Cultura acústica e cultura letrada: o sinuoso percurso da literatura em Moçambique

José de Sousa Miguel Lopes

 

Paul Zumthor afirma que nossos ancestrais viviam o grande silêncio milenar, onde a voz ressoava como sobre uma matéria e o mundo visível em torno deles repetia o eco, enquanto nós estaríamos submersos nos barulhos invisíveis, onde nossa voz tem dificuldade de conquistar seu espaço acústico. Para ele, a supremacia da escrita, da letra nas sociedades complexas teria feito desaparecer a voz, vista como simbolismo primordial, raiz de toda a poesia.

( Walty,1997, p. 54)

Uma das características mais marcantes desta comunidade chamada Moçambique é a de que ela possui traços extremamente fortes de oralidade, que parecem configurar uma cultura essencialmente acústica. Designo por cultura acústica a cultura que tem no ouvido, e não na vista, seu órgão de recepção e percepção por excelência. Numa cultura acústica, a mente opera de um outro modo, recorrendo (como artifício de memória) ao ritmo, à música e à dança, à repetição e à redundância, às frases feitas, às fórmulas, às sentenças, aos ditos e refrões, à retórica dos lugares-comuns-técnica de análise e lembrança da realidade – e às figuras poéticas, especialmente a metáfora.1 Sua oralidade é flexível e situacional, imaginativa e poética, rítmica e corporal. Vem do interior, da voz, e penetra no interior do outro, através do ouvido, envolvendo-o na questão. Trata-se, no entender de Antonio Viñao Frago, de uma “cultura não linear, mas esférica”.2

O debate sobre a oralidade e a escrita na construção do social tem sido longo. Todas as ciências têm-se ocupado em estudar materiais que os diferentes povos usam para aprender e para lembrar. O Ocidente tem uma visão etnocêntrica quando procura distinguir as culturas ágrafas das culturas letradas. As primeiras são classificadas como primitivas, enquanto as segundas são denominadas intelectuais. Para além disso, nas culturas literárias ou letradas, os seus membros são, por sua vez, denominados “alfabetos” ou “analfabetos”, conforme saibam ou não usar os signos árabes empregados na escrita e na leitura.

Escrita e leitura são utilizadas para memorizar e para lembrar a história local, a história contextual do local e a dinâmica da interação social. Queria, ao expor essa definição tão sintética, fazer lembrar a importância dessa dicotomia, que acaba por ser uma dicotomia etnocêntrica. Por outras palavras, ela está organizada em função do que o Ocidente determina como as suas permissões e os seus tabus, os seus juízos, a sua ética e a sua estética. Mas a escrita não é a única simbologia que permite guardar a memória dos fatos, as genealogias, as dinâmicas e as proibições do interagir. Há também gestos, desenhos, roupas, expressões, monumentos, palavras, formas de expressão e outras, que servem ao objetivo de delinear a conduta social. Porque, na verdade, é essa lembrança que um grupo guarda, que orienta a forma de agir, determina as diferenças entre gerações, hierarquias, épocas, o que pode ser feito e o que deve ser evitado.

O que determinará a forma como os indivíduos agem através do tempo, as diferenças que existem entre diferentes formas de agir de acordo com diferentes gerações, estratos sociais, recursos e crenças? Será que isso é determinado através da oralidade? Será que a oralidade não é escrita? Será a oralidade o conjunto de palavras através do qual as pessoas comunicam os seus objetivos, os seus parâmetros, em histórias ordenadamente acumuladas que denominamos de mitos? Ou será que essas diferentes formas de agir são determinadas pelos afazeres disciplinados, que denominamos de ritos e trabalho?

Caracterizar e valorizar a cultura acústica a partir da cultura letrada ou vice-versa implica desde já um esclarecimento. Se a introdução da escrita implica determinadas mudanças cognitivas nos modos de expressar e pensar a realidade, então com que perspectiva e a partir de que pressupostos se pode defini-las sem menosprezar ou ignorar os traços próprios de uma cultura acústica? Esse questionamento repercute tanto no entendimento das características e valores desta última quanto nos modos de ensino e inserção nas culturas letradas das crianças, jovens e não letrados ou semiletrados adultos. Como salienta Viñao Frago (1993, p. 86), “manter que não há diferenças, a fim de evitar hierarquias, seria negar a realidade”.3 No entanto, quero deixar claro o seguinte: a sucessão da oralidade, da escrita e, mais recentemente, da informática, como modos fundamentais de gestão social do conhecimento, não se dá por simples substituição, mas antes por complexificação e deslocamentos de centros de gravidade. O saber oral e os gêneros de conhecimentos fundados sobre a escrita ainda existem, é claro, e sem dúvida continuarão existindo sempre. Por que então fazer distinção entre eles? Porque a utilização de um determinado tipo de tecnologia intelectual coloca uma ênfase particular em certos valores, certas dimensões da atividade cognitiva ou da imagem social do tempo, que se tornaram então mais explicitamente tematizadas e ao redor das quais se cristalizam formas culturais particulares.

O discurso escrito desenvolve uma gramática mais elaborada e fixa do que o discurso oral, porque nele o significado depende mais da estrutura linguística, uma vez que carece dos contextos normais inteiramente existenciais que circundam o discurso oral e ajudam a determinar o significado, de certa forma independentemente da gramática.

As culturas acústicas preferem, especialmente no discurso formal, não o soldado, mas o soldado valente; não a princesa, mas a bela princesa; não o carvalho, mas o carvalho robusto. Assim, a expressão oral está carregada de uma quantidade de epítetos e outras bagagens formulares que a cultura altamente escrita rejeita como pesados e tediosamente redundantes em virtude de seu peso agregativo (Ong, 1977, p. 188-212).

Muitos dos contrastes frequentemente feitos entre as visões “ocidentais” e as outras parecem estar resumidos a contrastes entre cultura letrada profundamente interiorizada e estados de consciência mais ou menos residualmente orais. Os bem conhecidos estudos de Marshall McLuhan (1968, 1977) enfatizaram bastante as oposições audição/visão. Todavia, se a atenção a oposições refinadas entre acústica e cultura letrada está crescendo em alguns círculos, ainda é relativamente rara em muitos campos nos quais poderia ser útil.

Nesse quadro, de que modo os escritores moçambicanos fazem uso das fontes “populares” orais das sociedades de que são originários? Como conciliaram até agora uma tradição de cultura oral com uma literatura escrita numa língua europeia? E, assim fazendo, como criaram uma nova cultura – a escrita moçambicana? Estas são algumas das questões que nos propomos trabalhar neste texto. Mas antes se torna necessário fazer uma abordagem do lugar da acústica numa antropologia dos sentidos, bem como das marcas peculiares da cultura acústica.

O lugar da acústica numa antropologia dos sentidos

O princípio de uma “antropologia dos sentidos”4 reside essencialmente na ideia de que a percepção sensorial é tanto um ato cultural quanto físico. A vista, o ouvido, o tato, o gosto e o cheiro não servem apenas para apreender os fenômenos físicos, mas podem também assegurar a transmissão de valores culturais. Estamos pensando, aqui, naqueles modos de comunicação sensorial característicos que são a fala e a escrita, a música e as artes visuais, assim como os valores e ideias tão diversas que podem ser comunicadas por meio de sensações olfativas, gustativas e táteis.

A percepção, sendo condicionada pela cultura, pelo modo como os indivíduos percebem o mundo, pode variar segundo as culturas. Tal é, aliás, o caso que diz respeito ao nome e definição dos sentidos. Ian Ritchie relata, por exemplo, que os Haoussas da Nigéria distinguem dois tipos de percepção: a percepção visual e a percepção não visual (Ritchie, 1991, p. 195).

Certos sentidos têm mais prestígio que outros na escala de valores. As culturas não valorizam na mesma medida todos os domínios sensoriais.5 Cabe ao pesquisador descobrir as distinções e as interações entre os significados e as práticas sensoriais próprias de uma cultura. Por isso, é preciso considerar não somente os usos que os sentidos têm na prática (porque todas as sociedades fazem um uso prático de todos os sentidos), mas ainda examinar os meios através dos quais diferentes domínios sensoriais são investidos de um valor social.

A análise dos significados associados às diversas faculdades sensoriais e sensações nas diferentes culturas possibilita uma profusão de poderosos símbolos sensoriais. A vista, por exemplo, pode estar ligada ao pensamento racional ou à bruxaria; um odor pode significar a santidade ou o pecado, o poder político ou a exclusão social.

Os sentidos são “janelas abertas sobre o mundo”, o que significa que são, por natureza, transparentes e, portanto, pré-culturais. São os códigos sociais que determinam em que consiste, em cada momento e para cada um, o comportamento sensorial aceitável, e que indicam o significado das diferentes experiências sensoriais. Olhar fixamente para uma pessoa pode significar indelicadeza, lisonja ou superioridade, segundo as circunstâncias e as culturas. Ao contrário, manter os olhos baixos pode revelar modéstia, receio ou distração. De fato, a percepção sensorial não é apenas um simples aspecto da experiência corporal, é o ponto de partida.

