Subverto, logo existo: a electrizante felicidade da poesia
de Jorge Carlos Fonseca

 

Simone Caputo Gomes¹

 

Resumo: Leitura da obra literária completa de Jorge Carlos Fonseca, concebendo-a como uma poética representativa das tendências atuais da literatura de pertença cabo-verdiana, nas quais sobressai um paradigma que, sem descurar do ético, expressa-se sob o domínio do estético. O texto fonsequiano, como constelação ou obra-mundo, transita por diversas latitudes, numa errância e com uma capacidade rizomática que percorre a literatura planetária desde os clássicos aos contemporâneos, expressando-se em vários gêneros (lírico, ficcional e diarístico) e discutindo-os com inegável mestria. O dialogismo obtido por meio da arte da citação, da apropriação, da paródia, da ironia e do humor vai construindo um texto-tecido polifônico, em que várias vozes fantasmáticas se alternam em canto e contraponto como numa fuga de Bach, que vaga e retorna à origem, sempre diferente, contudo. O amor ao país nunca é esquecido, ele se inventa como ponte para outros países, como seiva para a criação e imaginação de um mundo melhor, uma humanidade mais justa e mais livre.

Poètes
Et autres amateurs de grands espaces libres
Cela nevous suffit-ilpas?
(Mário Fonseca. In memoriam)

Há algum tempo a necessidade de produzir este ensaio segredava palavras nos meus dias. O estilo para sua realização, contudo, travava meus voos, por um lado pela complexidade da obra sobre a qual me debruçaria, por outro por considerar que o formato ensaio reduziria em muito o ímpeto criativo e o teor de manifesto artístico que os textos de Jorge Carlos Fonseca revelavam, desde o seu surgimento com Poesiaaa, ombrooo, armaaas e outros poemas, detentor do Prémio Ex-aequo dos Jogos Florais 12 de setembro,em 1976 (AAVV, s.d.). Era já patente o diálogo com poéticas cabo-verdianas que aliavam um discurso da nação a tendências estéticas que indicavam o dealbar de um novo paradigma, mais estético do que ético, como as de Corsino Fortes, João Vário (Timóteo Tio Tiofe) e Mário Fonseca (também vorazes leitores de poesia).

A “ousadia da subversão lírica”, a “audácia” que sacode a “estúpida e aviltante normalidade” (FONSECA, 1995, p. 23), a corrosão do real e da linguagem sob o domínio do delírio, da loucura, do sonho, do erótico, do grotesco e mesmo do escatológico, enfim, A LIBERDADE, não poderia ser apreendida, cogitava eu, por um discurso que a aprisionasse no seu trânsito, na sua “soberba” viagem, como argumentaria Marcos Siscar em A soberba da poesia: distinção, elitismo, democracia (SISCAR, 2012).

Assim, decidi, depois de reler toda a obra literária de Jorge Carlos Fonseca e a fortuna crítica sobre ela, sentar e escrever ao sabor do poderoso vento cabo-verdiano que tanto me cativa, alimento de vida para uma terra tão seca, mas tão fértil em seres humanos, cultura e arte.

Appasionata e acolhida pela Literatura e por Cabo Verde, segunda pátria que descobri nos versos do poema-manifesto a “invenção do amor”, de Daniel Filipe, ao sabor do vendaval, rosto batido pelas areias do deserto de Viana e pés beijados pelas ondas das mais belas e bravias praias do arquipélago, arrebatada pelo ímpeto

da Iansã que dança rodando velozmente a sua saia ao frenesi de um batuque, automaticamente rabisco essas linhas, tentando acompanhar som e fúria de uma poética que, na sua benfazeja loucura, tem a coerência de um projeto1.

Na sugestão de leitura panorâmica da obra literária de Jorge Carlos Fonseca que ora proponho, parto da consideração de que a totalidade de seu percurso orquestra-se como uma POÉTICA, no sentido que lhe dá André Breton, escritor e psicanalista francês, no seu Manifesto do Surrealismo (1924), inspirador das primeiras produções de Fonseca e cujas propostas reverberam até o mais recente livro publicado. Avulta a poesia, soberba, em todos os seus escritos: o “desespero de poesia” (FONSECA, 1995, p. 32) na luta com a morte, o naufrágio, a solidão; e a “electrizante felicidade da poesia”, que diz “não à cor única”, ao “pão cocho” e “à sopa repetida” com “sonhos” tingidos de um rebelde “vermelho” qual “moscas” ou “pássaros” alinhados com “ondas rubras” e “sons delinquentes” (FONSECA, 1995, p. 52-57).

A “mosca” viajará mais tarde, Em tempo de Natal e da Morna, “gratuitamente na executiva”, e esta é uma das malhas do rizoma que retomaremos quando abordarmos o livro mais recente de Jorge Carlos Fonseca (FONSECA, 2019c), em que o inseto, metáfora da Poesia (como o “Áporo”; ANDRADE, 2012, p. 41) de outro Carlos, o brasileiro Drummond de Andrade), escava o labirinto (também borgiano) e desata os seus mistérios, ressurgindo em orquídea. Os trânsitos do Presidente, do político, do jurista, do “jardineiro da liberdade e da democracia” (FONSECA, 2019c, p. 97),seja em seus deslocamentos oficiais, seja nas navegações solitárias de suas noites insones, estão sempre acompanhados da “sedutora tinta” que a “mosca” espalha quando mergulha no tinteiro e beija a folha branca. Inseto ou orquídea, o áporo urde o poema num “país bloqueado” (ANDRADE, 2012, p. 41), no texto de Drummond. E intromete a Poesia, faz irromper o primado de uma “imaginação que não perdoa” (vide a epígrafe de Breton à primeira seção do livro de estreia), “antieuclidiana” geometria criativa nos textos de Fonseca.

poesia
indómita e vagabunda
inundando os nossos dias enxutos

A recusa do universo da lógica, das realidades percebidas como “sumárias” (BRETON, 1985, p. 40.), a superação do real pela imaginação ou pelo sonho, o não-conformismo, o escape de paradigmas preconcebidos, a agregação gratuita, a colagem, o ludismo, a obliteração da moral constituem peças do jogo rizomático, como quer Deleuze (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 10-36), que assim pode definir a arte de Jorge Carlos Fonseca:

A POESIA?!
           São vacinas de palavras irreverentes
feitas bandeira

num palácio de vómitos alcatroados” (FONSECA, 1995, p. 39).

Citado como epígrafe em seções deste livro inicial – O silêncio acusado de ALTA TRAIÇÃO e de incitamento ao MAU HÁLITO GERAL (1995)–, o Manifesto do Surrealismo (1924) assim concebe a Poesia: “O homem põe e dispõe. Depende dele só pertencer-se por inteiro, isto é, manter em estado anárquico o bando cada vez mais medonho de seus desejos. A poesia ensina-lhe isso. Traz nela a perfeita compensação das misérias que padecemos” (BRETON, 1985, p. 49).

