J. C. Rodrigues
Novembro 13 1891 (sexta-feira).
Os carpinteiros
[Comentário ao artigo] "Paris que Peine — Ouvriers du Batiment. Les Charpentiers." ["Paris que sofre — Operários da construção. Os carpinteiros."] — Le Figaro, 24 Octobre 1891.
Este belo artigo [...] deve ser considerado como uma épura para esclarecer quanto há de novo e absolutamente estranho às civilizações antigas na propaganda hodierna sob as epígrafes — instrução pública = educação profissional. Antes de 1789, a sociedade se dividia em clero, nobreza e povo, a saber:
1.° Estado. — A teocracia orgulhosa e absoluta batendo o pé aos reis e bradando: —"Omnis potestas a Deu" [Tudo o que podes fazer vem de Deus]; mandava ajoelhar os imperadores antes de ungi-los e coroá-los e só encontrando resistência em Bonaparte;
2.° Estado. — A nobreza = os cavaleiros = os companheiros dos seus conquistadores; representando a violência e a força bruta, como a teocracia representava a mentira e a hipocrisia; a exploração do medo e da ignorância;
3.° Estado. — O povo = tudo quanto trabalhem; tudo quanto necessitava empregar o cérebro e os braços para ganhar o pão cotidiano. — Le Tiers État = O 3.° Estado!
Depois de 1789 as leis fundamentais; as Constituições dos Estados não reconheceram mais classes sociais; mas o demônio do egoísmo e do parasitismo criou uma distinção nova fundada no dinheiro. Qualquer que fosse a origem do capital, ele dava acesso ao 1.° ou ao 2.° Estado; permitia ser bispo ou cardeal, barão, conde ou marquês.
Ao proletariado, a quem não tem dinheiro, fosse ou não seu pré-avô companheiro de são Luís nas estultas guerras contra os maometanos, deu-se uma posição especial de pária da índia; de fellali do Egito; ou de roto do Chile: é o que se chama hoje o A..° Estado = Quatrième État.
A hedionda distinção começa logo na escola. Ao proletariado nega-se todo ensino; a muito custo os filantropos estão conseguindo escolas noturnas e de domingo para os meninos escravizados do capitalismo. Aos parisienses de dinheiro concedeu-se o monopólio da instrução pública, reduzido a uma teocracia egoista, cínica e parasitária; só querendo guardar seus monopólios e privilégios de fabricar pergaminhos, togas, becas, arminhos, capelos e anéis heráldicos.
Tudo isso, profundamente estudado, é tão horrível como a escravidão e como a servidão da gleba.
Cannes, 13 novembro 1891.
André Rebouças.
(In: Cartas da África. Registo de correspondência 1891-1893. Org. Hebe Mattos, p. 46-8).