Carta a D. Pedro II

 André Rebouças

Imperador

Outubro 31 1891 – Vichy-Nouvel Hotel

 
Meu bom imperador,

Já remeti ao nosso Taunay a carta, que acompanhou a prezada de 28 de outubro, a qual ora cumpro o dever de responder. (28 de outubro – última carta do imperador).

Nestes últimos tempos, as preocupações de nosso mísero Brasil têm interrompido os estudos de matemáticas e de socioeconomia.

Vossa Majestade há de ter lido os admiráveis do nosso J. Nabuco – Ilusões republicanas – a obra da abolição, em comemoração do gratíssimo 28 de setembro de 1871.1

Nabuco teve esta frase para ser registrada na História Universal: “O patriotismo do imperador d. Pedro II tocou os limites do gênio”.

E ninguém pode testemunhá-lo mais fielmente do que André Rebouças que o admirou, deliberando de entusiasmo, desde 17 de novembro até 7 de dezembro de 1889.

O José Carlos Rodrigues, que Vossa Majestade honrou com uma visita em Nova York, quando redator proprietário do Novo Mundo, é hoje o diretor do Jornal do Commercio.

Escrevo-lhe, quase todos os dias, para elevá-lo ao nível de Nabuco e Taunay no trabalho para salvar o Brasil da anarquia e da bancarrota. Tenho consciência de haver combatido, com a maior veemência do meu sangue africano, a nefanda República militar escravocrata, da traição e da ingratidão, mas, nem por isso, julgo-me desobrigado de trabalhar com os meus libertados para livrar nossa infeliz pátria da bancarrota argentina e do canibalismo chileno.2

As últimas notícias são tristíssimas de se levantarem barricadas na rua do Ouvidor e há conflito aberto entre o Senado e o ditador.3 Em alguns dias mais, o Brasil ficará como a Argentina, que o próprio Mitre desespera de governar.

Deus não criou continente mais belo do que o Brasil; é um crime, é uma impiedade abandoná-lo a jacobinos sem escrúpulos e a caudilhos sanguinários e cobiçosos.

Esperando encarecidamente o momento de beijar-lhe as mãos, assino-me.

Seu todo o coração.

André Rebouças.

Notas

  1. Data da promulgação da lei que libertou os filhos de mulheres cativas nascidos no Brasil, conhecida como Lei do Ventre Livre.

  2. Referências à crise bancária de 1890 na Argentina, também conhecida como “pânico de 1890”, e à guerra civil no Chile em 1891, decorrente da divisão das Forças Armadas no conflito entre o presidente em exercício José Manuel Balmaceda e o Congresso Nacional. Sobre o Chile, ver Ricardo Ricúpero, “A República e a descoberta d América: nova forma de governo e mudança identitária no Brasil da década de 1890”. Sobre a crise argentina, ver Felipe Amin Filomeno, “A Crise Baring e a crise do Encilhamento nos quadros da economia mundo capitalista”.

  3. Referência à ameaça de bombardeio do Rio de Janeiro por unidades da Marinha brasileira na baía de Guanabara, sob o comando do almirante Custódio de Melo, em reação ao fechamento do Congresso pelo primeiro presidente republicano, marechal Deodoro da Fonseca, o que acabou resultando em sua renúncia (23 de novembro de 1891) e na posse do vice-presidente, marechal Floriano Peixoto. Sobre os acontecimentos políticos da Primeira República, ver o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro e Hebe Mattos, “’A Vida Política’ (Além do voto: cidadania e participação política na Primeira República Brasileira)”.


Referência

REBOUÇAS, André. Cartas da África – Registro de correspondência, 1891-1893. Organização de Hebe Mattos.  São Paulo: Chão Editora, 2022, p. 28-30.

 

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