A poesia é um antídoto contra a morte e o desgaste das coisas, situações e palavras, além de representar um instrumento revolucionário de conhecimento tendo em vista a emancipação do ser humano:

ao acariciar
o silêncio
detestei a morte

escrevi
então
o poema (FONSECA, 1995, p. 46).
 

A “matemática da liberdade”, opção retórica do poeta, demanda “INVENTAR PALAVRAS” (FONSECA, 1995, p. 22), “indiferente ao mau hálito” geral (FONSECA, 1995, p. 34), “a imprecar contra poetas pasteurizados” (FONSECA, 1995, p. 40) e “cérebros apaziguados” (FONSECA, 1995, p. 52). Uma estética da carnavalização e da paródia, da satirização subversiva da realidade cotidiana já aponta as trilhas que a poética de Jorge Carlos percorrerá, albergando várias formas possíveis de expressão do e reflexão sobre o fenômeno POESIA, situando-a num não-lugar (com ecos de Marc Augé (AUGÉ, 2015) que a alça a um patamar cimeiro no âmbito da literatura: trabalhos de citação como diálogos intertextuais com escritores de outras latitudes, apropriações, notas explicativas são artifícios de que lança mão o poeta para ampliar o universo de sua arte.

E chega ao ponto de simular um romance ou, como proponho na minha leitura de O albergue espanhol (2017), discutir teoricamente a crise do romance burguês, implodindo-a num metatexto que exige um novo modelo de leitor para um outro tempo em que aquele paradigma não mais se sustenta: ao anti-romance produzido ou à morte do romance (“negação do romance”, como proposta por Arménio Vieira (VIEIRA, em No inferno, 2001, p. 17), indiciada página a página sobrepõe-se, soberana, a Poesia. Mas esta é uma ideia em associação a que retornaremos mais tarde. Mais uma trilha do rizoma.

Ainda no livro de estreia, entre clowns (“nós”), inclui-se o poeta. E mais: com vagabundos, coxos e deuses “castos e desajeitados”, compõe cenários em que, “juntos”, ousam “dizer não/ao pão chocho/e à sopa repetida”. Alinham-se com “sons delinquentes”, “crianças rebeldes”, “eternos jovens descalços/amantes da música desarmonizada/e amancebados no delírio/de sonhos bem triturados” (FONSECA, 1995, p. 56). Juntos, alcançarão “o paladar de seres/ restituídos à condição/ de criadores/ de liberdade/ indomáveis” (FONSECA, 1995, p. 58).

Neste belíssimo poema – “Não ao silêncio, à morte prematura e ao afago notariado. O tempo é a nossa espada, os cérebros frescos e as mãos solteiras as nossas esporas” (datado de 1979)–, integrante do primeiro livro publicado, O silêncio acusado de ALTA TRAIÇÃO e de incitamento ao MAU HÁLITO GERAL (1995), composto por textos datados da década de 1970, o eu lírico assim se define, com apelo ao coletivo:

Somos os búzios lúdicos [...]
Somos a peste genuína e cortante
no inverno imberbe
de ilusões
atacadas de paralisia

Somos a flor a semente” (FONSECA, 1995, p. 60-61)

Para Jorge Carlos Fonseca, a função da literatura é criar liberdade:

Para mim, desde que comecei a escrever, esta é uma noção forte e permanente: a literatura para ser autêntica tem de ser livre, despida de qualquer programação social, política, ideológica, ética. Não pode haver lugar à pergunta: qual é a mensagem? Para mim, ser poeta importa retirar do ato de escrever toda a finalidade prática direta, seja ela política, social, ética ou outra (FONSECA, 2017b. Online).

Com este propósito, é possível dar à literatura e à poesia o seu caráter de “electrizante felicidade”, de “festa”:

A poesia esteve em festa.
            Agitou bandeiras coloridas cartazes roucos
            falou para camponeses e assembleias de operários
            esparrafou-se toda Ponta Belém Ribeira Bote Santa Maria.

           Não esqueceu porém
                       a magia das flores
                       a invenção do amor
                       a prostituição bela dos bichos
                       a dança louca das palavras
                       (caminhos necessários da Poesia)

          Tribuno Guerrilheiro
           Estandarte Vermelho
           Subversor Panfletário

Não esqueceu porém
            a sinfonia rubra das estrelas mendigas
            as serenatas de vidro das madrugadas mastigadas
            os fonemas sorridentes de ladrões de cravos
            a surpresa doce dos adjectivos rebeldes
            (caminhos ascendentes da Poesia)

 Assediada pelos órgãos de informação
respondeu categórica a Poesia:
“Não faltarei ao Congresso.
Levarei comigo, no entanto, uma lua pentagonal e
uma orquestra surda de anões desfigurados” (FONSECA, 1998, p. 43. Poema “Poesia em festa”).

A liberdade de expressão nasceu sobre estes muros.

Porcos em delírio (1998), o segundo livro publicado, considerado por João Vário expressão já de uma “grande poética” (VÁRIO, 2019, p. 33), inicia-se (à guisa de posfácio, em ordem invertida e subvertida) por uma surrealista “Biografia sumária do autor, escrita por um antigo inimigo, hoje, depois da morte, seu admirador confesso”, que, cruzando dados pessoais do autor e memórias com o imaginário em liberdade, cria um autor-personagem que fornece ao leitor fonsequiano inúmeras pistas, tanto sobre a sobreposição cidadão-criador, quanto sobre a oficina do poeta:

1969: Subverte em quartos e becos emprestados. Enamora-se da poesia, de Fanon, da revolução, dos saxofones, dos surrealistas, dos dadaístas e outros perigosos mentores de liberdade e da desobediência. Entretanto, distribui panfletos em favor da democracia (FONSECA, 1998, p. 91).

Também nesta obra, a arte poética convive com a biografia política e as utopias libertárias:

1980-1985: Cria grupos, gera movimentos e ligas, redige e distribui panfletos, estuda alemão e converte-se definitivamente à liberdade. Escreve poesia libertária, suicida-se amiúde em acrobacias e escritos de amor e paixão, ensina e publica estudos sobre o delito e a pena (FONSECA, 1998, p. 89).

As técnicas do simulacro, da alusão, da citação, da homenagem, da auto referência, dissecadas teoricamente por Antoine Compagnon em seu O trabalho da citação (1996), são fartamente experimentadas, em tom de paródia, imprimindo um sabor inusitado ao texto de entrada:

1997: Redescobre a loucura poética e acentua-se a paixão pela delinquência. Desata a escrever. Cria revistas, lança jornais, torna-se maratonista. Hospeda René Char, no quarto sul de sua casa na Achada de S. António, durante vinte e sete dias e vinte e sete noites. Discutem apaixonadamente o título de um livro: Porcos em delírio ou Porcos em liberdade (FONSECA, 1998, p. 87-86).