Numa cultura acústica, para resolver efetivamente o problema da retenção e da recuperação do pensamento cuidadosamente articulado, é preciso exercê-lo segundo padrões mnemônicos, moldados para uma proforçonta repetição oral. O pensamento deve surgir em padrões fortemente rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em aliterações e em expressões epitéticas ou outras expressões formulares, em conjuntos temáticos padronizados (a assembleia, a refeição, o duelo, o “ajudante” do herói e assim por diante), em provérbios constantemente ouvidos por todos, de forma a vir prontamente ao espírito e que são, eles próprios, modelados para a retenção e a rápida recordação – ou em outra forma mnemônica. As reflexões e os métodos de memorização a sintaxe (Havelock, 1963, p. 87-96, 131-132, 294-296).

Nas culturas acústicas, a própria lei está encerrada em adágios formulares, provérbios que não constituem meros adornos jurídicos, mas são, em si mesmos, a lei. Numa cultura acústica, um juiz é muitas vezes chamado a articular conjuntos de provérbios relevantes dos quais pode obter decisões justas nos processos de litígios formais que deve julgar (Ong, 1978, p. 5).

As marcas peculiares da cultura acústica

A cultura se relaciona estritamente com a memória e com os procedimentos disponíveis, numa determinada sociedade, de processamento, armazenagem e transmissão das informações. Nesse sentido, os limites da memória determinam a criação de vários recursos para a sua conservação.

O discurso oral, de um modo geral, tem na repetição uma de suas marcas mais peculiares. É comum atribuir-se o fenômeno à necessidade de reforçar a informação contida numa mensagem que se desenvolve linear e irreversivelmente na cadeia do tempo e que, por esse motivo, não permite qualquer espécie quer por parte do emissor, quer por parte do receptor. Há, um retorno constante às palavras ou sentidos-chave, num esforço para evitar a dispersão em relação ao conteúdo fundamental.

Assim, numa cultura acústica, para resolver com eficácia o problema de reter e recordar o pensamento cuidadosamente articulado, o processo deverá seguir modelos mnemônicos formulados para uma rápida repetição oral. Possuindo apenas recursos de sua memória de longo prazo para reter e transmitir representações que lhes parecem dignas de perdurar, os membros das culturas acústicas exploram ao máximo o único instrumento de inscrição de que dispõem.

A poesia e o fenômeno da repetição

No domínio da poesia oral, de um modo geral, e da africana mais particularmente, a repetição é uma das suas dominações concretizando-se em diversos níveis: no nível da palavra, do verso e até de grupos de versos, bem como no nível do sentido com recurso a palavras diferentes. É, como dissemos, uma característica genérica que se manifesta na quase totalidade dos gêneros poéticos africanos (a poesia panegírica, a poesia elegíaca, a poesia militar e de caça, a poesia lírica, a poesia satírica político-social, a poesia religiosa).

A poesia do moçambicano José Craveirinha apresenta inúmeros exemplos de concretização do princípio da repetição inspirados nas formas dessa poesia oral (Matusse, 1993, p. 105 6)

Observemos um extrato do poema “Quero ser tambor” (Craveirinha, 1982, p. 123):

 

Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.

Nem rio correndo para o mar do desespero.

Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

(...)

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.

Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra.

Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

A poesia oral africana, cantada ou declamada, é geralmente antifônica, ou seja, existe uma espécie de resposta de um coro ao solista, sendo dessa alternância que a sua performance depende. A repetição integral de um ou mais versos pode corresponder à resposta do coro ao mote dado pelo solista, e o mesmo acontece com o refrão. As variações sobre um mesmo motivo ou sentido são muitas vezes da responsabilidade do solista, cabendo ao coro a repetição dos elementos invariantes (Finnegan, 1977, p. 259). O caráter de certo modo estereotipado dos textos e o fato de o auditório já os conhecer podem, por conseguinte, levar o performer a contar com a resposta adequada ao seu apelo à participação. “O poeta de uma sociedade oral aprende os seus versos oralmente, compõe-os oralmente e transmite-os oralmente” (Lord, apud Goody, 1977, p. 72-73).

Se o ritmo é característico de toda poesia, sendo essa a sua principal distinção do texto em prosa, não deixa de ser verdade que alguma poesia serve-se desse recurso de modo especial, tornando-se mais adequada à declamação, ao canto e mesmo à associação desse último com a dança. Isso é comum na poesia oral africana. Segundo Ruth Finnegan, as línguas bantu têm um vasto conjunto de elementos linguísticos que são essencialmente usados como instrumentos literários, dos quais o mais importante parece ser o ideofone, definido como “uma palavra especial, a qual exprime uma espécie de ideia através do som e é frequentemente usada nas línguas bantas para acrescentar emoção e vivacidade à descrição ou recitação” (Finnegan, op. Cit., p. 64). Também acrescenta à narrativa um elemento dramático e exprime emoção e excitação.

O papel dos provérbios

Uma outra forma de poesia oral é o provérbio. Nos quatro cantos do mundo, os provérbios são ricos de observações acerca do espantoso fenômeno humano do discurso na sua forma original oral, acerca de seus poderes, sua beleza, seus perigos. A mesma fascinação pelo discurso oral continua inalterada séculos depois de a escrita ter sido posta em uso. Segundo Holman e Harmon, o provérbio é “uma oração ou frase curta e memorizável que expressa algo reconhecido como verdadeiro ou que envolve observações acerca de aspectos práticos da vida” (Holman & Harmon, 1986, p. 401). A compressão e concisão que caracterizam o provérbio dependem, em grande medida, do conjunto de recursos estilísticos de que se serve (metáforas, comparações, hipérboles...), o que os torna, quanto à forma, diferentes do discurso ordinário. Essa componente estilística faz do provérbio uma forma muito importante para a literatura oral7 africana, pois o seu modelo e as suas técnicas são muitas vezes aproveitados em formas mais elaboradas e mais extensas, como a canção e o conto. Os provérbios fazem frequentemente alusão a fenômenos naturais e à vida animal – “Se vires um crocodilo chegar, nunca lhe estendas o lenço”, diz um conhecido provérbio moçambicano; “a força do crocodilo é a água”, para referir que, quando lutais no vosso domínio, podereis vencer, não tenteis sair dele: sereis como peixe fora d’água” (apud Junod, 1996b, p. 158); o que pensamos, prende-se ao fato de nesses domínios imperar uma espécie de “perfeição”, uma lógica imanente e funcional, diferente dos comportamentos humanos, mais instáveis e arbitrários. Como não sorrir perante a metáfora que procura denunciar aquele que acredita excessivamente nas suas capacidades, muito espelhada no provérbio da etnia ronga do sul de Moçambique: “Aquele que engole um grande caroço tem confiança no tamanho da sua garganta”. Ou aquele outro: “As tatuagens nas costas são conhecidas daquele que as faz, não são conhecidas daquele que as tem”, para significar que não podereis saber o que sucederá, se voltardes as costas (op. cit., p. 158), ou ainda: “Não percas o teu tempo a olhar os montes de ervas más, pensando que o teu trabalho acabou” (idem, p. 159). Frases ou expressões (tais como provérbios) prontas, repetidas de modo mais ou menos exato, em verso ou prosa, realmente possuem uma função na cultura acústica mais crucial e difusa do que em qualquer outra cultura acústica mais crucial e difusa do que em qualquer outra cultura letrada, eletrônica ou de impressão (Parry, 1971, p. xxxiii, n. 1).

A narrativa do escritor moçambicano Mia Couto explora largamente o modelo e a temática do provérbio nas passagens de caráter reflexivo, sendo esse um dos seus elementos marcantes. Em Terra Sonâmbula, numa sequência de frases, o escritor procura de forma sintética caracterizar e justificar, com base numa pretensa verdade universal, a tentação da personagem de abandonar o seu projeto inicial num dado ponto da ação: “As ideias, todos sabemos, não nascem na cabeça das pessoas. Começam num qualquer lado, são fumos soltos, tresvairados, rodando à procura de uma devida mente” (Couto, 1992, p. 44). Ele afirma que

Estas estórias desadormeceram em mim sempre a partir de qualquer coisa acontecida de verdade mas que não foi contada como se tivesse ocorrido na outra margem do mundo. Na travessia dessa fronteira de sobra escutei vozes que vazaram o sol. Outras foram asas no meu voo de escrever. A umas e outras dedico este desejo de contar e de inventar.

