Protestos, questionamentos e afirmações na poesia de Oliveira Silveira: o empenho no resgate da afro-brasilidade
Elisângela Lopes*
A poesia de Silveira clama pela necessidade de conscientização do negro brasileiro que, muitas vezes, se deixa iludir pelo mito da democracia racial. Essa voz capaz de promover o despertar da consciência está presente no poema "Recado". Nele, o eu-lírico evoca os irmãos de cor: "Negro, / negra: / tua existência é uma resistência", para que eles reflitam sobre a luta dos seus antepassados contra todos os tipos de preconceitos sofridos, e lembra: "todos lutaram contra o lema: / não cresça, desapareça". O negro/negra, a quem essa voz se dirige, estará, no futuro, diante de um impasse "ao escolher / a cor e o amor / da tua companhia", pois deverá resolver " se a luta / prossegue em teu filho / ou inglória / se perde na trilha / da história". (Cadernos negros 3, p. 115).
Em "Negrinho", o eu-poético se dirige ao homem de cor, evocando imagens representativas do estereótipo: "um naco de fumo escuro", "um toco de pito aceso", para depois lhe impingir uma tarefa: "E peço: clareia o rumo / negrinho / de teus irmãos de cor de fumo". (In Camargo: 1986, 61). Em ambos os poemas podemos perceber que o indivíduo é responsável pelo coletivo e que, conseqüentemente, a atitude/postura individual busca ecoar na comunidade.
Outro poema nesta linha é "Treze de Maio", que também poderia se chamar day after, pois promove uma reflexão sobre a vida dos negros brasileiros após a esperada "liberdade" a eles concedida pela abolição da escravatura:
(Razão da chama, p.62)
(Razão da chama, p.64-5)
(Razão da chama, p.64-5).
O texto ressalta a condição reificada do homem negro, a partir da redução do trabalhador do campo à mesma condição de existência do gado. Afinal, ambos restam confinados pelas cercas e "cancelas mudas" que delimitam a propriedade privada. A poesia de Silveira encontra motivação na denúncia dessa nova forma de subjugação dos remanescentes de escravos. Noutra estrofe, lê-se que a carne do animal e a carne humana sofrem as mesmas vicissitudes, "carne escura exposta ao vento (...) carne que se compra e vende". E, na última estrofe, o poeta indaga qual deve ser, de fato, o objeto de sua lamentação, a sorte do homem subalternizado ou a do animal confinado.
Em outro poema, intitulado "Sou", o canto do poeta é comparado à faca, pronta para cortar os laços que cerceiam a sua liberdade:
(Razão da chama, p.36)
Pelos exemplos citados, pode-se notar o quanto Oliveira Silveira alia o protesto negro e o empenho político em resgatar a dignidade étnica a uma construção de alta voltagem poética. Sem deixar de, a todo instante, ecoar a indignação motivada pela condição subalterna de seus irmãos de cor, o poeta nos traz um lirismo carregado de procedimentos e imagens surpreendentes e de uma sonoridade calcada na linguagem regional sulina. Sua poesia supera o nível do protesto e deverá permanecer em nossa literatura como exemplo para as novas gerações.
Referências Bibliográficas:
Cadernos negros 3 poesias. São Paulo: Quilombhoje, 1980.
Razão da chama: antologia de poetas negros brasileiros. Coordenação e seleção de Oswaldo de Camargo; colaboradores: Paulo Colina e Abelardo Rodrigues, São Paulo: GRD, 1986.
Entrevista a Oliveira Silveira. Realizada em janeiro de 2001, na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. In
http://www.portalafro.com.br/portoalegre/oliveira/oliveirasilveira.htm em 03/08/2004.
______________________
*Mestre em Letras pela UFMG