A convivência do texto com os surrealistas, como Char, Breton, Aragon, Prévert, justifica o projeto que tem como inscrição a “loucura poética”, que se estende à citação de poetas universais, como Pessoa, Rimbaud, Whitman, Ginsberg, LeRoi Jones, Césaire, Lautréamont, Tzara e que, a meu ver, vai muito além do surrealismo, encontrando-se com as mais atuais tendências e concepções de literatura, sobretudo no que toca ao tema literatura mundial ou, como querem alguns, literatura-mundo. E este é outro caule aéreo do rizoma que, oportunamente, destrinçaremos, ou seja, a concepção do texto de Jorge Carlos Fonseca como “texto-mundo” ou “obra-mundo” (opere-mundi), cujo quadro geográfico de referência não é mais O Estado-nação, mas uma entidade mais ampla– um continente ou o sistema mundial como um todo” (MORETTI, 1996, p. 50).

O texto híbrido, satírico e provocativo de Porcos em delírio transita liberto entre prosa e poesia, apurando o poema em prosa, o uso da metáfora, a palavra choque, as associações imprevisíveis, o efeito inusitado (como ressalta João Vário (VÁRIO, 2019, p. 38), viaja ao som das mornas do poeta Eugénio Tavares ou de Ornette Coleman, em edição paginada do fim para o início com o explícito intuito de subverter uma ordem, a “amaldiçoar(a) as palavras ‘prontes’ [e ‘digamos’]a expressão “com eficácia, eficiência e efectividade” (FONSECA, 1998, p. 85-84), provocando no leitor reações de espanto (a “sumária verificação do espanto” (FONSECA, 2019a, p. 213) e fascínio (VÁRIO, 2019, p. 42).

A “magia da palavra” atingirá de forma impactante o real cronometrado (“Pobres criaturas! Reais criaturas!”) e o seu “beijo” permitirá ao poeta a liberdade de uma escrita tão automática quanto o seu ímpeto exija: “um ódio desmedido às palavras cronometradas, um sentimento epidérmico de repulsa aos catálogos, impedem-me de trair aquilo que mais adoro: as propriedades comutativa e associativa das palavras” (FONSECA, 1998, p. 71).

Revelado pela magia da palavra, assoma o poeta:

Ei-lo
             pressuroso louco sonhador
descobrindo a maravilha do abismo
                       a poesia frenética do fantástico (FONSECA, 1998, p. 73).

Também o germe de O albergue espanhol aqui comparece, no que chamo de obra orgânica, que se auto referência, que prevê o próximo livro, quando, à semelhança do Manifesto Surrealista proposto por Breton, Jorge Carlos Fonseca prevê a concepção de poesia expressa num texto considerado pela crítica como obra-prima:

Sinto uma retracção estranha ao querer começar um conto. Dizer ao João ou à Adelina que digam o que querem dizer e o que não querem dizer. Obrigar Julieta, Tiago ou Nhô qualquer coisa a falar da ribeira que secou, a oficiar-nos que os três filhos não são príncipes, a massacrar-nos com a sua casinha caiada de amarelo, branco, ou com o seu feliz ou infeliz quotidiano. Ainda por cima, correria o risco de facilitar a tarefa aos impertinentes críticos da palavra. Como se ela fosse uma miserável adúltera ou uma intrigante sucursal de programadores de fins-de-semana (FONSECA, 1998, p. 71-70).

O programador do romance (?), protagonista d’O albergue, aqui já comparece, a prenunciar novas formas, experimentos que trazem para a contemporaneidade uma crise (ou a morte) do romance realista burguês em suas principais categorias teóricas ou a expansão do conceito de poesia. Evoquemos Breton, em longa reflexão sobre o tema:

[...] a atitude realista, inspirada no positivismo, de São Tomás a Anatole France, parece-me hostil a todo impulso de liberação intelectual e moral [...]. Ressente-se com isso a atividade dos melhores espíritos; a lei do menor esforço afinal se impõe a eles como aos outros. Consequência divertida deste estado de coisas, em literatura, é a abundância dos romances. Cada um contribui com sua pequena “observação”.

Se o escrito de informação pura e simples de que a frase precipitada é exemplo, tem emprego corrente nos romances certamente é por não ir longe a ambição dos autores. O caráter circunstancial, inutilmente particular, de cada notação sua, me faz pensar que estão se divertindo, eles, à minha custa. [...] E as descrições! Nada se compara ao seu vazio; são superposições de imagens de catálogo, o autor as toma cada vez mais sem cerimônia, aproveita para me empurrar seus cartões postais, procura fazer-me concordar com os lugares-comuns:

 “A salinha onde foi introduzido o moço era forrada de papel amarelo: havia gerânios e cortinas de musselina nas janelas; o sol poente jogava sobre tudo isso uma luz clara... O quarto não continha nada de particular. Os móveis, de madeira amarela, eram todos velhos. Um sofá com grande encosto inclinado, uma mesa oval diante do sofá, um toucador, com espelho, entre as janelas, cadeiras encostadas às paredes, duas ou três gravuras sem valor, representando moças alemãs com pássaros nas mãos – eis a que se reduzia a mobília (Dostoievski, Crime e Castigo)” (BRETON, 1985, p.37-38).

Em entrevista a Margarida Fontes, Jorge Carlos Fonseca expõe mecanismos da sua oficina e de seu projeto literários, em confluência com as ideias de Breton:

O surrealismo tem uma tónica forte porque durante muitos anos foram as minhas leituras dominantes.

Se esta influência é visível pelas leituras que tinha, pelas minhas referências, pelo meu gosto, tem a ver também, um pouco, com o meu temperamento, o meu irrequietismo intelectual. Eu sempre me lembro de uma coisa que li, suponho que em Breton, no primeiro manifesto surrealista, em que ele dizia que todo o real é medíocre. Ele dizia: ‘eu nunca seria capaz de escrever uma coisa parecida com isto: estou num quarto, tem quatro paredes, com o tecto baixo, caiado de amarelo, com as portas castanhas’.  

Sempre achei isso uma coisa extremamente redutora e que fosse qualquer coisa de medíocre; a poesia ou a literatura não deveria ser isso. Portanto, só o surreal, só a imaginação é que seria o domínio da maravilha. O maravilhoso é aquilo que tem a ver com os sonhos, que tem a ver com a superação daquilo que é o real. Digamos que esta ideia central dominou todo o meu percurso literário e, assim, eu mesmo hoje tenho dificuldades em fazer poemas realistas e daí a minha dificuldade também em fazer prosa literária (FONSECA, 2019a. Online).

Sobre sua navegação na literatura em seus vários gêneros e estilos, complementa Fonseca:

Já fiz experiências mas a minha prosa tem que ser sempre uma prosa quase poética e tem, igualmente, a influência do surrealismo. Mas o meu surrealismo, se assim posso dizer, convive com leituras, escritas, de outros autores que não são propriamente surrealistas como Baudelaire, Char, gosto de ler autores portugueses como Eugénio Andrade, Alexandre O’Neill, Herberto Helder, que são autores que não estão totalmente fora disso, mas é uma mistura de géneros e de fontes (FONSECA, 2019a. Online).

e acabou por albergar Pátrias mil.