(Couto, 1986, p. 19)

Os provérbios não se empregam apenas para armazenar conhecimentos, mas também para comprometer os outros no combate verbal e intelectual: um provérbio desafia os ouvintes a superá-lo com outro mais oportuno ou contraditório. O seu caráter moralista é um dos aspectos importantes que com frequência incorporam os provérbios.8 Costumam também ser aplicados na jurisprudência. Na opinião de Walter Ong, os provérbios não são meros adornos da jurisprudência, mas constituem eles mesmos a própria lei. “Com frequência recorre-se a um juiz de uma cultura oral para que repita provérbios pertinentes a partir dos quais pode deduzir decisões justas para os casos de litígio formal que lhe são submetidos” (Ong, 1993, p. 42).

Segundo Henri Junod,9 a etnia Tsonga do sul de Moçambique possui uma considerável coleção de enigmas que contêm duas frases e que se chamam svitekatekisana. Recolhi cerca de uma centena. Teria facilmente podido recolher dez vezes mais. Uma mulher que vivia na nossa vizinhança, Lixanyi, conhecia grande número e podia recitá-los sem parar até altas horas da noite (Junod, 1996b, p. 161).

Em Mia Couto é visível o uso de provérbios, sentenças, frases feitas e portadoras de significação didático-filosófica.

A fórmula como recurso por excelência do ato de narrar

Um outro aspecto importante a considerar é o de que, na realidade cultural moçambicana, assim como nas sociedades ágrafas em geral, constata-se que é principalmente pelo ato de narrar que é possível manter um elo entre os velhos e os novos e perpetuar a transmissão das vivências e dos conhecimentos antigos.

A narração recorre à fórmula, instrumento privilegiado das culturas acústicas, nas quais a natureza auditiva e mental das palavras está relacionada não só aos modos de expressão e produção cultural, mas aos processos de transmissão e aprendizagem. O que se pode relembrar depende de formas mnemônicas, nas quais o ritmo ajuda a lembrança e toda a experiência é intelectualizada mnemonicamente (Goody, 1977, p. 112-128). O conceito de fórmula a que nos referimos configura uma sequência de elementos, um esquema organizador, característico das formas orais e sobreviventes nas culturas escritas. A fórmula é aqui entendida sobretudo como um meio de ligar elementos que, sem o apoio da escrita, seriam mais dificilmente memorizados para sua transmissão e difusão.

Interessante como a fórmula e sua repetição se fazem presentes no espantoso filme “Central do Brasil”.10 Para Lopes (1999, p. 69), muito da trama do filme está permeada pela dualidade do mundo oral e do mundo letrado. O mundo letrado encontra ainda marcas do mundo da oralidade, alicerces da transmissão cultural de comunidades que não tiveram acesso ao código escrito. Por isso o recurso à memória, às formas repetitivas, constitui um traço muito particular desse universo oral. Isaías, o irmão que Josué acaba de conhecer, manda-lhe repetir o “trava-língua”, essa modalidade de parlenda em prosa ou em verso, bem característica das culturas de oralidade, ordenada de tal forma que se torna extremamente difícil e, às vezes, quase impossível, pronunciá-la sem tropeço: “Lá atrás da minha casa tem um pé de umbu botão, umbu verde, umbu maduro, umbu seco e umbu secando” (Carneiro & Bernstein, 1998, p. 91). Numa outra conversa, novamente Isaías pede ao irmão: “diga cinco vezes em carreado, sem errar, sem tomar fôlego, vaca-preta, boi pintado. Diga” (idem, p. 97).

A fórmula foi, assim, historicamente, um instrumento de construção e transmissão de obras verbais, apoio à memória social e histórica dos povos sem escrita (Goody, apud Le Goff, 1984, p. 12).

No entanto, a memória acumulada e transmitida nas sociedades sem escrita, com apoio da fórmula, não era uma memória “palavra a palavra”, uma rememorização exata. Nessas sociedades, a memória social parece estar mais baseada numa reconstrução criativa do que na memória mecânica.

No aprendizado de um canto, o jovem, em uma cultura oral, familiariza-se com os versos metrificados, sem obrigação de reconstruí-los palavra por palavra. Ele os reconstrói a partir de temas e expressões fixadas, quando os ouve de outros. É certo que a rapidez da execução, com relação ao ato simultâneo da criação, supõe um conjunto de combinações ou construções gramaticais fixas que preenchem repetidamente o tempo da recitação, o que se pode chamar de fórmula. Mas esse não é um recurso da memorização mecânica, palavras por palavra, e sim do ato de reconstrução criativa defendido por Goody (1977) na análise que fez dos processos mnemônicos e educacionais em sociedades tradicionais. Mesmo a utilização da técnica da fórmula nas culturas ágrafas revela processos criativos e individuais das sociedades humanas, nos quais se conjugam memória e imaginação criadora.

O suporte de memorização não se situa ao nível superficial em que opera a memória palavra a palavra, nem ao nível da estrutura profunda que os mitólogos encontram (...). Parece, ao contrário, que papel importante cabe à dimensão narrativa e a outras estruturas da história cronológica dos acontecimentos. (Goody, 1977, p. 34, apud Le Goff, 1984, p. 12)

Tal estilo de narração, apoiado na fórmula, apresenta-se, quando transita para a escrita, mais subordinativo do que coordenativo. As sequências do enunciado articulam-se através de conectivos temporais, como “então” e “logo”. É raro o uso de conexão agregativa ou coordenativa (“e”), própria do estilo narrativo das culturas orais. Ele empresta aos acontecimentos um fluxo narrativo elaborado pela concatenação temporal, que se realiza por uma sintaxe fixa, mais própria do discurso escrito. Para Ong (1982), o discurso escrito está mais próximo da utilização de uma gramática elaborada, pois nessa modalidade comunicativa, devido às qualidades intrínsecas do meio, o sentido depende sobretudo das estruturas linguísticas, ao contrário do discurso oral, apoiado nos recursos do contexto de comunicação ou na situação comunicativa pessoa a pessoa.

O pensamento e a expressão formular orais percorrem as profundezas da consciência e do inconsciente e não desaparecem assim que alguém que a eles se habituou pega em uma caneta. Quando os poetas xhosas aprendem a escrever, sua poesia escrita é também caracterizada por um estilo formular. Na verdade, seria totalmente surpreendente se eles pudessem fazer uso de qualquer outro estilo, especialmente porque o estilo formular caracteriza não apenas a poesia, mas também mais ou menos todo pensamento e expressão na cultura acústica. A primeira poesia escrita, em toda parte, parece ser, de início, necessariamente, uma mimetização em manuscrito da atuação oral. A mente não tem, inicialmente, recursos propriamente quirográficos. Rabiscam-se em uma superfície palavras que se imagina dizer em voz alta em uma situação oral imaginável. Apenas muito gradativamente a escrita torna-se composição escrita, um tipo de discurso – poético ou não – que é construído sem uma sensação de que quem está escrevendo está realmente falando em voz alta (como os primeiros escritores podem bem ter feito ao compor).

Muitas culturas modernas que conheceram a escrita durante séculos, mas nunca a interiorizaram completamente, tais como a cultura árabe e algumas outras culturas mediterrâneas, por exemplo, a grega (Tannen, 1980), ainda se apoiam grandemente no pensamento e na expressão formulares.

Embora encontrada em todas as culturas, a narrativa é, em certos aspectos, mais amplamente funcional nas culturas acústicas do que nas outras. Em primeiro lugar, em uma cultura oral, como sublinhou Havelock (1978; 1963), não é possível submeter o conhecimento a categorias complexas, mais ou menos cientificamente abstratas. As culturas orais não podem gerar tais categorias e, assim usam histórias da ação humana para armazenar, organizar e comunicar boa parte do que sabem.

Em segundo lugar, a narrativa é particularmente importante em culturas acústicas porque pode abrigar uma grande parte do saber em formas sólidas, extensas, razoavelmente duradouras – o que, em uma cultura oral, significa formas passíveis de repetição. Máximas, enigmas, provérbios e assemelhados são evidentemente também duradouros, mas, no geral, breves.

Em uma cultura letrada ou impressa, o texto une fisicamente tudo o que contém e permite recuperar qualquer tipo de organização de pensamento. Nas culturas acústicas, em que não existe texto, a narrativa serve para unir o pensamento, de modo mais compacto e permanente do que os outros gêneros.

Segundo Lourenço do Rosário, as narrativas possuem dois níveis de funcionamento. O primeiro é a “função de nível explícito”, que corresponde ao seu papel de instrumento de aprendizagem, considerando-se que, através da narrativa, torna-se mais fácil memorizar, devido à curiosidade e ao prazer que ela desperta nos ouvintes. O segundo nível, “função de nível implícito”, refere-se ao caráter de exemplaridade que envolve a narrativa oral. A composição da narrativa oral ronga (do sul de Moçambique) tem, entre as suas mais peculiares características, a introdução de sequências cantadas no meio da história. Possui um forte componente didático-moralizante. Transporta em si o próprio objeto de ensinamento que se quer transmitir. Por isso mesmo, é “ao mesmo tempo e em qualquer lugar, um grande ponto de interrogação sobre os problemas com que o indivíduo se defronta no dia-a-dia, na sua sociedade” (Rosário, 1989, p. 48).

