Espaço(s) em cena:

Configuração da rua na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis1

 

Bruno Henrique Muniz Souza2

 

RESUMO: Este artigo pretende abordar o espaço na literatura como algo relacional, não como um mero cenário na qual a narrativa literária ‘acontece’, tornando assim, um processo fundamental na construção de efeitos de sentido dentro da obra literária. Para isso, importa evidenciar como este espaço foi construído textualmente frente às relações político-econômicas da época em que a obra foi escrita.

Palavras - chave: Espaço; Rua; Ideologia; Mulher; Burguesia; Cena enunciativa; Romance; Vozes ideológicas.

 

1- Dimensões do espaço

 

Este subprojeto se insere na pesquisa “Da rua: olhares sobre histórias da literatura brasileira”, da professora doutora Ivete Lara Camargos Walty, que, a partir do conceito de passagens, de Walter Benjamim (2006), pretende delinear uma história da rua na narrativa brasileira. Para isso toma a rua como um conceito que varia no tempo e no espaço, conforme a concepção urbanista que a rege, que, por sua vez, associa-se às relações político-econômicas de cada época.

Assim como no projeto maior, esse subprojeto de pesquisa pretende abordar o espaço não como um mero cenário na qual a narrativa literária ‘acontece’, mas sim como um processo fundamental na construção de efeitos de sentido dentro da obra literária. Para isso, importa evidenciar como este espaço foi construído textualmente frente às relações político-econômicas da época em que a obra foi escrita.

Para corpus desta pesquisa escolhemos um dos romances clássicos da literatura brasileira que é a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Essa escolha se justifica, tanto pela importância da obra de Machado de Assis para a literatura brasileira, como para que, usando novas teorias literárias acerca do espaço como operadores de leitura, possamos fazer dialogar esse clássico da literatura brasileira do século XIX com a contemporaneidade.

Um conceito muito importante para essa análise será o de cena enunciativa. No livro Problemas de Lingüística Geral II, de Émile Benveniste (1989), o autor define que todo o uso da língua é um ato de enunciação em que o indivíduo coloca em funcionamento a língua em um ato individual. Além disso, Benveniste define que no ato de enunciação o locutor define sua posição enunciativa em relação ao mundo, definindo com este movimento, o seu alocutário, ou seja, sempre haverá um “EU” que fala para um “TU” no “AQUI” e ”AGORA” da enunciação:

Por fim, na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que se faz de cada locutor um co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação. (Benveniste, 1989, p.84)

 

Outro teórico que aborda a questão da enunciação é Mikhail Bakhtin. No livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (1981), ele defende que a enunciação deve ser tomada como produto de uma relação entre indivíduos socialmente organizados. Assim é preciso que haja entre esses dois indivíduos certo “horizonte social” definido e estabelecido pela criação ideológica do grupo e da época a que se pertence. Esta definição ampliaria o conceito de enunciação dado por Benveniste já que, para Bakhtin, além da relação EU-TU em um aqui e agora há também a influência da ideologia e do grupo social na produção de qualquer enunciado:

A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação. [...] O centro organizador de toda a enunciação, de toda a expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo. [...] A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística. (Bakhtin; 1981, p.113-121).

Tomando os conceitos destes dois teóricos, buscaremos evidenciar como no decorrer das cenas enunciativas presentes no romance em análise, o espaço pode ser tomado como fruto de um ‘construto ideológico’ da época. Buscaremos com isso evidenciar o local de fala (enunciação) do autor do texto, para assim, perceber textualmente seu posicionamento em relação à sociedade burguesa do século XIX que o cerca.

No entanto, pensar em um único espaço dentro das cenas enunciativas presentes no gênero romance (e porque não em toda a construção literária?) seria ignorar a complexidade das relações interacionais que são tecidas entre a construção do espaço e a construção das personagens dentro do romance.

Deve-se pensar no espaço na narrativa, portanto, como um construto das relações que são tecidas no decorrer das inúmeras cenas enunciativas presentes no romance, evidenciando assim, o local de fala do autor implícito na construção destes espaços. Milton Santos afirma que:

 

[...] o espaço não é nem uma coisa, nem um sistema de coisas, senão uma realidade relacional: coisas e relações juntas. Eis porque sua definição não pode ser encontrada senão em relação a outras realidades: a natureza e a sociedade, mediatizadas pelo trabalho. [...] O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e que os anima, ou seja, a sociedade em movimento. (SANTOS, 1997, p. 26)

 

A partir dessa definição de Santos, analisaremos como se configura a construção de diferentes ‘espaços’ dentro da narrativa tomando como perspectiva as relações de poder que atravessam as diferentes cenas enunciativas no romance em pauta.

 

2- Romance: palco de muitas vozes

 

Para entender a configuração dos espaços presentes na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis faz-se necessário uma rápida abordagem da própria construção do gênero romance.