Como já postulava em textos publicados e conferências1 sobre o que se chama hoje literatura-mundo e, em alguns casos, literatura mundial (world literature), e evocando a obra No inferno (2001), de Arménio Vieira, penso que o conceito da Biblioteca de Babel (“certo que Jorge Luís inventou o Minotauro e a Biblioteca, os quais ele fechou num labirinto” (VIEIRA, 2013, p. 63. Poema “Ficções”), preside O albergue espanhol (2017), texto híbrido que põe sob suspeita a forma canônica do romance, inundando-a de metacrítica e, sobretudo, de poesia.

O narrador (“programador”, “mentor”, “romancista”) do pretenso romance esclarece: “Aliás, o romance-poema-manifesto em causa bem poderia ser escrito por natural de uma qualquer outra cidade ou de outro mundo, já que não contém marca nenhuma de autenticidade da ‘cidade real’” (FONSECA, 2017a, p. 200).

A voz fantasmática de Breton novamente ecoa à nossa escuta de leitora, lembrando que dedica, no Manifesto do Surrealismo, uma seção ironicamente corrosiva ao tema “Para escrever falsos romances”: seguindo algumas regras, esclarece que o “falso romance imitará admiravelmente um romance verdadeiro” (BRETON, 1985, p. 64).

Na entrevista concedida à revista Leitura, afirma Jorge Carlos Fonseca: “nos últimos anos quando estava a escrever O albergue espanhol voltei a reler André Breton (Manifestos do Surrealismo) [...] por necessidade de rever textos que utilizei um pouco na elaboração de O albergue espanhol” (FONSECA, 2017a, p. 13-14).

Sob ecos do Manifesto, o “diário de bordo bem refilão” (introito do livro) ou “albergue espanhol” proposto pelo autor parte de um (aparente) plano minuciosamente arquitetado sob a forma de... versos!!! (“programei o romance, Meticulosamente. Apaixonadamente. Com...” (FONSECA, 2017a, p. 7), “desenhei o roteiro/ e tracei os pilares do romance” (FONSECA, 2017a, p. 21), já tendo como intertexto as “mil e uma noites”, e joga com o leitor para que este aguarde o desenrolar das estórias, temas, situações, a configuração das personagens e cenários.

Ledo engano.

O romance, “tojo bravio”, escapa-lhe (“Pensei em escrever memórias... Pensei, então, em escrever sobre encontros e aventuras... Quis escrever sobre as verdades e as mentiras...” (FONSECA, 2017a, p. 165-166), a “a renegar ‘narrativas’ /e casario, ‘enredo’ ” (FONSECA, 2017a, p. 21)...

O texto segue, passo a passo, levantando questões teóricas sobre a genologia literária (o que é romance, o que é poesia, quais os seus limites), compondo e descompondo (desfazendo) uma estrutura realista consagrada de romance (“um romance a sério”, “um romance a valer”, “um romance de verdade” (FONSECA, 2017a, p. 20, 37, 62, respectivamente) que não é mais possível no nosso século para eleger um (pretenso) outro, “este romance” (FONSECA, 2017a, p. 36, 63, 66). A circularidade da estrutura, que se inicia em versos e finaliza também em versos, na milésima noite, parece defender uma tese – enfim, tudo é Poesia:

O ortónimo do romance
poema
era já
à nascença (FONSECA, 2017a, p. 210.).

O POEMA”, essa “coisa diferente, pois. Arrebatadora e desligada da nudez e da crueldade da vida, da mediocridade do real” (FONSECA, 2017a, p. 51), acaba por driblar o “pequeno capítulo previsto” (FONSECA, 2017a, p. 48, título de capítulo), bem como todo o pretenso “romance do futuro” (FONSECA, 2017a, p. 48, título de capítulo) (FONSECA, 2017a, p. 51).

E argumenta Jorge Carlos Fonseca, em entrevista ao Jornal de Letras:

Poesia e prosa estariam juntas, arbitrariamente juntas, diria. Em todo o caso, trata-se de um… ‘albergue’, albergue literário. Os poemas terão sido “tomados”, os nossos e os de outrem. Mas creio estar com Arménio Vieira, quando diz tratar-se aqui de um poema longo ou um poema que não quis ser romance. Há também quem possa ver nele um romance irónico… Em O Albergue Espanhol, não vislumbramos estórias, apenas um ou outro início ou pedaço de estória [...], meros pretextos para que surja, afinal, um poema que… não quis ser romance por nada deste mundo (FONSECA, 2017b. Online).

Sabemos que, entre críticos e escritores,os discursos sobre a crise do romance repercutiram pelo século XX e persistem no século XXI em praticamente todas as tradições literárias ocidentais. A discussão sobre a sua capacidade epistemológica sustentada pela ideia de crise do realismo (já apontada por Breton no Manifesto do Surrealismo) e as teses benjaminianas sobre a crise da narrativa têm contribuído para refletir sobre a assunção de uma forma caótica ou imprecisa de romance, resultado do enfraquecimento ou da hibridação das categorias estéticas.

Anti-romance? Morte do romance? Crise da forma burguesa de romance, parece-me a linha de leitura mais próxima do que Jorge Carlos Fonseca experimenta na sua criação, diria eu, na sua Poética. Esclarece o autor, na entrevista concedida à revista Leitura: “pode haver uma afinidade entre O albergue espanhol e No inferno ou entre Jorge Carlos Fonseca e Arménio Vieira quanto à ideia que têm do papel da literatura, ou da função da literatura [...] a ideia da morte do romance” (FONSECA, 2019d, p. 14).

Em mise em abyme, os protagonistas das duas obras são incumbidos de produzir um romance. No caso do Albergue: “redigir um qualquer pedaço de texto literário com ‘pinta (realista) de romance’, com vá lá, uma pontinha de ‘estrutura narrativa’, de ‘mestria narrativa’ que se veja, uma espécie de texto decisivo” (FONSECA, 2017a, p. 92).

Na Nota prévia de No inferno, Arménio Vieira admite que, também com inspiração nas “mil noites mais uma” e num “mar de histórias” (VIEIRA, 2001, p. 248), foi “ficcionando aos saltos, [...] umas vezes com base em ocorrências de natureza autobiográfica e outras vezes a partir de ideias e motivos tomados de empréstimo a uma vasta literatura pretérita” (VIEIRA, 2001, p. 9-10). E acrescenta: “Incumbido de escrever um romance, à semelhança do protagonista do livro em pauta, não o fiz, porque não quis fazê-lo ou porque não o pude fazer, em virtude de uma série de razões: a) o romance, género herdeiro da epopeia, na sua qualidade de narração em prosa de feitos heroicos, deu já o que tinha a dar, tornou-se caduco” (VIEIRA, 2001, p. 10).

Historiando a trajetória do gênero, Arménio vai de Balzac a Borges, passando por Flaubert, Zola e Joyce, demonstrando com argumentos o esgotamento da forma burguesa do romance e destacando a opção de Borges em “não escrever romances, mas, em vez disso, elaborar resumos de hipotéticos romances e comentá-los” (VIEIRA, 2001, p. 10). E conclui, numa “interpelação ao leitor” (estratégia que intitula capítulo e que evoca Sterne no seu Life and opinions of Tristam Shandy, e, acrescento eu, Machado de Assis no seu Memorias póstuma de Brás Cubas): “Leitor, convence-te de uma vez por todas que esta ficção não é como as outras. Ela é maluca, não tem pés nem cabeça” (VIEIRA, 2001, p. 241).

