiz única (...) e excluem o outro” (GLISSANT, 2005: 27). Identidades excludentes, como a assimilacionista apoiada nos bens culturais ocidentais, e a nacionalista, baseada somente nos valores de matriz africana, se tornam “identidades purificadas”. “A pureza identitária”, escreve Robins (1991), “procura assegurar tanto a proteção contra como a superioridade de posição sobre o outro externo” (ROBINS, 1991: 42). Como se trata de uma identidade marcada pela polaridade entre dois mundos antagônicos, duas tradições opostas, Hall (2006) acredita que o negro que nela se constrói acha “tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro” (HALL, 2006: 88), no Ocidente ou na África. Ele que já foi branco, tendo excluído o negro, agora, é o negro que exclui o branco.

A discussão do nacionalismo negro desenhada até aqui pode ser apreendida numa palavra-conceito: negritude. Ela serve para nos referirmos às atitudes nacionalistas de personagens negros, ou seja, às posturas de autoafirmação e de valorização da experiência negra. No artigo Negritice: Repetição e Revisão, associo à negritude “os aspectos positivos” (MARTINS, 2003: 15) de se viver os valores negros. Historicamente negritude foi um movimento literário desencadeado por escritores e intelectuais negros, a partir dos anos 30 na França, que, segundo Damasceno (2004), “enfatiza a questão de como expressar literariamente o mundo social, os pensamentos e os sentimentos não-europeus em uma língua europeia” (DAMASCENO, 2004: 18). Pessanha (2003), por sua vez, esclarece que um desses escritores ativos no movimento, “Aimé Césaire criou o vocábulo negritude [a partir do adjetivo francês nègre de conotações pejorativas], no sentido de afirmação do ser negro, auferindo-lhe uma significação positiva” (PESSANHA, 2003: 151).

À negritude no texto literário, então.

Na África de língua inglesa, a negritude nacionalista é simboliza pela figura de Okonkwo, personagem do romance O Mundo se despedaça, do nigeriano Achebe (2009). Diferente do filho Nwoye que se converte ao Cristianismo, Okonkwo resiste à presença dos cristãos ingleses na zona de influência do clã igbo. Ele reage violentamente à ocidentalização do filho, hostiliza e ataca os cristãos ingleses quando pode, participa da destruição da pequena igreja, é preso pelos ingleses, e chega a matar um soldado inglês. “Imediatamente, Okonkwo desembainhou o facão. O guarda agachou-se para evitar o golpe. Foi inútil. O facão de Okonkwo abateu-se sobre ele duas vezes, e a cabeça do guarda rolou pelo chão ao lado do corpo” (ACHEBE, 2009: 226), conta o narrador. Na língua portuguesa, o romance de Odjaki – Bom dia Camaradas – é onde vamos encontrar o jovem negro Ndalu. Nacionalista como Caliban, Ndalu é o arauto da administração negro-angolana do país. Suas diferenças com o assimilacionista António indicam sua posição crítica ao passado colonial. Suas palavras contra o colonialismo branco são claras. “Quem fosse negro não podia ser director (...) ninguém era livre (...) não eram angolanos que mandavam no país, eram portugueses... E isso não pode ser...” (ODJAKI, 2006: 18).

Na poesia africana de língua portuguesa, a persona da poeta Rinkel (2006) se identifica com a África sofrida, quando diz que chora com o choro do continente africano: 

Tuas lágrimas serão a água e a chuva que
O povo tanto precisa.
Chora África minha
Porque eu sou África
E eu também choro (RINKEL, 2006: 7).

A identificação com a África também atinge o afrodescendente na poesia de Hughes (2004), quando reafirma laços étnicos com o continente:

Sou Negro.
Escuro como escura é a noite,
Escuro como as profundezas da minha África (HUGHES, 2004: 5).

Ou, com a cultura afro-americana, através da batida sofrida do Blues:

No som cansado do Blues
Com suas mãos de ébano sobre cada tecla de marfim
Ele fez esse pobre piano gemer com a melodia.
Oh Blues!
Balançando para frente e para trás em seu banquinho frágil
Ele tocou a melodia triste e brincalhona como palhaço.
Doçura de Blues!
Vinda do fundo da alma de um homem negro (HUGHES, 2004:13).

Na ficção afro-americana, Milkman protagoniza a afro-descendência calibanista no romance A Canção de Solomon, escrito por Morrison (1994), repetindo a trajetória nacionalista de Okonkwo, Ndalu e bluseiros.  Como aqueles, Milkman representa a cultura de matriz africana quando viaja ao Sul para descobrir a verdadeira história bisavô escravo que, segundo os comentários de amigos da família, voltou para a África voando. A alegria e o entusiasmo de Milkman com a descoberta do ato heróico do bisavô se manifesta nas palavras que dirige a namorada Sweet: “meu bisavô sabia voar e toda a cidade tem o nome dele (...) voltou para a África (...) deixou todos no chão e saiu voando como uma águia negra” (MORRISON, 1994: 350). Entusiasmo semelhante ao de Milkman pela cultura negra se encontra no texto teatral do afro-brasileiro Nascimento (1979). Em Sortilégio II, o advogado negro Emanuel se reconcilia com a negritude, depois de anos de experiência de assimilação de valores brancos. Sua conversão à negritude é enunciada assim: “sou um negro liberto da bondade. Liberto do medo. Liberto da caridade e da compaixão de vocês. Levem todos esses molambos civilizados brancos” (NASCIMENTO, 1979: 122). A poesia de Trindade (2008), mais um afro-brasileiro, reafirma a ligação do negro com o mundo cultural da negritude. No poema, a persona canta esta aproximação dizendo:

Outra linda negra
me levou à macumba
no Xangô da Baiana
da Praia da Pina (TRINDADE, 2008: 54).

Nos Cadernos Negros, importante aglutinador do movimento negro literário, desde 1978, encontramos o poema Ressurgir das Cinzas, de Ribeiro (2004), que, em seus versos, estabelece a filiação da persona da poeta. Ribeiro enumera sua ancestralidade guerreira, marcada pela presença de mulheres negras que, em algum momento da história brasileira, deixaram suas marcas de luta em favor de afro-brasileiros. Por isso, o canto da guerreira é força que se fortalece na ratificação da própria força:

Sou guerreira como Luiza Malin,
Sou inteligente como Lélia Gonzáles,
Sou entusiasta como Carolina Maria de Jesus,
Sou contemporânea como Firmina dos Reis.
Sou herança de tantas outras ancestrais (RIBEIRO, 2004: 63).