Recursos simbólicos, como a homofonia e a metonímia, são também utilizados para tornar memoráveis as informações mediante a preservação da sua forma verbal. Vansina relata que, em Ruanda, um poeta sempre se refere a um rei como “caçador de zebra”. O leitor deve traduzir “caçador de zebras” por “leão”, reconhecendo essa expressão como homófona do título do rei, o Leão de Ruanda (Vansina, 1965,p. 43).

O caso específico dos contos

Pela importância de que se revestem, vale a pena determo-nos um pouco sobre a prática dos contos em Moçambique.11 Iremos apoiar-nos no trabalho de Junod, que fez um estudo aprofundado no sul de Moçambique. Segundo ele,

outros [membros do grupo], porém, podem contar seis, dez, vinte contos. Xiguyana, por exemplo, podiam manter suspenso o seu auditório diversos serões seguidos, com os seus contos, alguns dos quais muito longos (“A pequena detestada” [que Junod descreve em seu livro Chants et contes des Ba-Ronga], não têm menos de 24 páginas, “Mubia”, um conto que ocupava 19 páginas. A memória desta mulher era admirável e a sua maneira graciosa de contar não era menos surpreendente. (Junod, 1996b. p. 191)

A narração dos contos obedece a certos rituais:

Coisa curiosa, há que tomar uma bizarra precaução, quando se contam contos: é tabu fazê-lo durante o dia; trata-se de um entretenimento da noite; o que transgredir esta regra torna-se calvo! (...) Penso que esta proibição provém de que, como este jogo é tão popular, os indígenas receiam consagrar-lhe tempo demasiado: perderiam toda vontade de trabalhar, se começassem a jogá-lo logo a meio do dia. Por isso se interditaram, instintivamente, a narração de contos durante o dia. (Idem, p. 191)

Nos contos, o folclore animalista é muito forte. Os pequenos animais como o coelho e a tartaruga acabam, graças à astúcia, vencendo os animais de grande porte como o elefante e o leão e até mesmo o homem “A ideia de vitória dos pequenos sobre inimigos poderosos é ilustrada pelos contos em que seres humanos, crianças, miseráveis ou desprezados triunfam dos mais velhos que eles, ou daqueles que os odeiam” (idem, p. 193). Igualmente se fazem presente nos contos os “papões”, comemorando-se a sabedoria das criaturas fracas sobre esses monstros horríveis e cruéis. Existem também os chamados contos morais com intenções moralizadoras e contos baseados em fatos reais sucedidos em qualquer parte e conservados na memória desses grupos étnicos (p. 193). Dignos de nota são também os contos estrangeiros, originários de fonte maometana, portuguesa ou inglesa, mas curiosamente modificados, oferecendo, por isso, campo de grande interesse para o estudo da mentalidade dessas comunidades (p. 194).

É claro que esses tipos de contos não são nitidamente diferençados. Determinado conto poderia ser colocado em dois ou três tipos. Por vezes, em alguns contos, aparece um animal onde todos os demais atores são humanos. Embora o folclore animalista seja, em regra, desprovido de intenções morais, em certos episódios pode-se encontrar uma ideia moral – por exemplo, quando vemos o elefante ser castigado por ter pisado com desprezo os ovos da rã (idem, p. 194).

O valor literário desses contos varia muito conforme a história, em si própria, e o narrador. Alguns são muito curtos e insignificantes, ou não são mais que uma coleção de episódios, construída ao acaso e sem qualquer plano. Outros são verdadeiras composições em que se encontram ordem e um fim. O narrador parte de um dado ponto e termina numa conclusão (p. 1 94).

Interessa referir que “os oradores indígenas não receiam a repetição (...), fazem dela uma verdadeira arte. Se a narração se torna, por isso, um tanto monótona, este processo literário não é, todavia, fatigante. Dizia-me alguém, depois de ter ouvido o conto de Nabandri, a comedora de rãs: “‘Nunca pensei que podia haver tanto encanto na monotonia!’ ” (p. 194). Para Junod,

a facilidade de elocução dos Tsongas é muito grande. Cada um deles, homem ou mulher, está sempre pronto a falar, e fala corretamente com a maior facilidade. A este respeito, a sua raça está, talvez, mais adiantada que muitos dos povos civilizados. Nada desta timidez que se encontra com tanta frequência nos camponeses e operários dos nossos países, os quais seriam absolutamente incapazes de fazer um discurso, apesar de uma instrução primária completa. Um indígena pode sempre levantar-se e exprimir a sua opinião sobre qualquer questão. Mesmo se não tiver pensado no assunto, pode falar! Não sofre nenhuma dificuldade na procura dos termos. Podem faltar os conhecimentos, mas nunca a abundância do discurso! Esta facilidade na elocução é, evidentemente, resultado de longa prática na discussão das questões públicas, na corte do chefe, onde todos têm o direito de formular a sua opinião. (JUNOD, 1996b, p. 152).

Quando se lhes pergunta a origem dos seus contos, os Tsongas respondem invariavelmente:

São velhas histórias que aprendemos com os nossos pais. Ninguém pensaria hoje em inventar um conto! Isto é certamente verdade. Os contos bantu são muito antigos. Não é sem boas razões que os narradores, quando receiam ser obsidiados pelas perturbantes cenas evocadas, os reenviam a Gwambe e Dzavana, o primeiro homem e a primeira mulher! (idem, p. 195)

O encanto desses contos reside na sua vivacidade, isto é, são contados de um modo não abstrato, não como acontecimentos passados e distantes, mas como fatos de que os próprios ouvintes são testemunhas. Os nomes desses últimos são, muitas vezes, aplicados aos heróis da história, que assim se tornam parte integrante da vida cotidiana. O narrador não acha dificuldades em introduzir em suas narrativas todos os objetivos novos trazidos pela civilização. Fala de espingardas e de canhões, de casas quadradas e de fatos e objetos com os quais os antigos contistas nem teriam sonhado, e isso não apenas nos contos de origem estrangeira, mas também nos que são inteiramente bantu (p. 198).

Os contos bantu são muito antigos, pelo menos os materiais que os formam. Mas são feitos de uma substância plástica, o que permite aos narradores aí operarem, inconscientemente, importantes e incessantes modificações. Tais fatos são interessantes, pois mostram as condições de produção literária nas sociedades oralistas. Essa produção é essencialmente coletiva, os contos não são criados, em todas as suas partes, por autores individuais, são modificados e enriquecidos, pois se transmitem de uma pessoa a outra, de etnia a etnia, de maneira que tipos novos surgem, novas combinações se produzem e disso resulta uma verdadeira evolução (idem, p. 1999).

Pode ser que essas histórias sejam uma advertência àqueles que estão no poder, da parte dos que sofrem. E quem poderia dizer se o seu fim último não seria afirmar o valor do indivíduo, no meio desse povo calcado aos pés, no qual o simples súdito para nada conta? Se assim é, o folclore africano possui um valor filosófico e moral maior do que à primeira vista pareceria. No estádio coletivo da sociedade humana, representa uma aspiração a um estado de coisas em que o indivíduo ocupe o seu verdadeiro lugar. Considerado desse ponto de vista, é profético. Não deve ser olhado apenas como um jogo de velhas mulheres, durante os longos serões ou, mesmo, como simples jogo de sociedade. É um monumento sobre o qual a alma da raça gravou, talvez inconscientemente, as suas ideias e aspirações (p. 202).

O curioso é que uma revalorização da oralidade parece estar de volta nas atuais sociedades. Na contramão da massificação, os contadores de contos estão ressurgindo. Eles nos surpreendem em eventos e programações das mais variadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, além de programas específicos,12 eles aparecem contando estórias nos lugares mais variados: escolas, hospitais, festas, congressos etc. Segundo Maria do Carmo Silva, “a atividade de contar estórias remete à fantasia, à magia e, indiretamente, é um incentivo à leitura” (apud Sebastião, 1998, p.5). O conto lida com questões universais do ser humano, fala sobre o que é importante ser vivido. O gênero é um poderoso instrumento para alimentar o imaginário, pela forma inconsciente da humanidade. São narrativas que abrem espaços de criação, permitem sair do dia-a-dia e adentrar em situações atemporais e, nesse momento, cada um se pode ver enquanto pessoa, enquanto ser humano. No atual quadro de massificação – que compromete a imaginação, pois tudo vem pronto -, de crise de valores, de vazio de referências, que trouxe enormes desesperanças, carências de sentido para a existência e fragilização dos laços sociais, essa revalorização da oralidade parece constituir-se num verdadeiro resgate da comunidade humana, na ampliação de horizontes, repertório e conhecimento.