Também aqui ouço ecos da loucura preconizada no Manifesto do Surrealismo por André Breton como uma das balizas operacionais da imaginação criadora.

Voltando às reflexões de Fonseca expostas na citada entrevista à revista Leitura, este reforça a discussão:

[...] faço uma espécie de crítica a um certo tipo de romance, um romance que eu não quero, portanto um romance com princípio, meio e fim, com as personagens todas bem desenhadas, bem estruturadas. [...] no fundo eu parodiei um certo tipo de escrita e esta paródia pode-me dizer que é o uso de uma técnica, de uma visão, de um propósito que está claro no manifesto surrealista de Breton. Mas não me considero um escritor surrealista. Naturalmente, os meus livros, a minha poesia, é muito devedora da escola surrealista (FONSECA, 2019d, p. 16.).

A crise do romance realista, sobretudo, já realizada, na prática, nos romances de Faulkner, Gide, Joyce, Kafka e Proust e teorizadas em O albergue espanhol e No inferno, encontram sintonia com as propostas de Linda Hutcheon em Uma teoria da paródia (1989), quando afirma que “as formas de arte têm mostrado cada vez mais que desconfiam da crítica exterior, ao ponto de procurarem incorporar o comentário crítico dentro das suas próprias estruturas” (HUTCHEON, 1989, p. 11). Para Hutcheon, “a intertextualidade e a auto-representação foram dominando a atenção crítica. Com este centro de interesse, surgiu uma estética do processo” (HUTCHEON, 1989, p. 12).

E este é o ponto que define este “albergue”, bem como No Inferno. Prevalece nessas criações uma estética do processo, dominada pelo metadiscurso e pela referenciação interartística. E o papel do escritor como leitor, bem como a interpelação do leitor e o chamamento a que ele reelabore a tradição literária herdada para tentar navegar (muito mais do que descodificar) o texto, são cruciais para o edifício arquitetônico desse tipo de obra. Produção e recepção (na interação lúdica entre autor e leitor co-criador) devem ser atos complementares, baseados numa capacidade exponencial de leitura de textos do sistema mundo, incorporando a “obsessão pela luz que irradia das grandes obras universais” (FONSECA, 2017a, p. 45), entretanto com distância crítica, reinscrevendo-as na contemporaneidade, com função transformadora.

A paródia “imita a arte mais que a vida”, propõe Linda Hutcheon (HUTCHEON, 1989, p. 40), e esta me parece uma das propostas de obras que considero fundamentais para a compreensão da produção cabo-verdiana atual, dentre elas destacando O albergue espanhol. E aqui evoco o encontro de Hutcheon com Mikhail Bakhtin, quando este concebe a paródia como um “híbrido dialogístico intencional” (BAKHTIN, 1981, p. 76), e aquela referenda estar “convencida de que muitas das formas narrativas ficcionais de hoje são, de fato, uma versão muito extrema e autoconsciente do romance tal como definido pelo próprio Bakhtin: como uma forma paródica auto-reflexiva, não monológica” (HUTCHEON, 1989, p. 90).

O programador-mentor-projetista-romancista ou poeta-recrutador-narrador (FONSECA, 2017a, p. 171) do texto O albergue espanhol ressalta o repertório de que lança mão para a feitura do seu “romance”, “baú assustador” (“seria parte de um ‘albergue espanhol’?”) ou “baú poético” (FONSECA, 2017a, p. 25 e 176, respectivamente).

Lembro Antoine Compagnon: “Escrever é, pois, sempre reescrever, não difere de citar. A citação [...] é leitura e escrita, une o ato de leitura ao de escrita” (COMPAGNON, 1996, p. 41). Neste “albergue” poético, a escrita, “enquanto reescrita, se concebe [...] como devir do ato de citação” (COMPAGNON, 1996, p. 43). O mito romântico da originalidade, da autoria, é colocado entre parêntesis; o “escritor pensa menos em escrever originalmente, e mais em reescrever. A imagem da escrita muda de inscrição original para escrita paralela” (SAID, 1983, p. 135).

E nesta escrita polifônica, que Franco Moretti denomina de “obra-mundo”, o trabalho da citação, a sua “infernal erudição”2ou o que Moretti chama de “diletantismo monumental” (MORETTI, 1996, p. 108), é artimanha de relevo para a construção do texto, de que No inferno e O albergue espanhol são exemplos lapidares na literatura contemporânea produzida por cabo-verdianos:“É o projeto – e o problema – de todo o épico moderno, com seu desejo de reunir o que a história dividiu: conhecimento, ética, com sua arte; narrativa, drama, poesia lírica; literatura, música, pintura” (MORETTI, 1996, p. 108). Na trilha de Deleuze, um “texto-constelação” (DELEUZE, 1970, p. 4) é o pretendido por obra de tal natureza processual.

Jorge Carlos Fonseca, na entrevista à revista Leitura, sobre a utilização recorrente de notas de rodapé ao texto d’O Albergue, esclarece:

Pode até legitimamente parecer a algum leitor que há uma preocupação demonstrativa de erudição. Pode dar essa impressão. Não sei, eu senti a necessidade de fazer essas notas como uma espécie de lealdade para com o leitor. [...] No fundo, um bom leitor sabe distinguir quando as citações são mero ornamento de erudição, ou quando elas são essenciais na economia do texto que você elabora (FONSECA, 2017a, p. 15).

O que Arménio Vieira, no seu No inferno, entende jocosamente como “estar em maré de citações” (VIEIRA, 2001, p. 190), José E. Cunha classifica de “caviar literário” que desloca o leitor de um lugar confortável para mergulhar numa “leitura alucinante” (CUNHA, 2019, p. 75).

Para Cunha, o texto d’O albergue não se deixa amarrar (vem à mente a bela metáfora fonsequiana: “a esguia corola das palavras” (FONSECA, 1995, p. 42) e funciona como uma “alegoria sobre o ato da criação [...] que coloca o leitor num estado de imponderabilidade, sem pontos cardeais” (CUNHA, 2019, p. 76). E eu complemento: criação em liberdade, sem âncoras (“o programador e o romance não queriam saber de âncoras”, “desancorar sempre” (FONSECA, 2017a, p. 174), sob o signo do rizoma e da errância, puro movimento3.

Como já expus em reflexão anterior, “uma pátria entre mundos, arquipelágica e diaspórica, como Cabo Verde, parece-me afinar-se com a ideia de uma escrita-entre-mundos, uma literatura viajante, de contato, de trocas, de movimento e devir, híbrida e pós-colonial, que possa interrogar paradigmas hegemônicos e transcender fronteiras e limites de ordem geográfica, genológica e temporal” (GOMES, 2020. Inédito). De uma poética do espaço, dominante por muito tempo na história da literatura cabo-verdiana, migra-se para uma poética do movimento, da qual a obra de Jorge Carlos Fonseca, como as de Arménio Vieira, Corsino Fortes e Filinto Elísio são pontos altos.