O romance surge como uma espécie de afirmação da sociedade burguesa, em ascensão no poder nos séculos XVIII e XIX, tornando-se, portanto, um gênero típico burguês desde seu nascimento.

Ao contrário da epopéia que primaria por um discurso monológico personificado na figura do herói, no romance aparece uma multiplicidade de vozes já que cada personagem carrega consigo uma posição ideológica associada ao seu discurso, como define Bakhtin no livro Questões de literatura e de estética. A teoria do romance (1988):

O homem no romance pode agir, não menos que no drama ou na epopéia - mas sua ação é sempre iluminada ideologicamente, é sempre associada ao discurso (ainda virtual), a um motivo ideológico e ocupa uma posição ideológica definida. A ação, o comportamento do personagem no romance são indispensáveis tanto para a revelação como para a experimentação de sua posição ideológica, de sua palavra. (Bakhtin; 1988; p.136)

 

Através desta definição, Bakhtin mostra que o romance é, por excelência, um gênero polifônico em que ocorre o encontro de várias vozes já que cada personagem carregaria consigo seus próprios valores ideológicos. No entanto, deve-se entender que esse encontro não deve ser, necessariamente, um encontro cordial em que as ideologias de cada personagem se harmonizem. Muito pelo contrário, o romance serve de palco para o conflito de várias vozes em que uma tenta se sobrepujar e se tornar dominante em detrimento de outras. Efeito este, que acaba dirigindo a própria construção do espaço do romance.

Assim, mesmo as ideologias que são desprestigiadas pela ideologia dominante burguesa podem ser percebidas na construção do romance, inclusive em sua dimensão espacial.

A partir destes ‘ecos’ das ideologias postas à margem, esta pesquisa buscará evidenciar como elas aparecem na construção dos espaços presentes na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, com foco no espaço do escravo em relação ao senhor, da mulher em relação ao homem, do pobre em relação aos ricos, enfim, relações de poder que permeiam os espaços do romance.

 

3-Espaço da mulher: uma teia de interesses

 

Como se relaciona o espaço da mulher na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis frente as teias de interesses tecidas no texto e na sociedade da época?

 

3.1-Marcela: espaço da mulher como capital

 

A personagem Marcela é o primeiro “amor” do narrador/personagem Brás Cubas. Seu espaço é caracterizado primeiramente por relações interesseiras e sua construção pode ser comparada com um espaço de prostituição.

No decorrer da narrativa o espaço ocupado pela personagem Marcela é desmanchado, o que pode ser percebido no uso da doença como metonímia de seu espaço social. A ideia da prostituição insere-se na narrativa, desde sua ‘primeira fase’ da narrativa, quando percebemos na fala do narrador certo receio ao mencionar seu nome já que o livro que escrevera era considerado, pelo próprio narrador/escritor, como sendo casto. Veja-se este trecho do capítulo 14- O primeiro beijo:

De todas porém a que me cativou logo foi uma... uma... não sei se diga; este livro é casto, ao menos na intenção; na intenção é castíssimo. Mas vá lá; ou se há de dizer tudo ou nada. A que me cativou foi uma dama espanhola. Marcela, a “linda Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. (Machado de Assis, 2004, cap.14, p.40)

 

Notamos aqui o contraponto da construção da mulher pura (representado pela castidade do livro) e a prostituta Marcela. Na obra em análise vemos claramente a associação da personagem Marcela com a questão do capital, como se ela realmente tivesse ‘preço’ dentro da sociedade burguesa que a cercava, como no trecho:

Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil. (Machado de Assis, 2004, cap. 17 p. 45)

 

Percebemos neste trecho que o narrador associa a questão do ‘amor’ que sentia por Marcela com a questão financeira, mostrando, de forma irônica, uma crítica do autor implícito à sociedade burguesa do século XIX, em que tudo (inclusive as pessoas) teriam um preço estipulado e seu valor no mercado.

Essa característica social burguesa é definida por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto comunista como:

(A burguesia) Afogou os êxtases mais celestiais do fervor religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo filisteu, nas águas geladas do calculismo egoísta. Converteu mérito pessoal em valor de troca. E no lugar das incontáveis liberdades reconhecidas e adquiridas, implantou a liberdade única e sem caráter do mercado. (Marx e Engels, s/d, p.12)

 

Verificamos, a partir dessas caracterizações da personagem Marcela, que os espaços que ela ocupava nessa primeira fase da narrativa, sempre estavam associados a um trânsito de vários rapazes, presentes caros, relações de interesse, ou seja, todo um universo relacionado à prostituição, não só da mulher, mas do próprio sistema. Vejamos o trecho também do capítulo 14:

 

Quem quer que fosse, porém, o pai, letrado ou hortelão, a verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes. (Machado de Assis, 2004, cap.14. p.40)

 

Neste trecho vemos que apesar de associada à prostituição, a personagem Marcela não se enquadrava no espaço da rua já que ela não poderia ser vista com seus “estouvamentos e berlindas” pelos olhares da sociedade burguesa em passeios públicos na rua.