Na verdade, contar estórias é tão visceral e inerente ao ser humano que, mesmo na atual sociedade, atravessada por diversas mídias e tecnologias avançadas, o contador de estórias continua existindo e tendo a sua função. Na base de tudo está um jogo lúdico, mágico, transcendente, aberto, móvel, multifacetado, fugidio, em processo de contínua metamorfose. “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Duas pessoas nunca contam uma estória da mesma maneira. É quase uma relação interpessoal, na qual se cria a sensação de pertencer a uma comunidade que parece remeter à infância e às relações familiares. Faz-se presente o afeto e o conto configura-se como uma espécie de bálsamo para os problemas com que o homem moderno se defronta.

Na base da mágica feita pelo contador de estórias parece estar um tipo de prática ancestral – talvez a primeira manifestação artística – que abre espaço para a imaginação, criando condições para que cada um, a partir do que é contado, crie a sua própria estória.

A influência da tradição oral no campo literário

Embora as palavras estejam fundadas na linguagem falada, a escrita tiranicamente as encerra para sempre num campo visual. Uma pessoa pertencente à cultura letrada, quando instada a pensar na palavra “contudo”, normalmente (e temos fortes suspeitas de que isso sempre ocorre) terá alguma imagem, ao menos vaga, da palavra grafada e dificilmente seria capaz até mesmo de pensar na palavra “contudo” por, digamos, 60 segundos, sem se reportar a alguma inscrição, mas tão-somente ao som. Isso significa que essa pessoa não é capaz de recuperar inteiramente a percepção do que seja a palavra para os povos exclusivamente orais. Em virtude dessa primazia da cultura escrita, parece não haver nenhuma possibilidade de usar o termo “literatura” para abranger a tradição e a apresentação orais, sem que estas sejam sutil mas irremediavelmente reduzidas a variantes da escrita (Ong, 1998, p. 21).

Alioune Tine (1985, p. 99) afirma que a “literatura africana se define como uma literatura situada entre a oralidade e a escrita. Esta ideia permitiu a realização de um vasto consenso que vai dos críticos africanistas aos escritores” e, mais adiante ainda, afirma que aquilo que constitui o traço específico da literatura africana é a noção de “oralidade fingida” (idem p. 102).

Para Ana Mafalda Leite (1998, p. 26), a asserção de Alioune Tine só é parcialmente verdadeira, uma vez que exclui a possibilidade da escrita de uma narrativa, romance ou conto que prescinda da recorrência aos modelos da oralidade. Ou seja, o argumento pode caricaturalmente ser lido do seguinte modo: a narrativa, segundo esse pressuposto, será ocidental até o momento em que não faça uso da instrumentação oral africana; apenas aquele material lhe dará a creditação necessária da africanidade.

Semelhante visão neo-romântica dos africanistas, de que a originalidade ou a “essencialidade” das narrativas africanas deve ser determinada pela forma como fazem eco, ou filtram, as tradições orais, parece-nos desajustada dos diferentes percursos de cada uma das literaturas nacionais, do diverso e heterogêneo continente africano, e ainda eivada de preconceitos ideológicos, com o seu exagero nas definições delimitativas. (Leite, 1998, p. 26-27)

Já mais moderada e aceitável é a opinião de Abiola Irele (1990, p. 56), quando considera a oralidade um paradigma central, mas não único.

Apesar do indubitável impacto da cultura letrada na experiência africana e o seu papel na determinação de novos processos culturais, a tradição da oralidade continua predominante, servido de paradigma central para vários modos de expressão no continente (...). Neste sentido primário, as funções da oralidade como matriz no discurso africano, e no que diz respeito à literatura, o “griot” é a sua personificação no verdadeiro sentido da palavra. A literatura oral representa assim o intertexto básico da imaginação africana.

No entender de Lourenço do Rosário (1994, p. 11):

A literatura de tradição oral se encontra refletida na literatura escrita na forma e no conteúdo, com a adoção de recursos estéticos, integração de elementos estruturais e recuperação de valores, o que permite sugerir que a cidade e o campo estão de tal forma próximos, na conjuntura atual, que é possível vislumbrar universos integrados dessa proximidade criando modelos de identidade moçambicana.

Na altura da independência de Moçambique (1975), não havia praticamente literatura em línguas autóctones moçambicanas. Tendo em conta o triste quadro educacional da colônia, o número de africanos letrados era demasiadamente pequeno para fomentar uma literatura africana de língua portuguesa com raízes na cultura oral. Desse modo, a cultura africana em Moçambique permaneceu oral e nunca houve uma ligação satisfatória entre essa literatura oral e a cultura escrita em português. Analisando essa questão, Russel Hamilton (1988b) sustenta que:

A dinâmica da oralidade fica por vezes estática na escrita. Nas culturas em que o saber é transmitido oralmente, cada vez que ele é transmitido, o ato dramático muda. Sempre que o historiador de grupo muda de auditório, a entoação também muda. Então, quando a oralidade passa para o papel, deixa de ser oral, fica estática, dentro do texto escrito.

Tanto o contador como o auditório participam do ato de criação. Existe sempre qualquer novidade a acrescentar, consoante o valor de uso que se lhe pretende atribuir, consoante a emoção de momento de quem está contando ou de quem está escutando. Procurando mostrar como essa questão se pode aplicar à criação literária, Russel Hamilton (1998b, p. 5) é de opinião que

(...) o que interessa para além do próprio texto é a produção do texto, a dinâmica literária. Em Moçambique há tentativas de transmitir vários aspectos da oralidade através da palavra escrita, resultando num tipo de fragmentação, como é o caso de Mia Couto e de Ungulani Ba Ka Khosa, que reduzem um discurso escrito cuja dinâmica simula a oralidade, não simplesmente no papel mas também no espaço, sugerindo imagens visuais e acústicas.

Mia Couto recria a oralidade de que fala Hamilton através de uma língua literária sustentada por uma exuberante criatividade lexical13 e uma sintaxe que faz a ponte entre a oralidade e a pura invenção, em que o contexto comunicativo, estético, possibilita a partilha da mensagem de ruptura.14 As marcas fortes da oralidade estão igualmente presentes nas frases proverbiais, que definem uma atmosfera, um estado de espírito ou um saber sombrio.15

No pós-independência, o gênero literário mais importante parece ser o conto/história. No entender de Patrick Chabal, isso ocorre devido, por um lado, à herança de João Dias e de Luís Bernardo Honwana, pioneiros do conto, e, por outro, à influência da cultura oral africana e popular, que recorre essencialmente à arte de contar histórias. Assim, os jovens escritores que buscam novas experiências no domínio da prosa, no contexto de uma tradição de cultura oral, recuperam a mais comum forma de arte: contar histórias (Chabal, 1994, p. 66).

O conto tem sido sempre um instrumento extremamente importante na metodologia educativa tradicional para a aprendizagem da vida e adestramento de aptidões. No campo e também na cidade, o acesso ao mundo e ao conhecimento tem privilegiado essa forma de aprendizagem consagrada pela tradição. Assim, o letramento, a escolarização, a urbanização e o ingresso no mundo da escrita não podem significar o abandono das tradições saudáveis de convívio familiar em que os ensinamentos de aspectos fundamentais da história, da cultura, da moral e de outros elementos e valores sociais são transmitidos e absorvidos com prazer, através dos contos.

Os contos escritos ou transcritos são também auxiliares valiosos do sistema educativo, permitindo que as escolas articulem textos de língua portuguesa, da história de Moçambique, de estudos sociais e da cultura em um processo interdisciplinar e enriquecedor (Rosário, 1994, p. 11).

Há também o fato indubitável de que, no contexto histórico e cultural de um país como Moçambique, o conto ou a história são provavelmente a mais apropriada e mais popular forma de escrever prosa. Apropriada porque se adapta bem à captação da realidade multifacetada de um país em construção e com tão diversa tradição cultural. É também o gênero mais adaptável às qualidades da literatura oral. Popular, porque é mais acessível, pode ser publicado de muitas maneiras diferentes, lido em voz alta ou encenado no teatro.