A identificação com valores negros também se encontra presente no romance Ponciá Vicêncio, de Evaristo (2003). Em dado momento da trama, a narradora realça a identificação racial entre a menina Ponciá e o avô com quem a neta viveu por pouco tempo. Quando começa a andar a menina imita o andar do avô. “Ele andava encurvadinho com o rosto quase no chão” conta a narradora para, logo a seguir, estabelecer comparação entre o andar da neta e o do velho:

Surpresa maior não foi pelo fato de a menina ter andado tão repentinamente, mas pelo modo. Andava com um dos braços escondido às costas e tinha a mãozinha fechada como se fosse cotó (...) Todos se assustavam. A mãe e a madrinha benziam-se (...) Só o pai aceitava. Só ele não espantou ao ver o braço quase cotó da menina. Só ele tomou como natural a parecença dela com o pai dele (EVARISTO, 2003: 13).

No Caribe francês, vamos encontrar o romance Eu, Tituba, feiticeira... Negra de Salem, de Condé (1997). Neste texto ficcional, a personagem mítica Ti-Noel representa a resistência negra contra a exploração colonialista em Barbados. A população negra acredita na invisibilidade de Ti-noel, dizendo que “o fuzil do branco não é capaz de matar Ti-Noel. Seu cão não é capaz de mordê-lo. Seu fogo não é capaz de queimá-lo. Papai Ti-Noel, abre-me os caminhos” (CONDÉ, 1997: 1988). Na Europa inglesa, a música Rap e a cultura Hip-Hop reúnem os afro-britânicos ao redor do orgulho racial. O rapper Ray, líder da banda Positive Negatives e personagem central do romance Gangsta Rap, do afro-britânico Zephaniah (2006), representa esta manifestação de negritude no mundo da música negra. Ele explica a força negra do Hip-Hop:

No fundo, o rap é só o que nós fazemos. Você pode fazer um rap no noticiário, um rap em cima de uma batida de rock, de um rythm’n’blues ou de música folk. O rap é só um jeito de falar. Não é o rap que é importante, e sim o hip-hop. O hip-hop é a filosofia, é o nosso jeito de viver, nossa forma de ver a vida. Somos marginais, e precisamos sobreviver criando novas tribos pra gente (ZEPHANIAH, 2006: 171).


4. Identidades e narratividades catalistas

A partir do momento em que o indivíduo deixa de considerar como antagônicos os valores associados a matrizes étnico-culturais distintas, sua internalização deixa de ser conflitiva, tornando a pessoa mais calma, mais relaxada. As estruturas cognitivas tornam-se mais flexíveis, vindo a determinar avaliações de aspectos fortes e fracos da cultura negra FERREIRA, 2004: 83).

 

Como já vimos, metaforicamente, Ariel e Caliban representam polaridades antagônicas. Importantes, mas insuficientes para a formação identitária afrodescendente. Os efeitos de sua ação também se polarizam, opondo-se uns aos outros. Como na lógica colonialista binária, os valores brancos e negros se antagonizam. Vimos, também, com ampla exposição teórica, que quando um negro viaja para o mundo branco ele assimila a, se integra à, cultura branca. Descobrimos, igualmente, que quando se volta para mundo negro ele rejeita a cultura ocidental. Isolado no extremo branco ou na extremidade negra, o afrodescendente permanece um sujeito tradizido, isto é, se torna um Self que se apega, de forma essencialista, à tradição na qual se encontra inserido momentaneamente. Domesticado em trincheiras culturais distintas, o afrodescendente não se traduz culturalmente. O sujeito tradizido, isto é, o sujeito imerso em uma única tradição, insiste “na manutenção da ilusão protetora, na luta pela completude e a coerência através da continuidade (...) na busca da pureza e da identidade purificada” (ROBINS, 1991: 41-42).

Qual a alternativa para o arielismo e o calibanismo negros? 

Daqui para adiante, adicionaremos ao negro tradizido assimilacionista ou nacionalista, ou seja, apegado a uma única tradução cultural/racial, o afro-descendente traduzido. Ao puro juntaremos o impuro, à identidade purificada uniremos a identidade contaminada. A tradução racial se ajusta melhor à ideia de literatura diaspórica, melhor do que a tradição cultural.  A tradução racial, resultante de encontros interraciais, é uma categoria da tradução cultural. “A tradução cultural”, Steiner (2009) ensina, “procura estabelecer principalmente as múltiplas e diversificadas filiações que migrantes e exilados negociam fora de suas coletividades singulares e específicas” (STEINER, 2009: 155). É como tradução – não como tradição – que introduzimos, aqui, o termo catalismo para nos referir à crioulização cultural, na qual o negro e o branco operam tática e conjuntamente, num processo de “dar e receber, onde novos significados culturais e raciais surgem no local dos encontros das humanidades comuns” (STEINER, 2009: 7).

Esta reciprocidade cultural e racial só pode ser metaforizada por Exu. Esta divindade afrodescendente não se encontra em A Tempestade de Shakespeare (1999), como acontece Ariel e Caliban, mas aparece em Une Tempête de Césaire (1969), uma releitura da obra shakespereana, durante a festa de casamento de Miranda com Ferdinando. Com humor, ele saúda os convidados: “Deus para os amigos, O diabo para os inimigos! E a diversão para todos” (CÉSAIRE, 1969 : 68). Dotado da capacidade de fundir mundos opostos, Exu metaforiza a futura aproximação entre Próspero e Caliban, presente nas palavras do europeu: “bem, meu velho Caliban, somos só nós dois nesta ilha, só você e eu. Você e eu! Eu sou você! Você sou eu!”  (CÉSAIRE, 1969: 92). As expressões “eu sou você” e “você sou eu” sugerem tradução pontual entre colonizador e colonizado, representados por Próspero e Caliban.