Podemos perceber também que em geral a personagem Marcela não se desloca, tendo seu espaço restrito ao bordel, local com um grande trânsito de rapazes, inclusive o narrador/personagem.

Com um movimento de contraposição podemos concluir, a princípio, que o espaço rua (do qual Marcela não fazia parte, pelo menos geograficamente) da obra em análise até então era considerado um espaço para passeios de ‘mulheres de bom caráter’ já que elas poderiam passear sem culpa, mostrando-se para a sociedade burguesa à sua volta.

Observe-se o trecho do capítulo 14, O primeiro beijo:

 

Três dias depois perguntou-me meu tio, em segredo, se queria ir a uma ceia de moças, nos Cajueiros. Fomos; era em casa de Marcela. O Xavier, com todos os seus tubérculos, presidia ao banquete noturno, em que eu pouco ou nada comi, porque só tinha olhos para a dona da casa. Que gentil que estava a espanhola! Havia mais uma meia dúzia de mulheres, — todas de partido —, e bonitas, cheias de graça, mas a espanhola... [...]. (Machado de Assis, 2003,cap.14 p.41. Grifos acrescidos)

 

Um ponto curioso neste trecho é o segredo da festa aludida pelo tio de Brás Cubas de caráter quase dionisíaco. Isso leva a entender que o espaço em que ocorria essa festa não poderia ser exposto para a sociedade da época. Sendo assim, era uma forma de marginalização dentro da cidade, ou seja, era quase que um espaço paralelo na cidade burguesa; existia, porém deveria ser mantido em sigilo para não afetar as aparências sociais de seus freqüentadores. Assim, este espaço na cidade, seria um espaço construído a partir de detritos da sociedade que o cercava, como aborda De Certeau (1999):

 

[...] A “cidade”, à maneira de um nome próprio, oferece assim a capacidade de conceber e construir o espaço a partir de um número finito de propriedades estáveis, isoláveis e articuladas uma sobre a outra. Nesse lugar organizado por operações “especulativas” e classificatórias, combinam-se gestão e eliminação. De um lado, existem uma diferenciação e uma redistribuição das partes em função da cidade, graças a inversões, deslocamentos, acúmulos etc.; de outro lado, rejeita-se tudo aquilo que não é tratável, e constitui portanto os “detritos” de uma administração funcionalista (anormalidade, desvio, doença, morte etc.) [...]

(De Certeau, 1999, p.173)

 

Por fim, conclui-se que o espaço Marcela nessa primeira parte da narrativa se configura como o espaço do interesse, já que a personagem tem seu ‘valor de mercado’ dentro da sociedade burguesa, quase que como um produto exposto na vitrine do capitalismo3. Percebemos, então, também a crítica do autor implícito em relação a essa condição da personagem Marcela através das ironias presentes no texto.

Dando um salto na narrativa chegamos ao capítulo 38 intitulado “A quarta edição”, para chegarmos à segunda parte da caracterização do espaço de Marcela. Nessa parte da narrativa, Brás Cubas já havia terminado seus estudos na Europa e retornado ao Brasil para ver a sua mãe que estava à beira da morte.

Em uma caminhada pela Rua dos Ourives, Brás Cubas percebe que seu relógio havia quebrado e logo ele entra na primeira loja para poder consertá-lo e, para sua surpresa, eis que ele encontra trabalhando na loja Marcela.

A essa altura, Marcela já não era a mais bela de sua juventude, muito pelo contrário. Era agora caracterizada como uma pessoa velha, doente e cheia de bexigas no rosto, como e pode conferir neste trecho do capítulo 38 – “A quarta edição”:

 

Ao fundo, por trás do balcão, estava sentada uma mulher, cujo rosto amarelo e bexiguento não se destacava logo à primeira vista; mas logo que se destacava era um espetáculo curioso. Não podia ter sido feia; ao contrário, via-se que fora bonita, e não pouco bonita; mas a doença e uma velhice precoce destruíram-lhe a flor das graças. As bexigas tinham sido terríveis; os sinais, grandes e muitos, faziam saliências e encarnas, declives e aclives, e davam uma sensação de lixa grossa, enormemente grossa

Eram os olhos a melhor parte do vulto, e aliás tinham uma expressão singular e repugnante, que mudou, entretanto, logo que eu comecei a falar. Quanto ao cabelo, estava ruço e quase tão poento como os portais da loja. Num dos dedos da mão esquerda fulgia-lhe um diamante. Crêeis, pósteros? Essa mulher era Marcela. (Machado de Assis. 2003, cap.38, p.77)

Notamos agora que a bela e formosa prostituta Marcela se transformou, com o passar dos anos e com a proliferação das doenças, em uma velha de aspecto grotesco e repugnante, pelo menos em primeiro plano,como resultado do seu passado ‘pouco ortodoxo’ para os padrões da sociedade da época.