Malgrado muitas vezes o “programador”d’O albergue espanhol afirme e reafirme o que o seu romance “não é” (FONSECA, 2017a, p. 34-39; p. 63-64), a grande pergunta que se põe ao leitor ao longo do convívio com este Albergue espanhol resume-se em: o que é, afinal, este romance? Defino-o como um texto que viaja, “desancorado” de gêneros, estilos, estereótipos. Um texto “Manhento, guloso/quase presunçoso [...] que faz juras de amor à poesia” (FONSECA, 2017a, p. 39 e 65, respectivamente).

Para José E. Cunha, “nasce sem nunca nascer, um romance, ensaio, poemário, ficção, diário, memorialismo, um object exquis” (CUNHA, 2019, p. 78).

E quem é o “programador deste romance”?

Um poeta falhado, um eremita vagabundo,

que passeia o mundo carregado de volumosos livros, pastas já irreconhecíveis, abarrotadas de pedaços de jornais velhos, fotografias bolorentas, recortes de magazines e dizeres bombásticos de enciclopédias. [...] um autêntico ‘cavalo triturador’ das letras, pois, de um lado, escrevia mais rapidamente do que a maioria das pessoas a ler, e, por outro, era capaz de ler, numa noitada, cerca de duas centenas de livros, de poesia, de crítica literária e científica, biografias de artistas e políticos, romances e novelas, antologias de toda a ordem, de cinema e de teatro [...]. Mas sobretudo versos, versos, versos (FONSECA, 2017a, p. 75-78).

Esta complementação de atividades – autor leitor e leitor autor – espelha-se no papel do “leitor atento” (FONSECA, 2017a, p. 189, nota explicativa do autor 169) frente a este tipo de texto que alberga as mais diversas formas ou gêneros literários, transita pelas mais variadas latitudes (confira-se o conceito de transarea4, de Otmar Ette) e dialoga com a escrita literária dos quatro cantos do mundo. Sintetiza Fonseca: “O albergue espanhol é sobretudo um exercício de escrita, é o percurso da literatura do mundo e o meu percurso com as letras” (FONSECA, 2019d, p. 15).

Albert Manguel, em O leitor como metáfora: o viajante, a torre e a traça (2017), sob o lema “ler para viver” – e para “con-viver”5, acrescentaria OttmarEtte (2017) –, concebe “o mundo como um livro que devemos ler” (MANGUEL, 2017, p. 14), por onde podemos viajar. O leitor viajante devora o livro como repositório de memória que ele representa, quase a seguir o que, no Apocalipse, ordena o Anjo a São João, ofertando-lhe um volume aberto: “Toma-o e devora-o” (MANGUEL, 2017, p. 25).

Para além, “a criatura feita de livros” ou “a traça devoradora de livros”, “leitor onívoro” também chamado “louco dos livros”, merece um capítulo na obra de Manguel6, e encontra afinidades significativas com o papel do leitor nas obras de Jorge Carlos Fonseca e Arménio Vieira. Só que, nelas, o leitor fica, à diferença da traça, mais sábio a cada citação, a cada livro devorado juntamente com o autor-personagem daqueles romances (?) ou simulacro de romances.

O “leitor como inventor do mundo” opera uma “ingestão cuidadosa” (leitura profunda) e não uma “devoração indiscriminada” (MANGUEL, 2017, p. 107-124). Viaja no livro como leitor arrebatado, enfeitiçado, com ímpeto semelhante ao do “programador”-“mentor”-“autor” que compõe o “romance-poema-manifesto” (FONSECA, 2017a. p. 200) O albergue espanhol: “Lera o nosso ‘programador’, devorara tudo quanto se pode ler e devorar, como se fosse um condenado à forca, obsessivamente, desaforadamente, pode dizer-se” (FONSECA, 2017a, p. 90).

Citando, num enorme parágrafo, livros e autores (Les fleurs du mal de Baudelaire, Ulysses, A República, Os Lusíadas, Os Cantos de Maldoror, Rimbaud, Perse, Brief na den Vater de Kafka, Poe, Shakespeare, Camus, Masse und Macht de Elias Canetti, Éluard, O banqueiro anarquista de Fernando Pessoa, Char, Poética de Aristóteles, Céline, William Blake, Seo Jeong-ju, Historia de la eternidade de Borges, Exercícios sobre o Sonho e a Vigília de Alfred Jarry seguido de O Senhor Cágado e o Menino de António Maria Lisboa, Conde de Lautréamont, O Mito de Sísifo de Albert Camus, Ce profil dont lês cheveux ouvrent le front à la pensé num Éluard relido por Mário Fonseca, John Francis Shade, Arménio Vieira; FONSECA, 2017a, p. 77), a voragem do “programador” se encontra com a devoração do autor, um dos mais consistentes leitores, em expansão e verticalidade, de que esta primorosa obra dá a medida. E um dos maiores poetas da atualidade, que tem por mote: “para ser um grande poeta tem que ser um bom leitor de poesia” (FONSECA, 2019e. Online).

E, em entrevista ao Expresso das ilhas, Jorge Carlos acrescenta: “pode-se fazer poesia com tudo” (FONSECA, 2019e. Online). Porém, “interessam-me menos as histórias, interessa-me mais a literatura, a criação estética, a procura de novos modos de trabalhar a palavra, a procura de novas musicalidades, novas sonoridades. O que não exclui que trabalhemos o concreto, o real” (FONSECA, 2019e. Online).

Pelos breves motivos expostos e, claro, por muito mais, O albergue espanhol constitui “um dos ápices da moderna literatura cabo-verdiana” (VIEIRA, 2019, p 14), um exercício de experimentação e virtuosismo que bem representa o atual estágio da literatura produzida naquele país, em consonância com as produções mais prestigiadas do que chamamos supermodernidade.

deixei aqueles versos, ainda por cima seguramente inacabados, como, afinal, vim a saber pouco tempo depois – não através desses ingratos ponteiros – serem todos os escritos de todos os poetas.

No caso do livro A sedutora tinta de minhas noutes (2019), obra híbrida composta de antologia com seleção de Arménio Vieira, fortuna crítica e textos inéditos, vou me deter nestes últimos, na seção intitulada “O impagável ponteiro dos segundos”, em que Fonseca alia poesia e prosa diarística.

A seção se inicia com ecos da poesia de Corsino Fortes (Pão & fonema, 1974), definindo as ilhas (“nação que soletra; FONSECA, 2019b, p. 40) e seu “povo que soletra” como “pedaços de todas as cores do mundo” (FONSECA, 2019b, p. 185). Como já postulei antes, o “texto-mundo” inscreve a “pátria mundo” na literatura mundial7 e a seção de poemas insere o eu lírico (que se confunde com o poeta-autor, nascido num outubro) no âmbito do vermelho, icônico da rebeldia e da liberdade, como ressaltado na análise dos primeiros livros.