Gates (1988) enaltece a imagem de tradutor cultural presente na divindade de Exu. E argumenta que, de um lado, Exu traduz a cultura dos deuses para os homens e, do outro, interpreta a cultura dos homens para os deuses. A tradução do divino para o humano e do humano para o divino é possível porque, segundo Gates, Exu “mantém uma perna ancorada no reino dos deuses e a outra neste nosso mundo humano” (GATES, 1988: 6). Ocupando esta posição mediadora – o entre-lugar da encruzilhada – Exu é “aquele que traduz, que explica” (GATES, 1998: 9) o conhecimento.  Gates enxerga em Exu um tradutor racial também, ao afirmar que “podemos tomar” Exu “como esta forma de significação perpétua ou ambulante”, ou seja, “como um emblema do processo da transmissão cultural e racial que sempre acontece com uma frequência extraordinária quando culturas africanas e de matriz africanas se encontram com as culturas europeias do Novo Mundo e, juntas, geram uma nova cultura” (GATES, 1988: 19) a afrodescendente. Devido à capacidade de intermediar os deuses e os homens, os africanos e os europeus, como afirma Gates, Exu é capaz de juntar Ariel e Caliban, como deseja Retamar (1968). Ariel, argumenta Retamar, pode “se unir a Caliban, em sua luta pela verdadeira liberdade” (RETAMAR, 1988: 65), e pode, desta forma, “com seu próprio exemplo, luminoso e aéreo como poucos” pedir “a Caliban o privilégio de um lugar em suas fileiras sublevadas e gloriosas” (RETAMAR, 1988: 73)

A insistência de Exu na reciprocidade deve redundar na construção de identidades catalistas. Conectado a Exu, o catalista afrodescendente concilia, com consciência, sua cultura com a do branco-europeu. Fanon (2005) a caracteriza como a conciliação entre o nacional e o internacional, dizendo que “é no coração da consciência nacional que se eleva e se vivifica a consciência internacional. E essa dupla emergência é apenas, definitivamente, o núcleo de toda cultura” (FANON, 2005: 283). E Memmi (2007) acredita que a liberdade virá desta reciprocidade interracial e intercultural. “Uma vez reconquistadas todas as suas dimensões”, Memmi explica, “o ex-colonizado se terá tornado um homem como os outros. Ao sabor da fortuna dos homens, é claro; mas será enfim um homem livre” (MEMMI, 2007: 190). Livre da assimilação e do nacionalismo essencialistas, o novo afrodescendente desenvolve uma postura que se alimenta de “uma negação crítica, de uma preservação sábia e de uma transformação insurgente desta linhagem negra que protege a terra e projeta um mundo melhor” (WEST, 1993: 85). A construção de um mundo melhor só é possível com a união dos dois mundos, como Du Bois (1986) parece sugerir, ao perguntar-se “afinal, o que sou eu? Posso ser os dois?” (DU BOIS,1986: 821), negro e branco. A pergunta de Du Bois recoloca a alteridade de Exu na experiência afro-descendente. Alteridade que Ferreira (2004) define como “coalizão” ativa, pois, “neste estágio, o indivíduo negro, enquanto mantém relações com pares negros, deseja estabelecer relacionamentos significativos com não negros de seu conhecimento, respeitando suas autodefinições” (FERREIRA, 2004: 83). O ato cooperativo, recíproco, entre as duas subjetividades, a branca e a negra, é celebrado por Glissant (2005) como identidade rizomática, ou seja, “como raiz indo ao encontro de outras raízes” (GLISSANT, 2005: 2). Como um entrelaçamento de várias raízes, a catalista não se configura como uma identidade pura ou purificada igual à assimilacionista e à nacionalista. Robins (1991) sugere que “é na experiência da diáspora” (...) e da migração que “a diferença é confrontada: fronteiras são cruzadas; culturas são misturadas; identidades são borradas” (ROBINS, 1991: 42). Esta tradução identitária coloca o afrodescendente na seguinte situação: “ele é obrigado  a negociar com as novas culturas em que vive, sem simplesmente ser assimilado por elas e sem perder completamente suas identidades. Ele carrega os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foi marcado” (HALL, 2006: 88-89).

Essa longa tentativa de caracterizar o catalismo negro pode ser resumida na palavra-conceito negritice. Ela auxilia o nosso entendimento da discussão das atitudes catalistas de personagens negros. Negritice é neologismo criado em 2003 para fundir, em uma só palavra, os termos NEGRITude e negrICE [NEGRIT+ICE]. Na ocasião, definia o termo assim: “negritice – combinando os aspectos positivos da negritude e as configurações negativas da negrice – é o conceito que marca as discussões de raça na literatura” (MARTINS, 2003: 15). O modelo literário da negritice é Capitu, personagem central do romance Enquanto isso em Dom Casmurro (Martins, 2009). Branca no romance Dom Casmurro de Machado de Assis (2007), Capitu vira negra no meu romance. “A raça de Capitu, negra. Nem mulata, nem crioula. Capitu era negra” (MARTINS, 2009: 11)). Na literatura, a negritice descreve a harmonia, a cordialidade e solidariedade interfaciais de negros e brancos. Hughes (1944) já colocava, na metade do século passado, esta questão da mútua solidariedade, ao enfatizar o que brancos e negros queriam alcançar em seus encontros. Ele afirma que

Nós não queremos nada que não seja compatível com a democracia e a Constituição, nada incompatível com o Cristianismo, nada incompatível com uma vida sensível e civilizada. Queremos simplesmente oportunidade econômica, oportunidade de educação,  vida decente, participação no governo, justiça perante a lei, cortesia normal e igualdade nos serviços públicos. Não há nada de errado em querer essas coisas, não é? (...) Somos homens de boa vontade em busca da boa vontade de outros (HUGHES, 1944: 265).

Agora, ao catalismo na literatura.

Na literatura africana, uma demonstração da “boa vontade” entre um negro e um branco, de que fala Hughes, acontece no romance O mundo se despedaça, do nigeriano Achebe (2009). No texto, o igbo Akunna e o inglês Brown, líderes religiosos dos seus cultos, estabelecem relações de harmonia recíproca entre a cultura africana e a ocidental. No auge dos conflitos entre o clã e os ingleses, o religioso estrangeiro decide controlar “os excessos de zelo” cristão e, “graças à maneira suave com que sabia atuar”, é até respeitado pelo clã. Do lado do clã, o religioso igbo permite que um de seus filhos aprenda “na escola do senhor Brown a ciência do homem branco” (ACHEBE, 2009: 201). Nos Estados Unidos, as ações de cordialidade que unem os negros Childs e os brancos Streets são mediadas pela jovem negra Jadine, no romance Pérola Negra, de Morrison (1994). Sobre os Streets Jadine diz: “me educaram. Pagaram minhas viagens, minhas estadas, minhas roupas e minha escola” (MORRISON,1994: 146). A respeito dos Childs ela esclarece: “Sydney e Ondine sãos meus únicos parentes vivos” (MORRISON, 1994: 146). Em sua postura catalista, Jadine, então, conclui que os brancos são “pessoas decentes. Como Nanadine e Sydney, todos ali eram decentes, e aquela casa, cheia de gente decente respirando o ar puro da ilha, era exatamente o lugar onde desejava estar naquele momento” (MORRISON, 1994: 84).