Observe-se que os sinais dessa mudança de características da personagem são anunciados já na descrição do espaço da loja que ela ocupa agora:

 

Dadas as voltas, ao passar pela Rua dos Ourives, consulto o relógio e cai-me o vidro na calçada. Entro na primeira loja que tinha à mão; era um cubículo, — pouco mais, — empoeirado e escuro. Ao fundo, por trás do balcão, estava sentada uma mulher, cujo rosto amarelo e bexiguento não se destacava logo à primeira vista; mas logo que se destacava era um espetáculo curioso. (Machado de Assis, 2003, Cap.38.p.77-78 – grifos acrescentados).

 

Ainda no decorrer desse capítulo o espaço que Marcela ocupava é caracterizado pelo narrador em outra cena enunciativa:

 

Verdade é que tinha a alma decrépita. Vendera tudo, quase tudo; um homem, que a amara outrora, e lhe morreu nos braços, deixara-lhe aquela loja de ourivesaria, mas, para que a desgraça fosse completa, era agora pouco buscada a loja — talvez pela singularidade de a dirigir uma mulher.

(Machado de Assis, 2003, cap.38, p.77-78).

 

Percebemos nesses trechos que o espaço de luxo e glamour que Marcela ocupava na sua primeira fase da narrativa, também muda completamente acompanhando a caracterização da personagem. A casa que era grande e ampla se transformou em um cubículo empoeirado e escuro, fruto da vida de prostituição de outrora.

Percebemos que este espaço em que Marcela vive agora ainda é considerado pela sociedade da época como marginal na cidade burguesa, fato este comprovado pelo pouco movimento deste estabelecimento devido ao fato de ele ser controlado por uma mulher: “para que a desgraça fosse completa, era agora pouco buscada a loja — talvez pela singularidade de a dirigir uma mulher[...]”, mostrando assim mais uma faceta da sociedade patriarcal do século XIX.

Portanto, chega-se à conclusão de que o espaço de Marcela na segunda parte da narrativa pode ser considerado como um espaço da doença, já que fica evidenciada a relação deste espaço com as características físicas da personagem. Essa doença faz-se, então, metáfora da moral da personagem no decorrer da narrativa como se fosse um reflexo da sua vida de prostituição. Mais do que isso, no entanto, o espaço físico, o corpo e a alma deteriorados deixam antever, mais do que a degradação da prostituta, a degradação das relações sociais que regiam a vida da sociedade.

 

3.2- Virgília: a face burguesa de Marcela

 

Na segunda parte da narrativa encontramos a personagem Virgília que foi o “grão pecado” de Brás Cubas (de acordo com as palavras do próprio narrador no capítulo 9 “Transição”. Virgília era filha do Conselheiro Dutra, sendo ele, segundo Bento Cubas, uma importante influência política da época.

Notamos, aparentemente, uma distinção entre as personagens Marcela e Virgília. A prostituta Marcela era filha de um hortelão das Astúrias4 o que a colocava em uma posição social inferior à da família de Brás Cubas. Já Virgília era filha de uma autoridade influente na carreira política, ocupando, portanto, uma posição social igual ou superior à da família de Brás Cubas.

Essa distinção é refletida no espaço que cada personagem ocupa dentro da obra. Ao contrário do espaço da prostituição característico de Marcela, o espaço de Virgília é caracterizado, nesse primeiro momento da narrativa, pela família, já que ela sempre está associada ao espaço da casa do Dutra.

No entanto, essa aparente distinção entre Marcela e Virgília acaba funcionando também como uma aproximação entre o espaço que as duas personagens ocupam. Para Brás e Bento Cubas, a figura de Virgília representa a ascensão político-social, pois o casamento entre ela e Brás Cubas facilitaria sua futura candidatura a deputado, o que era de interesse de Brás e, principalmente, de Bento Cubas. Vejamos o trecho a seguir do capítulo 26- “O autor hesita”:

 

Creio haver dito que era de um dos Regentes. Leu-ma duas vezes.

— Já lhe fui agradecer este sinal de consideração, concluiu meu pai, e acho que deves ir também...

— Eu?

— Tu; é um homem notável, faz hoje as vezes de Imperador. Demais trago comigo uma idéia, um projeto, ou... sim, digo-te tudo; trago dois projetos, um lugar de deputado e um casamento.

Meu pai disse isto com pausa, e não no mesmo tom, mas dando às palavras um jeito e disposição, cujo fim era cavá-las mais profundamente no meu espírito. A proposta, porém, desdizia tanto das minhas sensações últimas. (Machado de Assis, 2003, cap.26, p.62-63).

 

Percebemos nesse excerto que o casamento (ou a possibilidade dele) que costuma ser caracterizado como uma relação solidificada pelo amor, acaba sendo ‘subvertida’ por questões de interesse, pois a única preocupação de Bento Cubas acerca do casamento do filho é com os benefícios políticos que essa união irá gerar para a vida pública de Brás Cubas.