José Craveirinha atribui em seus poemas uma valoração positiva à tradição oral, conferindo-lhe o estatuto de único fator capaz de imprimir autenticidade à poesia. Ungulani Ba Ka Khosa valoriza nitidamente a oralidade, à qual atribui poder e capacidade de permanência no tempo, como revela esta passagem de Ualalapi, em que, a propósito dos assuntos do império (de Gaza), diz-se que o imperador os resolvia “com a voz e os gestos, pois papel não havia e as ordens eram escritas pela voz tonitruante que ressoava nas manhãs e tardes chuvosas e secas” (Khosa, 1991, p. 62). O poder é aqui simbolizado pelo adjetivo que qualifica a voz, enquanto a ideia de permanência é dada pela “metáfora irônica” que destacamos com o itálico. Portanto, estamos em presença do contraste entre a escrita e a oralidade, mas no qual se estabelece a valorização da oralidade que se exprime através de uma desvalorização da escrita, simbolizada pelo papel, a que as personagens se referem sempre em termos pejorativos, como atestam estas palavras de Ngungunhane, no seu discurso premonitório, antes de partir para o desterro:

Estes homens da cor do cabrito esfolado que hoje aplaudis (...) Exigir-vos-ão papéis até na retrete, como se não bastasse a palavra, a palavra que vem dos nossos antepassados, a palavra que impôs a ordem nestas terras sem ordem, a palavra que tirou crianças dos ventes das vossas mães e mulheres. O papel com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas. (Khosa, op. Cit., p. 118)

Para mostrar as diferenças linguístico-culturais entre vários países ou no interior de cada país, Ana Mafalda Leite prefere utilizar o termo “oralidades”. Afirma ele que:

O fato de usarmos no plural a palavra “oralidade” visa exatamente demonstrar que, por um lado, as tradições orais são diferentes de país para país, embora com um registro linguístico-cultural bantu comum, e dentro de cada país, de etnia para etnia, apesar de ser possível encontrar elementos unificadores na caracterização dos gêneros e dos mitos, por exemplo. E o plural serve-nos neste caso, também, para significar o processo transformativo que a urbe provocou nas tradições rurais, modelando-as e recriando-as. E usamo-lo, ainda, para acrescentar outros elementos, proveniente de outras oralidades, de que a língua matriz é portadora na sua origem cultural. (Leite, 1998, p. 35)

Ao trazer as formas e ao recriar um certo imaginário da tradição oral na sua obra, o moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa (1991) deseja provavelmente chamar a atenção para a cultura anulada e considerada como superstição nos primeiros anos de independência, que procurou eliminar os valores do mundo tradicional.

Para Ana Mafalda Leite, toda a poesia da moçambicana Noémia de Sousa aspira a ser vocal, escapando assim ao exílio silencioso da escrita. Parece haver uma preocupação em retomar a origem tradicional dos poemas cantados ao som da voz e da música, com a participação ritualizante e rítmica do corpo nos seus gestos e movimentos (Leite, op. Cit., p. 107).

A poesia de José Craveirinha apresenta um ritmo binário, ternário e quaternário, típico das formas populares orais. O poeta executa assim um movimento coreográfico pela escrita, que talvez substitua os ritmos da dança que a oralidade muitas vezes lhe conferia.

Essas características, mais diretamente relacionadas com o universo da literatura oral moçambicana (apesar de, como é natural, a poesia do autor permitir diferentes aproximações) revelam-nos a permanência da memória das formas tradicionais orais e a sua transformação pela escrita. Elucidam-nos ainda acerca das opções e propósitos estético-culturais escolhidos pelo poeta ( idem, p. 117).

A influência da escrita em português

Pelo fato de as culturas moçambicanas serem orais, o desenvolvimento da literatura moçambicana só pode ganhar forma através do uso da língua colonial europeia. Portanto, a literatura “nacional” moçambicana desenvolveu-se numa língua estrangeira com poucas raízes culturais moçambicanas e no contexto de um país “artificial” – ou seja, Estado-nação que foi colônia – e no qual o estabelecimento do Estado precedeu a construção da nação.

O impacto cultural do colonialismo vincula a gradual expansão da língua europeia entre a população moçambicana, a educação nessa língua e, eventualmente, o desenvolvimento de uma literatura moçambicana numa língua europeia, nesse caso a língua portuguesa. Esse processo, tal como a posição colonial acerca da superioridade cultural da cultura europeia, significa necessariamente que a cultura metropolitana desempenhou um papel considerável em Moçambique na evolução de uma linguagem escrita de cultura.

Por outro lado, alguns escritores, sobretudo os da nova geração de poetas, têm-se apresentado quase totalmente afastados daquilo que se pode designar, em termos gerais, por culturas moçambicanas. Sem acesso ao campo e com pouco contato com as suas “raízes” moçambicanas, muitos deles cresceram a falar apenas português e nenhuma língua materna. O mundo urbano da elite não leva à conexão entre a cultura “europeia” da cidade e a cultura “moçambicana” do campo. Sem acesso à longa tradição oral moçambicana, incluindo a poesia, viram-se para a literatura “europeia” em busca de inspiração.16

Se o escritor se resignar a escrever numa outra língua que não a oficial, a língua portuguesa estará perpetuando o fosso entre ele e a rua, entre a grande massa de despossuídos e os privilegiados com dinheiro ou com cultura. As consequências não são apenas de ordem moral; a marginalização cultural da maioria do povo trará, provavelmente, resultados social e economicamente nefastos. A longo prazo, a escolaridade poderia igualmente ajudar a combater esse fosso, mas o atual dilema com o qual os escritores se veem confrontados é o seguinte: escolhem a língua portuguesa para evitar prejuízos imediatos e avançar mais rapidamente; mas essa escolha acarreta novos prejuízos, que apenas podem ser corrigidos pelo tempo. Além disso, como pode um país que está tentando reconstruir-se, que procura penosamente consolidar-se, como pode resignar-se à sua própria fragmentação? Albert Memmi (1996, p. 12) procura responder a essa questão afirmando que

Com o tempo talvez, se a unificação linguística não se processou, poder-se-ia conceber uma dualidade ou uma multiplicidade de línguas. Mas no início do surgimento da nação, alcançar uma libertação sem a restauração de uma cultura coletiva, talvez se tornasse uma carência insuportável; restaurar uma cultura sem sua língua de base, um absurdo.

A decisão não é fácil, porque exige uma concepção prévia de nação. Supondo que possa existir uma língua nacional preponderante, dever-se-á optar por sua norma culta, de prestígio, mas quase impenetrável para a maioria da população? Dever-se-á decidir pela norma não culta, como fizeram várias nações da Europa no alvorecer de sua história? Não se correrá o risco de privar a nação, ainda frágil, dos recursos de sua tradição, de um tesouro cultural de que ela tem absoluta necessidade? Não parece haver solução que se possa instituir com perfeita clareza, sem que seja portadora de pesadas consequências e até de um concomitante sentimento de culpa para os escritores. Segundo Memmi (1996, p. 12):

Presumindo-se um cidadão livre de um país presumidamente livre, o escritor vê-se confrontado com novos deveres: ele deve ter em conta as carências de seu próprio povo, a injustiça de seus privilégios, os erros de seus dirigentes. Ele deve pôr em causa seus próprios pertencimentos, o que não deixa de ser uma luta contra si mesmo. Como evitar que ele surja como um fator de desordens suplementares? Ele era um revoltado, solidário com os seus, e eis que surge como suspeito de traições. É mais doloroso ser um traidor do que um revoltado. Deverá o escritor permanecer silencioso, pelo menos em certos assuntos? Ora, a escrita é sempre, qualquer que seja o ângulo sob o qual se queira observar, revelação e simultaneamente dissidência. Se ele se submete, ele se demite. Um escritor que se torna ministro é ainda um escritor? Para além dos problemas particulares, nacionais, étnicos e regionais, é preciso descobrir conjuntamente uma definição global e comum do homem contemporâneo.

Para Michel Cahen, não há obstáculos oficiais ao surgimento de uma literatura em línguas autóctones moçambicanas. Mas, forçosamente, somos obrigados a constatar que essa literatura não constitui uma prioridade. Por outro lado, vários escritores fazem parte daqueles que têm o português como língua materna (Cahen, 1990, p. 335). Portanto, a literatura escrita em Moçambique e, nos dias atuais, uma literatura em português. Até hoje, apenas Gabriel Makavi, na África do Sul, e Bento Sitoe, em Moçambique, escreveram e publicaram numa língua banta, o tsonga (Gonçalves, 1989, p. 47).

O equilíbrio de forças país colonizado/potência colonial privilegiava, hierárquica e estatutariamente, a língua europeia, em detrimento das línguas autóctones. Estas eram remetidas à única função da comunicação, excetuando o caso de algumas missões religiosas em que também eram usadas para os cultos e para a escolarização. Mas, mesmo nesses casos, a língua europeia impunha-se.

O uso das línguas autóctones na literatura é defendido por vários escritores e estudiosos. Na opinião de Nataniel Ngomane (1994, p. 22), tal defesa assenta-se em três posições básicas:

1)Recriação da fábula de Caliban e Próspero: o escravo apropria-se da língua do senhor para melhor o dominar; 2) Eclética – na qual face à imensa diversidade linguística de cada Estado não é possível instituir uma política uniforme, sendo preferível desenvolver políticas linguísticas em sintonia com a realidade de cada Estado; 3) Radical considerando que as línguas africanas são capazes por si mesmas de resgatar tudo o que é africano, pelo que o escritor deveria escrever na sua própria língua.