No Brasil, identidades catalista também ocorrem na literatura de autores afro-brasileiros. A minha peça de teatro O olho da cor hibridiza a Bertilia negra e a Bertília branca numa única mulher. A ela cabe personificar a fusão das duas raças, fundindo as culturas alemã e negra em Blumenau, representadas pelos olhos azul e negro. Suas palavras são claras neste sentido: “será que vou saber conviver comigo mesma? Com o meu olho azul sem furá-lo, quando for negra? Com meu olho negro sem desprezá-lo, quando for branca? Com os dois, quando as duas cores me cobrirem? Será que vou conseguir? Será que vou conseguir aceitar outras pessoas em iguais, ambíguas e múltiplas situações” (MARTINS, 2004: 124). No Caribe, Tituba emblematiza o catalismo negro. Personagem central do romance Eu. Tituba, Feiticeira... negra de Salem, de Condé (1997) a jovem negra se alia à senhora branca Elizabeth Parris e, juntas, arquitetam ações para dar um fim aos constantes espancamentos perpetrados contra elas pelo Pastor Parris. Elizabeth apanha por que é esposa do pastor; Tituba, porque é a empregada. A solidariedade entre as duas mulheres é descrita assim:

Ele bateu nela (...) Ela também sangrou. Esse sangue selou nossa aliança. Às vezes, uma terra árida e desolada dá uma flor com colorido suave que embalsama e ilumina a paisagem em sua volta. Não posso usar outra comparação para a amizade que não demorou a me unir à dona Parris e à pequena Betsey. Juntas, inventamos mil artifícios para nos mantermos à distância daquele demônio, o reverendo Parris (CONDÉ, 1997: 60).

Na Europa, mais especificamente, na Inglaterra, o catalismo solidário entre negros e brancos, proposto por Exu, se encontra desenhado no romance Uma Margem Distante, de Phillips (2006). Aqui, os brancos são os Andersons e os negros são representados por Solomon. Como clandestino africano no país ele precisa regularizar a sua situação.  Diz que “meu nome era Solomon e que eu precisava conseguir documentos para poder trabalhar e permanecer na Inglaterra” (PHILLIPS, 2006: 309). A Sra. Anderson se incumbe de regularizar a situação de Solomon no país. O próprio Solomon conta que “mamãe [sra. Anderson] assumiu o desafio de legalizar a minha situação na Inglaterra. Toda manhã o sr. Anderson ia para o trabalho, e deixava mamãe enfrentar o difícil problema da minha situação” (PHILLIPS, 2006: 314). Ainda na Inglaterra, mas agora no romance Gangsta Rap, de Zephaniah (2006), a experiência catalista envolve o rapper Ray e o sr. Lang, diretor do colégio do qual Ray havia sido expulso por indisciplina. O diretor sugere uma aproximação curricular que contemple os interesses musicais de Ray e as propostas educacionais da escola. O sr. Lang explica:

Vejam, eu acho que poderiam se beneficiar muito aderindo a um projeto de inclusão social. Vocês precisam frequentar todos os dias, terão de ir às aulas de inglês e matemática e outras matérias que estão no currículo, mas também podem cursar tecnologia da música como assunto principal. Poderão estudar música e ter acesso a pessoas e equipamentos que normalmente custariam muito caro (ZEPHANIAH, 2006: 62).


5. Branquidade escreve afrodescendências

A afrodescendência literária não é monopólio exclusivo de escritores negros, mas desperta interesses ficcionais, poéticos e dramatúrgicos entre autores euro-descendentes. Na África do Sul, o romance Cry the beloved country, de Paton (1988), é um exemplo do interesse de escritores brancos em abordar as identidades negras. Escrito em inglês, ainda sem tradução no Brasil, o romance distribui parte da família Kumalo – Absalom, John e Stephen – entre as três identidades: alia a experiência assimilacionista de Absalom ao nacionalismo do líder operário John e ao catalismo do reverendo Stephen.  O arielismo de Absalom se manifesta na maneira como ele assimila o lado mais trágico da vida branca: a criminalidade urbana de Johannesburg. Ele próprio reage, dizendo ao pai, quando está para ser enforcado pela morte de um branco:  “Johannesburg é um lugar perigoso. A gente nunca sabe quando vai ser atacado” (PATON, 1988: 88). Por outro lado, o calibanismo de John faz com que “toda África se encontre” (PATON, 1988: 158) e veja nele uma representação do seu futuro. Quando se dirige aos trabalhadores das minas sul-africanas se coloca como um líder que sabe como canalizar os anseios do continente oprimido e para onde conduzi-lo. Suas palavras de orientação são claras: “é por esta liberdade que travamos esta luta. Foi por esta liberdade que muitos dos nossos soldados africanos combateram” (PATON, 1988: 160). Por fim, o catalismo exuísta do pastor negro Stephen, pai de Absalom e irmão de John, encontra expressão no texto de Paton, ao lado do fazendeiro branco James. Juntos, catalistas os dois, o pastor negro e o fazendeiro branco trabalham para melhorar vida dos habitantes de Ndotsheni, a pequena aldeia onde nasceram e moram. Stephen trabalha com os jovens negros, “ensinando-os na escola a cuidar da terra. Então pelo menos alguns permaneceriam em Ndotsheni” (PATON, 1988: 196). James colabora com Stephen, providenciando água para a lavoura. “A água vai sair através da comporta, e vai regar esta terra e vai molhar as pastagens plantadas” (PATON, 1988: 216), explica ao povo.

Nos Estados Unidos, o romance Coelho em Crise, de Updike (1992), descreve a presença do negro Skeeter no mundo branco, simbolizado na casa de Coelho, um conservador branco. Diferente dos arielistas negros – Nwoye, Madické, António, Dee, Pecola, Túlio, Bertilia, Cathy e Solomon, já apresentados acima, na seção 2 – que migram para ambientes brancos para assimilar as energias culturais ocidentais, Skeeter é o calibanista afro-descendente que invade a casa do branco Coelho para ensinar-lhe – o filho de Coelho, Nelson, a namorada de Coelho, Jill, igualmente – um pouco da cultura negra. Um dos temas utilizado para a educação de Coelho é a luta de resistência do escravo Douglass ao capataz Covey. Depois da luta contra o capataz e a vitória do escravo, Douglass esclarece que seu ato de resistência, iniciado na luta, alcança seu ponto alto na fuga do cativeiro. “A partir daí, até o momento em que fugi da servidão”, Douglass escreve em sua autobiografia, “nunca mais fui realmente açoitado. Várias tentativas foram feitas, mas nenhuma teve sucesso. Ainda que me ferissem, nunca mais, desde o episódio que relatei, fui sujeito à brutalização da escravatura” (UPDIKE, 1992: 250). Skeeter não apenas se manifesta como um calibanista e portador de identidade nacionalista. É igualmente um catalista. Esta identidade, que resulta da hibridação racial, aproxima o jovem revolucionário negro de dois jovens brancos – Jill e Nelson – que, na casa de Coelho, se juntam numa única missão: reeducar racialmente o branco conservador. É Jill quem explica a Coelho a decisão tomada por ela, Skeeter e Nelson, filho do anfitrião:

Todos nós concordamos, eu acho, que o seu problema é que você nunca teve oportunidade de formular as suas ideias (...) A sua vida não tem reflexão (...) O Skeeter irrita e assusta você porque ele é opaco, você não sabe nada sobre o passado dele. E não estou falando sobre o passado individual dele, mas dos negros, por que é que ele chegou a esse ponto (...) por isso achei que hoje seria interessante a gente falar um pouco, fazer uma espécie de seminário sobre a história afro-americana (UPDIKE, 1992: 202).