Nesse ponto, Marcela e Virgília se aproximam, pois, como vimos, as relações em que Marcela se envolvia também eram reguladas pelo interesse. A diferença é que enquanto as relações de Marcela baseavam-se no seu valor econômico, as relações de Virgília, por sua vez, eram reguladas pelo seu valor social, como moeda de troca, dentro da sociedade burguesa.

 

Então apareceu o Lobo Neves, um homem que não era mais esbelto que eu, nem mais elegante, nem mais lido, nem mais simpático, e todavia foi quem me arrebatou Virgília e a candidatura [...]Uma semana depois, Virgília perguntou ao Lobo Neves, a sorrir, quando seria ele ministro.

— Pela minha vontade, já; pela dos outros, daqui a um ano. Virgília replicou:

— Promete que algum dia me fará baronesa?

— Marquesa, porque eu serei marquês.

Desde então fiquei perdido. Virgília comparou a águia e o pavão, e elegeu a águia, deixando o pavão com o seu espanto, o seu despeito, e três ou quatro beijos que lhe dera. (Machado de Assis, 2003, cap.43, p.83-84).

 

Verificamos nesse trecho novamente a associação do casamento com o interesse social e político. Observamos também que Virgília dá valor ao status político que o casamento com Lobo Neves irá lhe proporcionar, mostrando assim, que também ela participava ativamente do jogo de interesses envolvidos naquela situação (assim como Marcela envolvida na sedução dos homens em seu prostíbulo).

Outro ponto que fortalece a questão do interesse de Virgília está presente nas metáforas do pavão e da águia no capítulo supracitado capítulo. Através dessa metáfora, vemos a associação que há entre Brás Cubas e a figura do pavão, e a associação entre Lobo Neves e a águia.

Simbolicamente, o pavão representa beleza, charme, vaidade e, sobretudo, a posição do sol no sentido de algo muito importante. Todas essas características se encaixam no perfil do conquistador que é encarnado por Brás Cubas na sua juventude e durante toda a narrativa.

Já a águia representa simbolicamente a rainha das aves, que voa mais alto e excelente predadora. Além disso, essa figura é associada aos grandes reis e heróis da antiguidade, sempre ligada ao poder. Encontramos também essas características em Lobo Neves já que sua carreira política foi, graças à sua esperteza, próspera, ao contrário da vida pública de Brás Cubas.

Percebemos nessa comparação que Virgilia preferiu, metaforicamente, a águia/Lobo Neves, pois ela alcançaria patamares sociais mais altos do que o pavão/ Brás Cubas, que, apesar da beleza e da vaidade, não possuía tantas perspectivas de ascensão social quanto Lobo Neves.

Encontramos o segundo espaço ocupado pela personagem Virgília após o seu casamento com Lobo Neves. No enredo da história, Virgília se divide entre a casa de Lobo Neves onde tem que cuidar do seu marido, juntamente com seu filho pequeno, como uma típica dona de casa burguesa, e a casa do recanto da Gamboa onde ela mantém uma vida adúltera com Brás Cubas.

A casa da Gamboa era um lugar propositadamente afastado da sociedade burguesa influente da época, para manter oculta a relação entre Brás Cubas e Virgília. Essa casa foi descrita pelo narrador no capítulo 67 “A casinha” como

 

Vi que era impossível separar duas coisas que no espírito dela (Virgília) estavam inteiramente ligadas: o nosso amor e a consideração pública. Virgília era capaz de iguais e grandes sacrifícios para conservar ambas as vantagens, e a fuga só lhe deixava uma. [...] Vá lá; arranjemos a casinha.

Com efeito, achei-a, dias depois, expressamente feita num recanto da Gamboa. Um brinco! Nova, caiada de fresco, com quatro janelas na frente e duas de cada lado todas com venezianas cor de tijolo,— trepadeira nos cantos, jardim na frente; mistério e solidão. Um brinco!.(Machado de Assis. 2003, cap. 67, p. 114)

 

Vemos na construção textual desse espaço ocupado por Virgília que ele, mais uma vez, retoma a relação de interesse que cerca o casamento da personagem, pois salvar as aparências era salvar o casamento lucrativo. Outro ponto importante desse espaço é a semelhança dele com o prostíbulo de Marcela, já que ambos possuem como principal característica o fato de serem afastados dos olhos da sociedade, como demonstrado acima nesta análise.

Nesse aspecto, ocorre a semelhança entre a relação das personagens Marcela e Virgília com a rua. Como vimos, o espaço da personagem Marcela, apesar de esta ser uma prostituta, não se caracteriza como a rua, o que é evidenciado pelo fato de ela não circular durante toda a narrativa. Já Virgília circula de sua casa para a outra, assim caracterizada pelo narrador: no excerto “A casinha”:

 

A casa (da Gamboa) resgatava-me tudo; o mundo vulgar terminaria à porta — dali para dentro era o infinito, um mundo eterno, superior, excepcional, nosso, somente nosso, sem leis, sem instituições, sem baronesas, sem olheiros, sem escutas. (Machado de Assis, 2003, cap. 67, p. 115.)