A maioria dos escritores moçambicanos recebeu uma educação de estilo ocidental; suas relações ambíguas com o mundo dos antepassados e com o dos países industrializados fazem parte de sua localização/deslocamento cultural característico, situação esta que Abiola Irele descreveu com eloquência em seu In praise of alienation [Em louvor da alienação] (1982):

Estamos comodamente espremidos entre os valores da nossa cultura tradicional e os do Ocidente. O processo de mudança por que estamos passando criou um dualismo de formas de vida que vivenciamos, no momento, menos como um estilo de instigante complexidade do que como um de confusa desigualdade. (Irele, apud Appiah, 1997, p. 86)

Escrever em línguas autóctones torna-se, para o poeta José Craveirinha, uma jornada de caminhos ínvios, porque “estas não acompanham o desenvolvimento e da tecnologia”. Ele interroga-se:

De quantos anos será o nosso retrocesso se optarmos por uma língua nacional? Temos que inventar tudo (...). Nós temos que ser realistas: quantas línguas cultas já desapareceram em toda a Europa? Só o exemplo do latim. E depois o que é que aconteceu? Dele derivaram outras. Qual foi o prejuízo para a humanidade? Nenhum. Quer dizer, há um certo sentimentalismo regional... Moçambique por qual das línguas nacionais vai optar? País repartido, cheio de fatias, por qual das línguas podemos optar sem criar uma erupção, choque entre os grupos étnicos? Escolher o macua, o changane (admitindo que o changane seja uma língua) escolher é, vais ter problemas porque vai fracionar (...). Eu não compreendo esta coisa de preservar. Aqui para mim a preservação funciona nestes termos: é aplicar o maior e o melhor possível o esforço de recolha de todas essas línguas (tecnicamente hoje é possível fazer isso) para o amanhã. Mais nada. (apud Saúte, 1990, p. 16-17, grifos meus)

Mais adiante, Craveirinha, um tanto contraditoriamente, exalta a importância da língua para o conhecimento das civilizações (idem), o que devemos reconhecer, já não é pouco!

Nas intervenções do poeta emergem vários problemas: alguns relevam do equívoco e outros de manifesta enormidade. Um dos equívocos é o que diz respeito à ciência e à tecnologia. Qualquer língua tem as mesmas condições e potencialidades diante dos desenvolvimentos científicos e técnicos. É claro que se se toma como ponto de partida que determinada língua não possui características que a tornem capaz de incorporar conceitos científicos e tecnológicos (e, no caso moçambicano, o poder político parece perfilhar essa concepção), estará dado o primeiro passo para que se tome como verdade uma concepção pouco condizente com os fatos.

Dizer que quando uma língua desaparece não advém daí nenhum prejuízo para a humanidade é seguramente uma enormidade.

Que dizer de seu posicionamento quanto ao estudo das línguas autóctones? Segundo ele, dever-se-ia apenas preservá-las para o futuro. Mas com que objetivo? Se o próprio Craveirinha não tivesse afirmado que uma língua é importante para se poder conhecer uma civilização, julgaríamos estar em presença de uma declaração de responsável de museu, preocupado apenas em preservar, mas nunca em utilizar o artefato cultural que está à sua guarda.

Parece-nos igualmente uma enormidade a afirmação do poeta de que as línguas autóctones estão no alvorecer da humanidade. Tais concepções nos conduzem irremediavelmente a pensar que essas línguas se apresentam como folhas de papel em branco, onde tudo ainda precisa ser criado. Primeiro, porque não é verdade que a maioria das línguas autóctones se encontre nesse estágio, pois, como se sabe, desde o período colonial, gramáticas e dicionários de muitas delas foram elaborados por missionários e outros estudiosos. Segundo, porque nunca se colocou, nem sequer pelo poder político, a possibilidade de se instituir uma das línguas autóctones como de unidade nacional, língua oficial. Muito mais já se poderia ter sido feito se o Estado moçambicano, saído da independência, tivesse colocado como prioridade o estudo, a sistematização e a introdução de algumas dessas línguas no ensino, ainda que a título experimental. É claro que Craveirinha assume as mesmas posições do poder político quanto a essa matéria, quando afirma que a escolha de uma língua autóctone moçambicana poderia conduzir a clivagens étnicas. A questão não pode ser colocada em termos dicotômicos: ou a língua portuguesa ou as línguas autóctones, mas numa perspectiva de harmonização, num diálogo do qual ambas saíssem enriquecidas.

Já Pedro Chissano considera saudável o confronto que opõe o português às línguas autóctones: “É um processo contínuo que vai decorrer ao longo de muitos anos e que vai certamente apurar e fixar a dicção oral e escrita da nossa língua, o português de Moçambique” (apud Saúte, 1990, p. 17). É claro que Chissano parece estar mais preocupado com o futuro da língua portuguesa, mas pode-se igualmente depreender que ele, ao admitir o confronto, está prevendo o desenvolvimento quer da língua portuguesa, quer das línguas autóctones.

No que diz respeito à literatura, Patrick Chabal (1991, p. 45) afirma que

Escrever em línguas nacionais parece bastante artificial. Quantos moçambicanos poderiam ler tais obras? O caso sul-africano é, neste ponto, bastante diferente, pois desde sempre houve livros, publicações, etc., em línguas africanas e continuar a fazer literatura nessas línguas tem toda a lógica (...). É fato conhecido que nas conferências, simpósios, colóquios, a questão da utilização das línguas moçambicanas reaparece sempre. Tratar-se-á de um sentimento de que algo falta para que o que se escreve seja realmente africano?

Mais adiante, sustenta que (idem, p. 45):

Parece tratar-se de uma questão de insegurança, pois certos autores sentem que mais dia menos dia haverá um retorno às raízes, que os seus países se estão a tornar africanos. Em Moçambique e Angola, por exemplo, este retorno será feito mais dia menos dia e isso pode deixar alguns inseguros. Alguns talvez se sintam ameaçados, outros talvez se digam que não querem ser deixados de lado pela história e que dela querem participar (...). Dos que falam da necessidade de escrever em línguas locais, quantos seriam capazes de escrever nessas línguas? Creio que no caso de Moçambique, por exemplo, praticamente nenhum.17

Mia Couto assume posições bastante pragmáticas e gostaria de vê-las assumidas por linguistas que, ao fim e ao cabo, terão mais possibilidades de eventualmente influenciar aqueles que decidem sobre a política linguística moçambicana. Segundo ele,

Não vale a pena fazer campanhas, decretar imposições. É a vida que vai ditando normas. A função do pesquisador é estar atento ao mundo, e não aos preconceitos. Porque afinal, onde o preconceito vê universos estanques, realidades linguísticas e psicológicas imutáveis, existem, sim, entidades móveis e dinâmicas que se interpenetram. É dessa interrelação que nasce a riqueza, que cresce esse tesouro com que nos tornamos cada vez mais coletivos, cada vez mais indivíduos. (apud Saúte, 1990, p. 17)

Sobre a possibilidade de haver autenticamente uma literatura africana numa língua não africana, Russel Hamilton reconhece que se está perante uma contradição de enorme amplitude, mas que a corrente mais forte é pelo “não”. Segundo ele, isso se deve ao fato de que “a língua humana é particular e expressa-se por gêneros particulares, consoante o modo de expressar conceitos sobre as coisas e o sistema de classificação do seu meio” (Hamilton, 1998ª, p. 5). Procurando exemplificar, diz que existem um modo africano de falar o português, o modo brasileiro e mesmo os portugueses falam de diferentes formas a língua que muitos dizem ser deles (idem).

Conclusão

No vidro da manhã, o sol vem com a sua morna toalha de luz limpar a água gotejada. As horas transparecem, novíssimas. E os minutos, escovados pelo dia, são tão cristalinos, tão diamantes que os homens deixaram de os ver.

Quem disse que a luz era só uma, a mesma? Qual a primeira ausência que sentimos, longe da nossa terra? A Pátria, mereceria dizer, constrói suas imensas fronteiras destas ínfimas gotas, água e luz, os primeiros materiais do mundo. (Couto, 1988, p. 56)

A dimensão da importância da tradição oral na literatura moçambicana é reforçada pelo fato de se atribuir à poesia e aos poetas que lhe devem sua autenticidade um poder visionário e transformador do mundo, interdito (ou melhor, inacessível) a qualquer outra classe de homens.

Constata-se hoje o entrosamento cultural da literatura moçambicana de língua portuguesa, que burila, de forma mais ou menos consciente, a sua originalidade na recriação e partilha de dois universos culturais: o europeu, que lhes legou a escrita, e o africano, de que reinventam, através da escrita, a ancestralidade e as formas orais.

A literatura moçambicana de língua portuguesa trouxe modernidade às literaturas africanas, fazendo coexistir, na maleabilidade da língua, o novo com o antigo, a escrita com a oralidade, numa harmonia híbrida que os textos literários nos deixam fruir.