Na região sul dos Estados Unidos, a devoção e o respeito das irmãs Boatwright – May, June e August – à imagem da Madona Negra que se encontra, há anos, na casa onde moram e se dedicam à fabricação de mel, marca a negritude das mulheres. A Madona que no passado havia levado os escravos à libertação do jogo opressor, agora, serve de amparo para a família que, em momentos especiais do dia, depois do trabalho nas colmeias, se dedica ao culto da Mãe de Deus com cânticos e orações, na companhia das Filhas de Maria que sempre acompanham as sessões de devoção mariana. A narradora enfatiza o envolvimento destes encontros:

June colocou o violoncelo entre as pernas e tocou Amazing Grace, e as Filhas de Maria se levantaram e se balançaram de um lado para o outro como se fossem algas marinhas no fundo do oceano. Eu pensei que fosse o grand finale, mas não. June foi então para o piano e começou a tocar uma versão de “Go Tell It on the Mountain”.   E  então August puxou uma fila para dançar conga. Puxou primeiro Lunelle, que se prendeu à cintura de August. Cressie agarrou-se a Lunelle, seguida de Mabelee, e saíram dançando pela sala, com Cressie segurando o chapéu vermelho para ele não cair. Depois de uma volta, Queenie e Violet se juntaram à fila, e depois Doçura. Eu também queria fazer parte do grupo, mas Rosaleen, Otis e eu ficamos de fora, só olhando (KIDD, 2004: 114).

No Brasil, a peça de teatro Anjo negro, de Rodrigues (1981), projeta o jovem negro Ismael como detentor de identidade assimilacionista. Médico, Ismael recorre ao casamento com a jovem branca Virgínia para catapultar sua ascensão social no mundo branco. Ismael adere à branquidade de Virginia para dominá-la. A branquidade está circunscrita à mansão que ele constrói totalmente branca: 

Se eu quis viver aqui, se fiz estes muros; se juntei dinheiro, muito; se ninguém entra na minha casa (...) Se mandei abrir janelas muito altas, muito, foi para isso, para que você esquecesse, para que a memória morresse em você para sempre (...) Virgínia, olha para mim, assim! Eu fiz tudo isso para que só existisse eu. Compreende, agora? Não existe rosto nenhum, nenhum rosto branco! – só o meu, que é preto” (RODRIGUES, 1981: 134).

Diferente da atitude assimilacionista do Ismael rodrigueano, Tristão se revela, a lado da branca Isabel, um brasileiro catalista. A experiência interracial do casal – a troca de cor – só se torna possível por que os dois possuem Exu em suas vidas. Por decisão consciente Isabel busca substituir a cor branca que cobre-lhe o corpo pela cor negra de Tristão. E Tristão aceita a cor branca por amor à decisão da esposa. Quando o Pajé que oficializa a troca de pele lhe explica que “quando uma coisa daqui é posta ali, alguma coisa dali deve ser posta aqui.  Para todo ganho, há um sacrifício, em outra parte” (UPDIKE, 1994: 174), ela aceita, com tranquilidade, e acompanha a transformação paulatina do próprio corpo:

Toda tarde repetia-se o processo, sempre com desenhos diferentes, cobrir os intervalos cada vez menores de pele branca. Após cada estafante camada, Isabel via-se mais solidamente coberta com a tinta de jenipapo; no sétimo dia, estava morena escura, mais escura que os grãos de café, porém mais clara que café forte, em todo o corpo, com exceção das palmas das mãos, das solas dos pés, da pele por baixo das unhas e no interior das pálpebras (UPDIKE, 1994: 177).

Na escravidão do jugo dos bandeirantes acompanha as mudanças que, aos poucos, tomam conta do seu corpo e substituem o negro pelo branco. Ele relata que “dia a dia, durante sete dias, o negror foi saindo de mim, sem eu saber por quê. Primeiro me tornei cinzento, depois branco, como se nunca tivesse visto o sol.” (UPDIKE, 1994: 185). Sua liberdade da escravidão é a próxima consequência provocada pela mudança de cor. O resultado desta nova situação é que amor entre ambos no esmorece, ao contrário cresce, como nos faz crer o branco Tristão: “eu nunca vou deixar você. Amo você como você é. Você guarda toda a sua antiga elegância, e mais alguma coisa também. Me perdoe, mas acho que se tornou você mesma. Sempre foi negra, sua brancura era um disfarce” (UPDIKE, 1994: 194).

No Haiti, o exemplo é fornecido por Allende (2010), romancista chilena, no romance A ilha sob o mar. Três personagens negras se enquadram nas experiências metaforizadas por Ariel, Caliban e Exu. Zarité, a escrava jovem que trabalha na casa do sr. Valmorain, dono de canaviais em Saint Domingues, assimila muitas das práticas religiosas da patroa Eugenia, uma espanhola que vive em Cuba antes de casar-se com Valmorain.  É a própria Zarité quem conta como faz as orações cristãs com a patroa:

Quando terminei, ela se ajoelhou no seu oratório e rezou em voz alta um rosário completo, repetido por mim, como era minha obrigação. Eu havia aprendido as orações, ainda que não entendesse seu significado. Nesse tempo eu já sabia várias palavras em espanhol e podia lhe obedecer, porque ela não dava ordem em francês nem em créole (ALLENDE, 2010: 66).