 

Através de uma análise contrastiva, podemos perceber como é a relação entre Virgília e a rua. Vemos que a rua (descrita como ‘aquilo que ficava fora daquela casa’) era a representação do mundo burguês, pois ela teria que resguardar certos valores que impediriam o bom relacionamento entre o casal Brás e Virgília.

Temos na casa da Gamboa, portanto, um espaço afastado dos olhares burgueses da época, já que tanto Brás Cubas quanto Virgília precisariam resguardar as suas posições sociais. A rua seria, pois, o espaço por excelência da moral burguesa já que seus ‘rostos sociais’ deveriam permanecer intactos frente a desconfiança dos olhares da elite burguesa.

Até aqui, podemos notar a aproximação entre o espaço da mulher burguesa representada por Virgília e o espaço da mulher prostituta representada por Marcela, já que a construção de ambas é guiada pelo fio condutor caracterizado pelas relações de interesse.

Após mostrar estas aproximações indiretas feitas pelo autor implícito das personagens Virgília e Marcela, cabe aqui a análise do episódio em que, diretamente, os espaços das duas personagens se aproximam e se fundem hipocritamente, descrito no capítulo 41 “A alucinação”:

 

Fitei-a muito, e a sensação foi tão penosa, que recuei um passo e desviei a vista. Tomei a olhá-la. As bexigas tinham-lhe comido o rosto; a pele, ainda na véspera tão fina, rosada e pura, aparecia-me agora amarela, estigmada pelo mesmo flagelo que devastara o rosto da espanhola [...].(Machado de Assis. 2003, cap. 41, ps. 81-82)

 

Como vimos na análise do espaço ocupado por Marcela, as bexigas representariam o fardo moral da personagem graças à sua vida de prostituição. Quando o narrador percebe, através de sua alucinação, as bexigas também em Virgília, notamos definitivamente a aproximação das duas personagens ligadas pelas suas escolhas morais (bexigas) e pelas hipócritas regras sociais.

Na construção dessa aproximação, percebemos a crítica que o autor implícito faz à mulher burguesa já que ele coloca no mesmo patamar a prostituta Marcela e a burguesa de família influente Virgília. Com isso, faz uma crítica que se estende à organização social capitalista e seu jogo de troca.

Por essa razão, pode-se dizer que Virgília é a face burguesa de Marcela, tanto pelo fato das inúmeras aproximações que ocorrem entre as personagens, mas, principalmente, pela configuração dos espaços que as duas personagens ocupam no decorrer de toda obra.

3.3 –Eugênia: uma mulher fora do mercado

 

Encontramos no decorrer da obra em análise, uma personagem feminina, Eugênia, que destoa das características morais e físicas das personagens Marcela e Virgilia, já que ela aparentava preceitos de pureza e inocência da mulher romântica. Eugênia, filha da Dona Eusébia e do Doutor Vilaça, é descrita pelo narrador como a flor da moita devido ao episódio em que Vilaça e Eusébia se beijaram escondidos em uma moita:

 

Em verdade, ela (Eugênia) parecia ainda mais mulher do que era; seria criança nos seus folgares de moça; mas assim quieta, impassível, tinha a compostura da mulher casada. Talvez essa circunstância lhe diminuía um pouco da graça virginal. [...].(Machado de Assis. 2003, cap. 30, p. 68)

 

Vemos que o narrador ressalta o caráter virginal da personagem, além da sua postura de mulher casada (ou seja, recatada), ao se posicionar em relação a ele enquanto homem. Deste modo, vemos que as características de Eugênia parecem se afastar daquelas das outras personagens femininas analisadas até aqui.

Além disso, notamos que Eugênia é a única personagem feminina que, de fato, é vista em passeios pela rua no decorrer da obra5. Pode-se inferir que esse fato se deve a ela ser a única personagem pura aos olhos da sociedade burguesa, pois ela não possuía nenhum fardo moral para carregar, ao contrário das outras personagens femininas, e que, portanto, poderia caminhar sem culpa pela rua.

No entanto, percebemos no decorrer da construção da personagem que a sua pureza é ofuscada pelo seu defeito físico já que ela era coxa de nascença. Observe-se este trecho do capítulo 32 Coxa de nascença:

 

Eugênia coxeava um pouco, tão pouco, que eu cheguei a perguntar-lhe se machucara o pé. A mãe calou-se; a filha respondeu sem titubear:

— Não, senhor, sou coxa de nascença.