Portanto, um número significativo de escritores escolheu “moçambicanizar” tanto os temas como o estilo da língua literária europeia com que escrevem. Tentam apropriar-se da língua e remodelá-la na sintaxe, gramática e vocabulário, de modo a refletir a cultura oral moçambicana. Desse modo, contribuem para legitimar o que é, indubitavelmente, uma das mais coerentes experiências de fusão da cultura oral e escrita.

NOTAS

Originalmente publicado na obra Contatos e ressonâncias: literaturas africanas de língua portuguesa, organizada pela Professora Dra. Ângela Vaz Leão, em 2004, publicada pela Editora da PUC Minas. O tema foi desenvolvido na tese de doutorado Entre intenção e gestos a formação do romance angolano, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2000.

2 Dado que a metáfora tem por função apresentar uma ideia sob o signo de uma outra ideia, mais impressionante e mais conhecida, ela tem um poder heurístico: vale não por integrar o domínio de prova, mas, antes, por pertencer ao domínio da descoberta (Ricoeur, 1975, p. 94).

3 Ver Frago (1993, p. 19). Expressões como “cultura oral”, “cultura ágrafa”, “cultura sem escrita”, “cultura não letrada”, “cultura oralista”, “cultura de oralidade primária”, “cultura de forte tradição oral”, “cultura verbo-motora”, entre outras, são utilizadas por vários autores com um significado equivalente ao de “cultura acústica”. Embora no decorrer de nosso trabalho possamos utilizar também algumas dessas expressões, parece-nos ser mais adequada a expressão “cultura acústica”. Essa expressão poderá ser entendida como uma simples metáfora para indicar propriedades de uma cultura que se apoia fundamentalmente no som, no oral, em que a escrita é pouco utilizada. É uma conceituação muito próxima à utilizada por Walter Ong ao referir-se às culturas verbo-motoras, nas quais, por contraposição às da alta tecnologia, as vias de ação e as atitudes diante de várias questões dependem muito mais do uso das palavras e, portanto, da interação humana e muito menos do estímulo não verbal (predominantemente visual) do mundo “objetivo” das coisas (Ong, 1993, p. 72). Ong considera “oralidade primária” a de uma cultura totalmente desprovida de qualquer conhecimento da escrita ou da impressão (Ong, 1998, p. 19). É “primária” por oposição à “oralidade secundária” da atual cultura de alta tecnologia, na qual uma nova oralidade é alimentada pelo telefone, pelo rádio, pela televisão ou por outros dispositivos eletrônicos, cuja existência e funcionamento dependem da escrita e da impressão. Atualmente, a cultura oral primária, no sentido restrito, praticamente não existe, uma vez que todas as culturas têm conhecimento da escrita e sofreram alguns de seus efeitos. Contudo, em diferentes graus, muitas culturas e subculturas, até mesmo num meio de alta tecnologia preservam muito da estrutura mental da oralidade primária (idem, p. 19). Eric Havelock utiliza o termo “acústico” para se referir às convenções comuns da língua que se acham codificadas em nossos cérebros. Considera-as acústicas e não visuais (Havelock, 1996, p. 59).

4 Segundo o próprio Viñao Frago (1993, p. 100), “uma análise esclarecedora dessas diferenças, em termos negativos para a cultura escrita escolar, pode ver-se em G. Harrison & M. Galli Callari. La cultura analfabeta. Barcelona: Dopesa, 1972”.

5 A expressão “antropologia cultural dos sentidos” foi criada pelo historiador Roy Porter em seu prefácio a The foul and the fragrante: odor and the french social imagination (Porter, 1986).

6 A tradição mística cristã, por exemplo, caracteriza-se por um rigoroso ascetismo do corpo, portador de uma rica sensualidade de espírito, que faz com que o divino seja conceptualizado e vencido no êxtase místico através de um conjunto imenso de símbolos sensoriais.

7 No entender de Gilberto Matusse, “o substrato cultural banto de Craveirinha é ronga, etnia do sul de Moçambique (Maputo e arredores). Isso leva a crer que a inspiração mais direta vem da poesia ronga. Há, contudo, muitas afinidades das formas da poesia ronga com as da poesias de outros povos, menos próximos geográfica e linguisticamente (os changanas, os chopes, os suazis, os zulus e outros”. (Matusse, 1993, p. 105).

8 Walter Ong considera monstruoso o uso do conceito “literatura oral”, chegando a afirmar que considerar tradição oral como literatura oral é o mesmo que considerar cavalos como automóveis sem rodas. Em vez da expressão “literatura oral” ele sugere a expressão “formas artísticas exclusivamente orais” ou “formas artísticas verbais” (Ong, 1993, p. 20-23). Somos de opinião que Ong, ao fazer esse tipo de crítica, revela-se demasiado preso à raiz das palavras. Por isso, não vemos razão para não adotarmos a expressão “literatura oral”.

9 O autor, na época em que foi Diretor Provincial de Educação e Cultural na Província de Maputo (1979-1983), trabalhou no Governo Provincial sob a liderança do Governador da Província, General José Moiane, destacado comandante guerrilheiro durante a luta armada de libertação nacional contra o colonialismo português. Esse líder dispunha de um verdadeiro “arsenal” de provérbios que usava com frequência nas próprias reuniões do Governo Provincial. Numa dessas reuniões, na qual se discutiam as formas de atuação dos membros do governo nos vários distritos que compunham a província, já então assolada pela guerra de agressão do regime do apartheid, me recordo de um Diretor Provincial ter feito uma intervenção na qual procurava sensibilizar o Governador para os riscos de atuação dos membros do governo em zonas de guerra. Para o Governador, tal membro do governo estava colocando dificuldades para a realização de uma tarefa, mesmo antes de conhecer e visitar o local que lhe tinha sido cometido. Sua intervenção, feita num tom de grande calma, veio sob a forma de provérbio: “Senhor Diretor, não devemos dizer que aquele saco é pesado, sem que primeiro o coloquemos às costas!”.

10 Henri Junod, que faz um século foi expulso de Moçambique pelo governo colonial português, “acusado de excesso de cumplicidade com as populações entre as quais vivia desde 1889” (Feliciano, 1996, p. 15), produziu um alentado trabalho de 1.040 páginas Usos e costumes dos Bantu (1ª ed. em inglês publicada em 1912/13 e a 1ª ed. em português publicada em 1917) que constitui uma fonte importante para o entendimento das culturas africanas, particularmente as moçambicanas.

1 Filme de Walter Salles, 1998 (Brasil).

2 O conto foi e continua a ser, muitas vezes, encarado como a “forma” adequada, o instrumento narrativo por excelência “africano”. No entanto, talvez mais do que qualquer outro gênero, o conto oral é universal e comum a todas as culturas e continentes.

3 Em Belo Horizonte, vários projetos se espalham pela cidade: 1) Era uma vez no domingo – Na Biblioteca Municipal Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, duas vezes por mês, aos domingos, às 10 horas. Aberto a quem queira contar histórias. Entrada franca. 2) Noite de contos – No Palácio das Artes, uma vez por mês, sempre às quartas-feiras, às 20 horas. Grupos contadores convidados. Ingressos a R$ 5,00 e R$ 2,00 (crianças). 3) Conto sete em ponto – No Tribunal de Justiça, sempre na última quinta-feira do mês, às 19 horas. Grupo contadores convidados. Entrada franca. 4) Noite de contos de todos os cantos – No Instituto Cultural Itaú, sempre na última sexta-feira de cada mês, às 19 horas. Entrada franca (Sebastião, 1998).

4 Alguns exemplos dessa criatividade lexical são apontados por Pires Laranjeira (1993): homenzarrou, depressou-se, fantasiática, carinhenta, esteirados, rebulir, estremungado, tropousar, manifestivo, estremexendo, nuventanias, febrilhante, deslembrara, sozinhidão, pertubabado, gesticalada, irmãodade, exuberante, inutensílio, tintintilar. entrequando, esmãozinhado, exatamesmo, convidançante, mancha-prazeres, embriagordo, veementindo, atordoído, titupiante, inaposento, administraidor.

5 É o caso apresentado por Pires Laranjeira (1993) através de alguns exemplos: “todos partiram, um após nenhum, “o colar que foste dada”, “nem isto guerra nenhuma não é”, “parece está aqui enquanto nem”, “o lugarzinho no enquanto”.

6 Entre essas frases proverbiais pode-se citar: “quanto tempo demora o tempo”, “a escuridão nos faz nascer muitas cabeças”, “no fundo da latrina não pode haver guerra limpa”, “o homem é como a casa: deve ser visto por dentro” (Laranjeira, 1993).

7 Alguns desses poetas, como Luís Carlos Patraquim e Jorge Viegas, vivem em Portugal há já alguns anos.

8 Os únicos exemplos de autores publicados em língua moçambicana (o tsonga) são Gabriel Makavi (já falecido), Bento Sitoe (autor de duas novelas) e Porto Manyisa (que estreou no final da década de 80).

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