No mesmo grupo das amizades de Zarité, vamos encontrar o calibanista Honoré, um velho escravo que ensina a menina a respeito da África e dos rituais de vodu, através da dança e do tambor que sabe tocar como ninguém. Zarité conta que “Honoré sempre me falava da Guiné, dos loas, do vodu, e me advertiu de que eu nunca pedisse ajuda aos deuses brancos, por que são nossos inimigos. Explicou-me que, na língua dos seus pais, vodu quer dizer espírito divino. Minha boneca representava Erzuli, loa do amor e da maternidade” (ALLENDE, 2010: 49). Além da assimilacionista Zarité e do nacionalista Honoré, nos deparamos com a catalista Tante Rose. Ela é a detentora de muito conhecimento, negro e branco. É também a curandeira e a parteira da região ao redor da fazenda Saint-Lazare, do sr. Valmorain. E atende, nos dois ofícios, a escravos e brancos, sem distinção. É requisitada, também, pelas duas classes. É ela quem faz o parto de Eugenia, na primeira gravidez da esposa de Valmorain. Porém, antes que o parto ocorra, precisa negociar com Baron Samedi, “loa do mundo dos mortos” para que o espírito permita a vinda do bebê ao mundo. Zarité descreve a negociação que Tante Rose estabelece com o Baron: “cumprimentou-o com uma reverência, agitando o asson com seu chocalhar de ossinhos, e lhe pediu permissão para se aproximar da cama” (ALLENDE, 2010: 98).  Quando a permissão é dada, o Baron se afasta do quarto e a parteira, então, se aproxima da sra. Eugenia. Zarité conta que “Tante Rose explicou a situação para a patroa: o que tinha na barriga não era carne de cemitério, mas um bebê normal que Baron Samedi não levaria” (ALLENDE, 2010: 99). O recém-nascido, saudável, é entregue a Zarité que, daquele momento em diante, se torna responsável pelo menino dos Valmorains.

Na Europa, mais especificamente no Reino Unido, vemos Udo, a menina negra do romance Pequena Abelha, escrito pelo romancista inglês Chris Cleave. Vivendo temporariamente num centro de detenção de refugiados e, mais tarde, na casa da inglesa Sarah, a nigeriana se apresenta como a construção identitária pautada pela assimilação de valores culturais brancos e, portando, se torna portadora das características da negrice e realizadores das especificações comportamentais do Ariel shakespeariano. É a própria Udo quem esclarece a respeito da identificação que elabora com a moeda inglesa. Ela a caracteriza, de forma clara, dizendo que “às vezes penso que gostaria de ser uma moeda de uma libra esterlina em vez de uma menina africana. Todo mundo ficaria satisfeito ao me ver (...). Eu adoraria ser uma libra esterlina. Uma libra pode viajar livremente para a segurança, e nós podemos assistir, também com liberdade, à sua viagem. Esse é o triunfo da humanidade (CLEAVE, 2008: 09-10). Udo, porém, não ostenta apenas a identidade da assimilação. Ao contrário, ela a alterna a negrice com a negritude e, assim, avança para a identidade nacionalista. Isto acontece quando, ainda exilada em Londres, se lembra, saudosa, da plantação de chá, o produto de exportação do seu país, Nigéria. Udo nos relata o teor desta identificação nacionalista, explicando que

Quando me puseram no centro de detenção de imigrantes, deram-me um cobertor marrom e chá numa xícara de plástico branco. E quando o provei, tudo o que eu queria era voltar para o navio e ir para casa outra vez, para o meu país. O chá tem o mesmo gosto da minha terra: é amargo e quente, forte e carregado de lembranças. Tem gosto de saudade. Tem o gosto da distância entre onde você está e de onde você veio. E também desaparece – o gosto desaparece da língua enquanto os lábios ainda estão quentes da xícara. Desaparece, como as plantações se estendendo para dentro da bruma (CLEAVE, 2008: 136).

Um passo adiante no arcabouço da elaboração identitária que elabora para si, Udo avança para além das polaridades excludentes de negrice e negritude para alcançar a negritice e seus desdobramentos inclusivos. Em passeio de férias na Nigéria, Sarah a havia salvado dos de milicianos assassinos, decepando um dedo da mão como troca exigida por eles pela vida da menina negra. É Udo quem narra o ato heroico da inglesa branca: “escute aqui, Sarah, você já me ajudou bastante. Você cortou fora seu próprio dedo por mim. Você salvou minha vida” (CLEAVE 2008: 153-154). Como retribuição, Udo se coloca à disposição da patroa branca para salvá-la dos problemas que a afligem. Reage oferecendo amor de filha à branca que deixara que cortassem um dos dedos pela negra:

Vou ajudar você – eu disse. – Se quer que eu fique, então é assim que vai ser conosco. Talvez eu só possa ficar um mês, talvez só uma semana. Algum dia, os homens virão. Mas enquanto estou aqui, vou ser como uma filha para você. Vou amar você como se fosse minha mãe e vou amar Charlie como se ele fosse meu irmão (CLEAVE,2008: 155).

6. Implicações teóricas e práticas

Que implicações podem surgir da longa e exaustiva discussão desenvolvida até este momento, a respeito da mobilidade racial e movência identitária no âmbito das experiências afrodescendentes protagonizadas por afrodescendentes arielistas, calibanistas e exuístas, da África à Europa, nas línguas inglesa, francesa, espanhola e brasileira? Primeiramente, pode-se afirmar que o estudo projeta um olhar sobre uma potencial comunidade afro-americana imaginada na diferença. Através da noção de diferença, a experiência afrodescendente é mediada por um conjunto complexo de diferenças, apoiadas por conceitos, metáforas, identidades e personagens: conceitos de negrice, negritude e negritice; metáforas de Ariel, Caliban e Exu; identidades assimilacionista, nacionalista e catalista; personagens africanos, afro-americanos, afro-brasileiros, afro-caribenhos e afro-britânicos, respectivamente. O respeito às diferenças é preponderante porque, para Hall (2001), o que marca uma comunidade transcultural/transracial – local, nacional ou internacional – não é um repertório de igualdades, mas, ao contrário, um conjunto de diferenças. Ele recomenda que “em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade” (HALL, 2001: 62). Tomando a diferença como o elemento constitutivo de um grupo cultural, como aconselha o autor, pode-se se pensar que, nesta comunidade imaginada de personagens africanos e afro-descendentes nas obras de escritores negros e brancos, a diferença identitária é seu aspecto mais característico. Nela, complementam-se – suplementam-se - as identidades de assimilação, nacionalismo e catalismo. 