Mandei-me a todos os diabos; chamei-me desastrado, grosseirão. Com efeito, a simples possibilidade de ser coxa era bastante para lhe não perguntar nada. [...](Machado de Assis, 2003, cap. 32, p. 71 )

 

Logo em seguida, no capítulo 33 “Bem aventurados os que não descem”, o narrador continua a refletir reiteradamente sobre o fato de Eugênia ser coxa:

 

O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita? Tal era a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo ao voltar para casa, de noite, sem atinar com a solução do enigma.(Machado de Assis, 2003, cap. 33 p.72 )

 

Nestes dois excertos, vemos como o narrador exacerba o defeito físico da personagem Eugênia, sendo este defeito o motivo da total perda do interesse dele para com Eugênia.

O fato de ser coxo (ou manco), simbolicamente, representa a punição que um ser recebe por uma afronta aos deuses; temos como os exemplos clássicos de personagens coxos o deus Hefesto (Vulcano) e Édipo.

Além disso, encontra-se no Dicionário de símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2009), a seguinte definição para coxo:

 

Essa claudicação (imperfeição de ser coxo) simboliza a marca a ferro candente naqueles que se aproximam do poder e da glória da divindade suprema, mas também simboliza a incapacidade de rivalizar com o Todo-Poderoso. (Chevalier e Gheerbrant, 2009. p. 298).

 

A exacerbação do defeito físico da personagem parece funcionar em um primeiro momento, como conseqüência da pureza que ela carrega. Isso se reflete na recorrência da contraposição entre a beleza da personagem e o seu defeito físico “Por que bonita, se coxa? Por que coxa se bonita?”.

Porém, se contrapomos as características de Marcela e Virgília às de Eugênia, percebemos que, apesar de Eugênia não possuir nenhum fardo moral como as outras personagens6, ela acaba tendo que carregar o fardo de sua inocência angelical, fardo este, pago na própria carne através de seu andar manco, pois não vai se casar.

Portanto, o fato de Eugênia ser manca acaba desqualificando-a em relação às outras personagens, pois em uma sociedade burguesa de valorização da aparência, a inocência e a pureza acabam funcionando como uma falha mal vista pela sociedade que a cercava.

Assim, percebemos que, em contraposição com os espaços de Virgília e Marcela, o espaço da personagem Eugênia se configura como aquele de quem está à margem da sociedade de interesses da burguesia, sendo essa exclusão, explicitada na própria carne da personagem, através de seu defeito físico.

 

Conclusão:

 

Rua do século XIX:

Um espaço público burguês

 

Verificamos nesta análise como o espaço da mulher é construído de modo a revelar as relações de interesses envolvidas nas cenas enunciativas presentes ao longo do romance. Tais relações revelaram que, a despeito de uma submissão ao homem, a mulher muitas vezes assume o lugar de agente no processo. Senão vejamos:

Através da análise dos espaços ocupados pelas três principais personagens femininas da obra, Marcela, Virgilia e Eugênia, notamos relações interessantes de aproximação entre os espaços que cada uma ocupava dentro do romance.

O espaço da prostituta Marcela foi construído, em sua primeira fase na narrativa, como um espaço da mulher como capital. Marcela manipulava os jovens burgueses, incluindo Brás Cubas, e, através do seu charme e poder de sedução, auferia lucros.

Como demonstrado, as relação afetivas que envolviam Marcela eram sempre calcadas no interesse financeiro. O amor, tão canonicamente associado a um sentimento gratuito entre duas pessoas, na obra, é medido em contos de reis, o que transforma as relações afetivas, em relações comerciais.

Observamos que o espaço de Marcela não abarca a rua, já que seu espaço se restringe, nesse primeiro momento, ao seu luxuoso prostíbulo, longe dos olhares burgueses que permeavam a rua do século XIX.

Já na segunda fase de Marcela na narrativa, seu espaço é caracterizado pela doença. As bexigas que corroem seu rosto se tornaram o seu fardo moral, reflexo da sua vida de prostituição. A formosa prostituta de outrora se transformou em um detrito da sociedade burguesa, ficando ela, de acordo com a metáfora do próprio narrador, tão empoeirada como os móveis da loja que ocupava.

O espaço da personagem Marcela é construído, metonimicamente, como o espaço da degradação da sociedade burguesa graças as suas bexigas que explicitam as relações de interesses de que ela participava.

Já na configuração do espaço de Virgilia, verificamos as aproximações que ocorrem entre o espaço da mulher burguesa de família influente dentro da sociedade da época e o espaço da prostituta Marcela.

Ambos os espaços são tecidos pelo fio condutor do interesse. Virgília, no seu primeiro momento na narrativa, é uma importante ferramenta para se alcançar um patamar político elevado através de um casamento por interesse.

No entanto, percebemos que Virgilia participa efetivamente desse jogo de interesses quando ela prefere se casar com Lobo Neves em detrimento de Brás Cubas, já que o primeiro alcançaria status social mais elevado dentro da sociedade burguesa.