A recusa da retórica romântica persiste, numa “poesia atirada para um armazém roto e desalinhado. O demônio a escrever o torto” (FONSECA, 2019b, p. 205). A voz de Arménio Vieira ecoa aqui afirmando, pela boca do Diabo em conversa com a personagem Robinson (protagonista de No inferno, poeta incumbido por um mecenas de escrever um romance), que o maior poeta é... o Diabo, ele mesmo: “O maior de todos os poetas, a fonte da grande poesia” (VIEIRA, 2001, p. 109).

A proposta dionisíaca e libertária da poesia de Fonseca continua a cumprir o seu projeto:

Não havendo rouxinol aperaltado
Nem vislumbre
de flor-de-lótus,
o poema é esmagado
no ovo.
Aliás,
nenhum romântico
conservador
lhe emitiria
certidão de nascimento (FONSECA, 2019b, p. 197).

A “paixão da biblioteca” (FONSECA, 2019b, p. 206) persiste, nas “palavras cruzadas” (FONSECA, 2019b, p. 194) (vozes que se cruzam), sejam citações de autores e obras ou apropriações de textos, em que comparecem Corsino Fortes, Mário Fonseca, José Eduardo Agualusa, Saint-john Perse, Calvino, Dante, Borges, Rimbaud, Adam Kirsch, Steiner e Canetti, Breton e Kraus, Herberto Helder, Arménio Vieira.

E as reflexões sobre a literatura reverberam em textos híbridos, sob a forma de prosa poética ou de prosa ensaística: “(29 e 30.4.018) Vou ponderando a ideia de que a literatura não permite um qualquer veredicto, imorredoiro, sobre as coisas da vida. Tudo se resume a um transitório sentido do mundo” (FONSECA, 2019b, p. 206).

A necessidade de “definir a literatura” é premente: “uma forma de carinho para com a vida” (FONSECA, 2019b, p. 225). E representar a cena da escritura, em ficção diarística, verticaliza o pendor metacrítico: “(9.11.018) Pelas duas e meia da manhã: Há certamente uma mão que escreve por mim a noite toda [...] (19 e 20.11.018) Escrevo, séculos passados e doridos, o poema impossível” (FONSECA, 2019b, p. 223).

E o criador sintetiza: “A poesia assoma toda, avassaladora, premente. Vejo-a como uma floresta na lua” (FONSECA, 2019b, p. 209).

A “disparar palavras e expressões desarticuladas, sem nexo aparente [em] orgia poligâmica” (FONSECA, 2019b, p. 220), o “poema ajustado em corpete rendilhado rejeita sentar-se em mesa de ‘oleado’. Não há estuque ou reboco capaz de lhe suavizar a febre da livre métrica. Lírica soberba!” (FONSECA, 2019b, p. 221).

Soberba poesia, e voltamos ao início do nosso texto, evocando Marcos Siscar (2012). Soberba independência do poeta, que “aspira a estar sempre mais próximo da liberdade” (FONSECA, 2019b, p. 224). Assim a experimenta: “(10.10.018) O nariz, a minha bússola, como as noutes. A língua, os dedos e a tinta, a minha salvação: quedo-me livre [...]. Navego pelo mundo” (FONSECA, 2019b, p. 221).

Acabei por fazer mais política, seguramente, mas o poeta

esteve presente, amiúde na discrição ou na penumbra.

E chegamos à mais recente estação da viagem poética de Jorge Carlos Fonseca, que certamente já movimenta suas navegações para outros destinos.

Em tempo de Natal e da Morna, a mosca viajou gratuitamente na executiva (Natal de 2019) representa seu mais recente trânsito, em que as atividades política e estética se unem: “Ando por todos os cantos do mundo à procura da literatura” (FONSECA, 2019c, p. 100).

A mosca, áporo drummondiano, “mosca que não zoa” (FONSECA, 2019c, p. 50), no silêncio e na penumbra, mergulha na “elegante caneta de tinta verde” (FONSECA, 2019c, p. 81) para encontrar a “palavra acertada para nomear, à nascença, na funda noite dos tempos, o nosso mundo, é Liberdade! Seguramente, Liberdade! Singelamente, Liberdade!” (FONSECA, 2019c, p. 25)

Como em “Aliança”, de Drummond, um dos mais refinados cultores de metapoéticas, o criador encontra um “achado não perdido” (DRUMMOND, p. 248), num relance “descobre o mistério da poesia a adorar o brilho de um luar voluptuoso” (FONSECA, 2019c, p. 29), é conduzido a um estado de aliança com a poesia:

A dileta circunstância
de um achado não perdido
visão de uma graça fortuita
e ciência não ensinada [...]
de uma bolsa invisível
vou tirando uma cidade,
uma flor, uma experiência,
um colóquio de guerreiros,
uma relação humana,
uma negação da morte,
vou arrumando esses bens
em preto na face branca (DRUMMOND, 1948, p. 248).

E tudo num fugaz momento, estado tão efêmero quanto um “orgasmo de poema do Conde Silvenius” (FONSECA, 2019c, p. 21).

A forma do texto, pergunta o leitor? Sempre um espaço intervalar, entre a prosa poética e a poesia. Um não-lugar que preencha o rastro da busca da “palavra certa para o sentido final das coisas” (FONSECA, 2019c, p. 26). Citando Borges, no prefácio a Los conjurados, esclarece o autor: “cada obra confia ao seu escritor a forma que procura [...]. Esboça-se ali um poema em prosa –que importa, afinal?– sinuoso e comedido, talvez envergonhado ainda. Haverá explosão depois? Soltar-se-ão as palavras?” (FONSECA, 2019c, p. 26 e 33, respectivamente).

Em 100 exercícios textuais de estrutura-simulacro do discurso diarístico, entretanto, pleno de diálogos intertextuais –“E não vejo como não ser um mero (re)escritor com as palavras dos outros” (FONSECA, 2019c, p. 94)–, acompanhando a trajetória da “caneta tinteiro”, sua “bússola esverdeada”, a “sonhar maresias, saltar muros, vencer fantasmas e domar imprevistos naufrágios” com “destreza e gosto esquisito pelo risco” (FONSECA, 2019c, p. 85, respectivamente, as sucessivas citações), “entre a luz dos versos e o brilho da morte” (FONSECA, 2019c, p. 95), o “poema desconexo à procura da vermelhidão do fogo” (FONSECA, 2019c, p. 95) assoma e cumpre o seu papel numa “escrita livre, sempre” (FONSECA, 2019c, p. 95), que flui no líquido amniótico do ventre materno: “Presumo que, desde o ventre de minha mãe, me convenci de que o maior antídoto contra a morte, a velhice e a vulgaridade da existência reside na poesia” (FONSECA, 2019c, p. 78).

O romance que não foi, em procedimento intratextual, é aqui evocado, a constatar a dominância da poesia na produção de Jorge Carlos Fonseca: “a lembrar o poeta esquisito que quis escrever um romance que se recusou a sê-lo” (FONSECA, 2019c, p. 41).

