A poesia de Carlos Correia Santos nos Cadernos Negros

Elisângela Lopes*

 

Carlos Correia Santos faz parte da novíssima geração de poetas afrodescendentes espalhados por todo o país que experimentou sua iniciação literária no bojo do Movimento Negro e de outras organizações da sociedade civil, no contexto que se segue ao fim da ditadura militar. O comprometimento político e a assunção da negritude dão o tom de seus textos: “se minha melanina é a menina / Que melindra tanta sina / assassinem-se esses conceitos ‘pré-cínicos’ / Prevaleçam os ninhos e caminhos meus!” (Cadernos negros 21, p. 19)

Em “Apelo à Pele” o eu-lírico invoca a pele escura – “condão de mistura” – motivo de tanta dor, “Malquista e mal vista / Flor”, que se reverte “seja como for / Ata de atitudes / Manta negritude / Cor” (p. 20). Nesse poema, a cor da pele – motivo de discriminação, de dor e de dissabor – passa a exigir do sujeito uma atitude, uma postura individual capaz de transformar os estereótipos e preconceitos ligados à figura do negro. Ela deixará de ser renegada, disfarçada para se transformar em “Manta negritude”, motivo de orgulho, de união e de luta. 

Em “Negação” o eu-lírico se propõe a refutar os signos linguísticos associados à figura do negro – imagens capazes de reforçar o preconceito social, que se manifesta principalmente via linguagem. Um desses signos é a noite, que o eu-poético desconstrói através de uma clara associação: “não, não sou a noite / Não tenho estrelas pelo corpo / Ainda que me açoites / Não sou a noite”. A noite – enquanto representante da negritude, do sombrio (espaço da contravenção e da atuação da marginalidade) –, remete a outra imagem, o breu, e que também será negada: “não brilham luas em meu rosto / Não sou o breu” e finaliza: “é claro que apenas eu sou eu” (p. 21). 

Já em “Negra mente” notamos a presença de uma voz que clama pela necessidade de uma atitude coletiva de conscientização, uma reflexão sobre o que é ser negro em uma sociedade dita isenta de preconceitos, desde que cada um "saiba o seu lugar": “negras, negros, sejamos qual os gregos / Agreguemo-nos, guerreiros, em massa / Castro Alves nos espera na praça / Negrifique-se e faça-se grande / Nasça nessa nossa cor, pois ela é a raça”. (p. 22). Os gregos – representantes do Belo universal branco (e masculino) – foram inseridos no poema como exemplo de força e luta em prol de uma causa nobre: a honra e a dignidade do seu povo. A importância dessa conscientização coletiva e da afirmação identitária está presente nos versos “Negrifique-se e faça-se grande”, ou seja, valorize sua cor, sua condição afro, e juntos seremos grandes, seremos força, massa capaz de promover mudanças.

Referência

RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Márcio; CONCEIÇÃO, Sônia Fátima. Cadernos negros 21: poemas afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje: Editora Anita, 1998.

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* Elisângela Lopes Fialho é Mestre em Teoria da Literatura pela UFMG e Doutora em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa, pela PUC Minas. Professora de Língua e Literatura do IFSULDEMINAS, é coautora de Literatura afro-brasileira: 100 autores do século XVIII ao XXI (2.ed., 2019) e de Literatura afro-brsileira: abordagens na sala de aula (2.ed., 2019).

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