As “profundas divisões e diferenças internas” (HALL, 2001: 62), associadas aos contínuos deslocamentos identitários que se interpelam no seio de uma comunidade não a paralisam. Ao contrário, a tonificam, por que suplementares, e favorecem atitudes abertas ao diálogo dos diferentes. Por isso, é possível esperar que arielistas, calibanistas e exuistas negros conversem entre si e se completem, sem exclusão de qualquer um deles. Em outras palavras, que se crioulizem, como pensa Glissant (2005) e, assim, se tornem agentes de uma comunidade de cultura compósita, que nos conclama a “entrarmos na difícil complexão de uma identidade de relação, de um identidade que comporta uma abertura ao outro, sem perigo de diluição” (GLISSANT, 2005: 28). Pensar que nesta comunidade descortinada nos textos – romances, peças de teatro, poemas – um assimilacionista negro vá ao encontro de um negro nacionalista, sem medo de rejeição ou de estigmatização, e os dois caminhem na direção de um catalista, é pensar em um tipo de conversão política cujo elo agregador é o amor, em sua dupla manifestação de autoamor e amor dos e pelos outros. Este caminhar na direção do outro é uma mudança radical de agência identitária e política que, segundo West (1994) “se faz por meio da afirmação, pela pessoa, de seu próprio valor – afirmação essa alimentada pela consideração dos outros. Uma ética do amor tem de estar no centro da política de conversão” (WEST, 1994: 35).

A conversão política alia-se a duas mobilidades: a identitária e a textual. Hall (2001) alerta para o fato de que a identidade se constrói no movimento que transforma os atores políticos, esclarecendo que a identidade é “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2001: 13). As identidades de assimilação, nacionalismo e catalismo, deslocadas nas interações culturais, se afinam com o deslocamento textual que aproxima textos literários, permitindo diálogos e conversas intertextuais. Gates (1988) enxerga nos diálogos intertextuais a significação negra, ou seja, o tipo de intertextualidade que “mostra como textos negros ‘conversam’ com outros textos negros” (GATES, 1988: xxvi). Para ele, esta conversa não é pura repetição, mas admite revisão e diferença. “A significação,” ele acrescenta, “é uma metáfora da revisão textual” porque permite que “um texto signifique sobre o outro texto, por meio da revisão, ou repetição e diferença tropológicas” (GATES, 1988, p.88).

A visão que se alcança deste embate entre diferença, mobilidade, crioulização, conversão e significação é a de que os negros – amparados por conceitos, metáforas e identidades – são capazes de se construírem sujeitos das margens, ativos e produtivos, que se introduzem “no cenário político e cultural” (HALL, 2003: 338) e dele se apossam. Nas posturas interculturais e interraciais, pode-se vislumbrar suas atitudes existenciais aproximando-os do pós-moderno pela pluralidade, dos estudos culturais pela ênfase na diferença e do existencialismo sartreano pela responsabilidade: a do arielista para com os valores brancos; a do calibanista pelos valores negros; a do catalista pelos dois conjuntos de valores. Para Sartre (1984), “o homem [não] é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas ele é responsável por todos os homens” ou, dito de outra forma, cada um deles se escolhe, mas “escolhendo-se, ele escolhe todos os homens“ (SARTRE, 1984, p.6).

No âmbito da grande comunidade da intercontinental diáspora negra, a responsabilidade da tríade de personagens se avulta ainda mais, uma vez que eles representam respostas individuais a cada uma das três situações do dilema que Du Bois (1986) coloca diante do negro americano, quando se pergunta:

O que, afinal, sou eu? Sou um Americano ou sou um Negro? Posso ser os dois? Ou é minha obrigação deixar de ser um Negro imediatamente para ser um Americano? Se me esforço para ser um Negro, não estarei perpetuando o mesmo abismo que ameaça e separa a América Negra da América Branca?  Não será meu único objetivo prático submeter ao que é Americano tudo o que é Negro em mim? O meu sangue negro coloca sobre mim mais responsabilidade para afirmar minha nacionalidade do que o sangue Alemão, ou o Irlandês, ou o Italiano faria? (DU BOIS, 1986, p.821).

Como os arielistas, Martin Luther King também responde positivamente à pergunta de Du Bois “sou um ocidental?”; como os calibanistas, a resposta de Malcolm X é um sim à indagação de Du Bois, “sou um Negro?”; como os catalistas, Obama diz um sim à terceira alternativa de Du Bois “posso ser os dois?”.

Considerações Finais

A instabilidade da significação identitária entre negros arielistas, calibanistas e exuistas marca a transidade na afrodescendência de maneira significativa. As dezenas de personagens e personae negros assimilacionistas, nacionalistas e catalistas presentes na análise desenvolvida, a partir de vários textos poéticos, ficcionais e teatrais de autores negros e brancos dos vários continentes, atestam a transnacionalidade da experiência negra. Bhabha (1998) argumenta que uma experiência é transnacional quando

Os discursos pós-coloniais contemporâneos estão enraizados em histórias específicas de deslocamento cultural, seja como “meia-passagem” da escravidão para a servidão, como “viagem para fora” da missão civilizatória, a acomodação maciça da migração do Terceiro Mundo para o Ocidente após a Segunda Guerra Mundial, ou o trânsito de refugiados econômicos e políticos dentro e fora do Terceiro Mundo (BHABHA, 1998: 241).

 Porém, a transidade pós-colonial negra não se caracteriza apenas pela questão transnacional. Ela embute também um fator inerente à dispersão intercultural, a tradução, algo que Bhabha (1998) descreve, sugerindo que “a cultura é tradutória porque essas histórias espaciais de deslocamento – agora acompanhadas pelas ambições territoriais das tecnologias ‘globais’ de mídia – tornam a questão de como a cultura significa, ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo” (BHABHA, 1998: 241). 

A perspectiva pós-colonial da junção entre transidade e tradução evita as limitações binárias dos antagonismos entre o mundo cultural do negro e o do branco para aí introduzir um terceiro elemento que tende a superar as restrições impostas pelo binarismo. Nos textos analisados, vimos, de um lado, como arielistas se opuseram a calibanistas, como assimilacionistas se distanciaram de nacionalistas. Do outro, percebemos como exuistas negros e brancos compartilharam experiências, como catalistas afrodescendentes e euro-descendentes hibridizaram posturas. No caso dos catalistas exuistas, a tradução se fez presente.  A tradução ocorreu porque os negros e os brancos que se juntaram para resolver um problema comum – Jill, Nelson e Skeeter, durante o processo de educação de Coelho – descobriram seus exus. Gates (1988) esclarece que ações compartilhadas acontecem porque os personagens envolvidos percebem a presença de seus exus. “Exu é a soma das partes, tanto quanto é aquilo que conecta as partes” (GATES, 1988: 37). Quando negros e brancos se separam, como fica demonstrado entre arielistas e calibanistas, isto acontece pela ausência de Exu na vida daqueles negros. Gates explica a inexistência da tradução entre eles, dizendo que “uma pessoa que não tem a um Exu em seu corpo não pode existir, nem sabe que está vivo” (GATES, 1988: 37).