E num átimo, em meio ao discurso metaliterário, surge a ilha, Vênus que se descobre, nua, com todo o seu poder encantatório: “Estou na ilha que, olimpicamente, prescindiu de qualquer preposição. Única de cinco letras” (FONSECA, 2019c, p. 41): VERDE. Arte elevada à “condição de música” (FONSECA, 2019c, p. 43). Mon pays est une musique, segreda-me a voz do inesquecível Mário Fonseca.

E neste momento do meu texto, em que ele se encontra (uma lágrima de emoção escorre pelo meu rosto) com o de Mário Fonseca no ventre da poesia de Jorge Carlos Fonseca, evoco belíssimos momentos em que “a literatura sai à rua e passeia na pedonal” (FONSECA, 2019c, p. 58), metonímia do país, útero úbere materno:

Voltei a Carbeirinho, voltei a ti. Ali, ilha de circunflexa voz, imperador de ventos e marés, onde se cruzam ilhas perdidas ao longo dos tempos e se reencontram amores desencorados e paixões degoladas. [...] Ali, sim, no Carbeirinho, orquestras de violinos e espuma branca abundante enfrentam-se em mareado desafio e esfinges de palavras, frágeis, umas, porém virtuosas, outras, decifram origens de tesouros em exílio e fugidios incestos [...]. Jazem ali lágrimas escondidas de poetas (FONSECA, 2019c, p. 73).

No ponto de interseção entre poeta e autor biográfico, “a cerzidura do amor” permite que vida e literatura se encontrem, numa profícua trajetória:

Aos sessenta e nove anos de idade ainda anseia por grossas linhas de chuva na janela, a lembrar tempos de adolescência na pacata e romântica ilha Brava, onde se terá dado o momento terceiro de seu surgimento pelo mundo.

Prova de que o amor nunca se deixará jugular pelo vício. Por isso que o poeta pretende colher versos paciente no ovo da cerzidura. A cerzidura do amor. Ali mesmo, sim, na aldeia da vida, onde se enamoram, uma da outra, morte e paixão (FONSECA, 2019c, p. 94.).

A confissão de amor incontestável sela, por fim, o percurso que minha leitura tentou, passo a passo, e, certamente com lacunas muitas, perseguir–“Pátria esta, a minha, suave rumorejo de paixões: arquipélago movediço, cheiro a sal e basáltico sabor” (FONSECA, 2019c, p. 80).

Há quem, entretanto, como eu, que se realize na felicidade colorida de
frascos de tinta. Fresca, sedutora, de pose aristocrática a tinta que me bussola
pela noite. Fala e escreve, a fresca tinta dos frascos, dos frescos frascos.

Ainda em estado de alegria por encontrar no texto de Jorge Carlos Fonseca uma voz que me tomou de amor por Cabo Verde, a de Daniel Filipe, concluo que a “invenção do amor”8, aliada ao “sonho”, à “loucura”, à “bandeira da imaginação” (FONSECA, 1995, p. 39 e 2017a, p. 206-207), coloca o leitor diante de um projeto maior, megatexto símile de “embriaguez desabrida em forma de paixão. Tudo gente e coisas desbussoladas e apátridas, sem capitães, sem imediatos” (FONSECA, 2017a, p. 208).

Como confessa em entrevista ao Jornal de Letras, Jorge Carlos Fonseca consegue “ser um político e estadista racional, bem que muito de afetos no contacto com as pessoas” e “ser um poeta que, há para aí 48 anos, tomou para si esta divisa ‘Querida imaginação, o que eu amo em ti acima de tudo é que não perdoas’ ” (FONSECA, 2017b. Online), dividida com o Manifesto do Surrealismo, de Breton (1924), desde o seu primeiro livro.

Sem nenhuma dúvida um legítimo representante da literatura-mundo produzida por cabo-verdianos, Jorge Carlos Fonseca ocupa, com seu “verbo irrequieto, provocador, argumentativo, a sua originalidade [...], um lugar cimeiro na poesia de Cabo Verde” (VÁRIO, 2019, p. 45).

Mais do que justa foi a atribuição do Prémio Guerra Junqueiro Lusofonia-Cabo Verde (2020) a uma obra que ultrapassa, em muito, os jardins e desertos das ilhas para ganhar o mundo, presidida por um ambicioso projeto que vai muito além de um vínculo ao surrealismo para espraiar-se nas mais atuais tendências dos cultores da poesia.

Em última instância e para passar-lhe a palavra final deste meu texto, o escritor declara:

Para mim, se a literatura tem uma função, ela deve servir para colocar a humanidade num nível de avanço, para além do tempo em que ela é feita. É procurar estar mais à frente do nosso tempo, mas de uma forma que represente elevação de espírito (FONSECA, 2019e. Online).

Notas

1 Publicado originalmente como ensaio para o livro Liberdade semprehomenagem a Jorge Carlos de Almeida Fonseca por ocasião dos seus 70 anos. FONSECA, Lígia Dias; FONSECA, Sofia Dupret (org). Praia: Livraria Pedro Cardoso, 2020. p. 1069-1095.

2 E sobre este ponto concordamos, eu e Maria Rita Palmeira. 2019, p. 49.

3 GOMES, 2020, e texto inédito entregue para publicação em dezembro de 2020, originariamente conferência proferida no II Festival Literatura-mundo do Sal, Cabo Verde.

4 Cf. Arménio Vieira, em No inferno, 2001, p. 191.

5 GOMES, texto inédito entregue para publicação em dezembro de 2020, originariamente conferência proferida no II Festival Literatura-mundo do Sal, Cabo Verde.

6 ETTE, 2016, p. 192. O diálogo e o trânsito entre textos literários de diversas áreas geográfico-culturais.

7 ETTE, 2017, entende “a Literatura como espaço onde se exercita a convivência humana”.

8 Capítulo terceiro, com esses epítetos destacados no sumário da obra.

9 CF. GOMES, texto inédito entregue para publicação em dezembro de 2020.

10 Daniel Filipe e sua A invenção do amor, citado em Porcos em delírio, 1998, p. 43, e n’O albergue espanhol, 2017, p. 36 e 202.

Referências

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¹Simone Caputo Gomes é Doutora em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente, é Professora Sênior de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo. Pós-Doutorados (5) realizados, respectivamente, nas Universidades Jean Piaget de Cabo Verde, de Aveiro, de Lisboa (2) e de Coimbra, nas áreas de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa (em especial, Literatura Cabo-verdiana e História da Literatura Cabo-verdiana) e Poesia Portuguesa Contemporânea. Autora de Cabo Verde – Literatura em chão de cultura (2008), Uma recuperação de raiz: Cabo Verde na obra de Daniel Filipe (1993), além de coautora, organizadora ou autora de capítulos de livros como: Literatura e cultura de Cabo Verde: navegando pelas ilhas e pelo mundo (2021), Liberdade, sempre! (2020), Luis Romano: comentários literoverdianos 1960-2002 (2017), Claridosidade: edição crítica (2017), Cabo Verde –100 poemas escolhidos (2016), Literatura Cabo-Verdiana: seleta de poesia e prosa em língua portuguesa (2015), Contravento, pedra-a-pedra: conferências do I Seminário Internacional de Estudos Cabo-verdianos (2015).

 

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