Observamos que Virgilia, assim como Marcela, não é associada ao espaço da rua, já que ela deveria ficar longe dos olhares da sociedade burguesa para ocultar as suas traições que ocorriam na casa da Gamboa na sua segunda fase da narrativa. O caminhar de Virgilia aqui é apenas sugerido; na construção textual, não se encontram descrições de passeios ou caminhadas de Virgilia, o que a aproxima ainda mais, do espaço que ocupava a personagem Marcela, pois ambas deveriam ficar, como foi dito, longe dos olhares burgueses presentes na rua.

Outro ponto que chama atenção na construção dos espaços Virgilia e Marcela ocorre no episódio do capítulo A alucinação, em que textualmente, ocorre a aproximação entre Virgilia e Marcela através das bexigas, representações do fardo moral das personagens, que são ‘compartilhadas’ pelas personagens.

Já em relação à personagem Eugênia, observamos que o espaço da mulher parece estar fora das relações de interesse que permeiam toda a obra. No entanto, Eugênia, “a flor da moita”, apesar de ser a única personagem feminina com “um caráter virginal e postura de mulher casada” nas palavras do próprio narrador, não se casa. Isso porque a beleza física é moeda corrente nessas relações.

Por isso mesmo, ela acaba se tornando uma mulher fora do mercado das relações de interesse, graças ao seu defeito físico. Apesar de Eugênia ser a única que pode caminhar pela rua em passeios públicos, ela acaba, como se viu, ficando desprestigiada em relação às outras personagens por não ser considerada uma boa moeda de troca dentro da sociedade burguesa. Eugênia retorna, metaforicamente, ao espaço da moita que a caracteriza, sendo esse um espaço de exclusão.

Percebemos também, como os demais espaços presentes no romance se relacionam entre si, formando uma teia ideológica que representa as mazelas da sociedade burguesa da época. O espaço da burguesa de família nobre se aproxima do espaço da prostituta. A donzela pura é relegada à exclusão de uma moita graças ao seu defeito físico que a tira das relações de moeda de troca no romance.

A rua, espaço público por excelência, se faz presente na obra como um espaço textualmente construído sob o controle dos olhares burgueses. Todos aqueles que fogem da cartilha da moral burguesa são postos à margem dessa sociedade e do espaço que a representa. Vemos que o espaço público da rua parece possuir um dono representado pela burguesia dominante.

Por fim, para a continuação deste projeto, cabe uma análise mais detalhada dos outros espaços presentes no romance em análise. Um espaço interessante a ser analisado em seguida, por exemplo, é o espaço do negro na rua em sua relação com o senhor. Isso porque o espaço, como constructo textual revela relações de poder que ocultadas no espaço como constructo ideológico.

 

Referências:

 

ARANTES, Antônio A (org)/O espaço da diferença – Campinas, SP: Papirus. 2000. Capítulos 5 e 6.

BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. 3.ed. Tradução do russo Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 421p.

BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Trad. Aurora F. Bernardini et al. São Paulo: Ed: Unesp Hucitec., 1993

BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral I. 4.ed. Tradução de Maria da Glória Novak e Maria Luiza Néri. Campinas (SP): Pontes, 1995. 387p. ( Linguagem crítica)

BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral II. Tradução de. Eduardo Guimarães et al. Campinas (SP): Pontes, 1989. 294p. ( Linguagem Crítica)

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1 artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Tradução de Flavio Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

MASSEY, Dorren B. Pelo espaço: Uma nova política da espacialidade. Tradução: Hilda pareto Maciel; Rogério Haesbarert Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1988.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem – São Paulo: HUCITEC, 1982.

WOLTON, Dominique. Espaço público. In: Pensar a comunicação. Brasília: EdUnB, 2004.

 

1 Artigo referente ao primeiro ano de pesquisa (2009-2010) como bolsista financiado pelo CNPq, sendo esse projeto, vinculado à pesquisa “Da rua: olhares sobre histórias da literatura brasileira”, coordenada pela professora doutora Ivete Lara Camargos Walty.

2 Graduando do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Participante, desde 2009, do grupo de pesquisa “Da rua: olhares sobre histórias da literatura brasileira”, coordenado pela professora doutora Ivete Lara Camargos Walty, sendo bolsista de iniciação científica financiado pelo CNPq desde 2009.

3 Cabe ressaltar que o capitalismo brasileiro não seguia os mesmo moldes do capitalismo europeu devido, entre outras coisas, ao modelo econômico escravocrata que ainda existia no Brasil, conforme bem mostra Schwarz, em As idéias fora do lugar (...).

4 Fato este que a personagem Marcela tenta esconder dizendo que ela era filha de um letrado de Madri para parecer de uma classe superior como comprovado no capítulo 14 “Primeiro beijo”.

5 Cabe aqui a ressalva de que a personagem Virgília também usa a rua para cumprir os compromissos ao lado de Lobo Neves, e posteriormente, para ir à casa da Gamboa, mas esse deslocamento é apenas sugerido, já que o narrador não descreve esse percurso textualmente.

6 Fardo moral este que também acarretou em um defeito físico caracterizado pelas bexigas como vimos nesta análise.

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