Entre Ariel, Caliban e Exu – e os significados étnico-raciais que contemplam – o negro não precisa optar, mas crer que viver como afrodescendente é vida vária, que se arieliza, se calibaniza e se exuiza, sempre e alternadamente, na diferença. “A noção de diferença”, nos ensina Paterson (2007), “é fundamental para nossos processos cognitivos” e “nos permite construir sentido do mundo” (PATERSON, 2007: 13) e de nós mesmos.  

Referências

ACHEBE, Chinua. O Mundo se Despedaça. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ALLENDE, Isabel. A ilha sob o mar. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007.

BAKER, Mona. Translation and Conflict: a narrative account. New York: Routledge, 2006.

BANDIA, Paul F. Translation as Reparation: writing and translation in postcolonial Africa. New York: St. Jerome Publishing, 2008.

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte. Editora UFMG, 1998.

BORBA, Francisco S. Dicionário de usos do Português do Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2002, p. 1085.

CÉSAIRE, Aimé. Une Tempête. Paris: Éditions du Seuil, 1969.

CLEAVE, Chris. Pequena Abelha. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

CONDÉ, Maryse. Corações migrantes. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

CONDÉ, Maryse. Eu, Tituba, Feiticeira... Negra de Salem. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

COSTA, Hilton & SILVA, Paulo Vinicius Baptista da (org.). Notas de História e Cultura Afro-Brasileiras. Ponta Grossa: Editora UEPG/UFPR, 2007.

DAMASCENO, Benedita Gouveia. La Sombra del Látigo: Poesía negra en Brasil. Madrid: Kokoro Libros, 2004.

DIOME, Fatuo. Le Ventre de l’Atlantique. Paris: Éditions Anne Carrière. 2003.

DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção. In: Estudos de literatura brasileira contemporânea. Brasília: No. 31, Janeiro/Junho, 12008, p. 11-23.

DU BOIS, W.E.B. The Conservation of Races. In: DU BOIS, W.E.B. Writings. New York, 1986, 815-826. 

FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005.

FERREIRA, Ricardo Franklin. Afrodescendente: Identidade em Construção. Rio de Janeiro: Pallas; São Paulo: Educ, 2004.

FOSTER, Frances Smith. Diasporic Literature. In: ANDREWS, William L, FOSTER, Frances Smith & HARRIS, Trudier (eds.). The Oxford Companion to African American Literature. Oxford: Oxford University Press, 1997, p. 218-222.

GATES, Henry Louis, Jr. The Signifying Monkey: A theory of African-American Literary Criticism, Oxford: Oxford University Press, 1988.

GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.

HUGHES, Langston. Vintage Hughes. New York: Vintage Books, 2004.

KIDD, Sue Monk. A vida secreta das abelhas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

MARTINS, José Endoença. Negritice: Repetição e Revisão. In: MARTINS, José Endoença. Blumenau: Edição do autor, 2003, p. 13-18.

MARTINS, José Endoença. Negritice: Interculturalidades e Identidades na Literatura Afrodescendentes. In: COSTA, Hilton & SILVA, Paulo Vinicius Baptista da (org.). Notas de História e Cultura Afro-Brasileiras. Ponta Grossa: Editora UEPG/UFPR, 2007, p. 253-269.

MARTINS, José Endoença. Enquanto isso em Dom Casmurro. Blumenau: Edifurb, 2009.

MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

MORRISON, Toni. O olho mais azul. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

MORRISON, Toni. A canção de Solomon. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1994.

MORRISON, Toni. Pérola Negra. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1994.

ONDJAKI. Bom dia, camaradas. Rio de Janeiro: Agir, 2006.

PATERSON, Janet M. Diferença e Alteridade: questões de identidade e de ética no texto literário. In: FIGUEIREDO, Eurídice & PORTO, Maria Bernadette Velloso (orgs.). Figurações da Alteridade. Niterói: EdUFF, 2007, p. 13-21.

PATON, Alan. Cry, the beloved country. London: Penguin Books, 1988.

PESSANHA, Márcia Maria de Jesus. O Negro na confluência da educação e da literatura. In: OLIVEIRA, Iolanda de (org.). Relações Raciais e Educação: novos modelos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 145-172.

REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. Florianópolis: Ed. Mulheres; Belo Horizonte: Editora Pucminas, 2004.

RETAMAR, Roberto Fernández. Caliban e outros ensaios. São Paulo: Editora Busca Vida, 1988.

RIBEIRO, Esmeralda. Ressurgir das Cinzas. RIBEIRO, Esmeralda & BARBOSA, Márcio (orgs.). Cadernos Negros 27. São Paulo: Quilombhoje, 2004, p. 63.

RINKEL. Revelações. Moçambique: Associação de escritores moçambicanos, 2006.

ROBINS, Kevin. Tradition and translation: national culture in its global context. In: CORNER, John & HARVEY, Sylvia (eds.). Enterprise and Heritage: crosscurrents of national culture. New York: Routledge, 1991, p. 21-44.

RODÓ, José Enrique. Ariel. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991. 

RODRIGUES, Nelson. Teatro completo de Nelson Rodrigues 2, peças míticas: Álbum de Família, Anjo Negro, Doroteia, Senhora dos Afogados. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981, p. 121-192.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. In: SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo; A imaginação; Questão de Método. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 1-32.

SHAKESPEARE, William. A Tempestade. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999.

SOMERS, Margaret R. The narrative constitution of identity: a relational and network approach. Netherlands: Kluwer Academic Publishers. Theory and Society 23: 605-649, 1994.

STEINER, Tina. Translated People, Translated Texts: Language and Migration in Contemporary African Literature. New York: St. Jerome Publishing.

TRINDADE, Solano. O poeta do povo. São Paulo: Ediouro, 2008.

TYSON, Lois. Critical theory today: a user-friendly guide. New York: Garland Publishing, 1999.

UPDIKE, John. Coelho em crise. São Paulo: Companhia das Letras. 1992.

WEST, Cornel. Keeping Faith: philosophy and race in America. New York: Routledge, 1993.

WEST, Cornel. Questão de Raça. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

ZEPHANIAH, Benjamin. Gangsta Rap. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

____________________________________

* José Endoença Martins é Mestre e Doutor em Letras pela UFSC e, também, Doutor em Estudos da Tradução pela mesma Instituição. Professor do Mestrado em Letras de Práticas Transculturais da UNIFACVEST, membro do Grupo de Pesquisa EDUCOGITANS e do NEAB-FURB. Autor prolífico, conta com dezenas de publicações no país e no exterior, entre poemas, contos, textos teatrais, romances e ensaios críticos.

Texto para download