DADOS BIOGRÁFICOS
Nascida em Cachoeira Paulista-SP, em 13 de junho de 1920, Ruth Botelho Guimarães, além de poeta, romancista, contista, cronista, jornalista e teatróloga, notabilizou-se como tradutora e pesquisadora da literatura oral no Brasil.1 Além disso, lecionou Língua Portuguesa por mais de 30 anos em escolas da rede pública de São Paulo.
Ainda menina, revelou-se poeta e, aos dez anos de idade, já publicava seus primeiros versos nos jornais A Região e A Notícia, ambos de circulação local. Aos dezoito anos, mudou-se para a capital paulista a fim de prosseguir seus estudos na USP, onde concluiu os cursos de Filosofia e, mais tarde, de Letras Clássicas. Cursou também Folclore e Estética.
Como jornalista, colaborou na imprensa paulista e carioca, mantendo também por vários anos uma seção permanente de literatura nas páginas da Revista do Globo, de Porto Alegre, em que resenhava livros, mantinha um concurso de contos, e onde publicou seus primeiros textos literários e traduções. Escreveu, também, crônicas e críticas literárias nas páginas de Correio Paulistano, A Gazeta, Diário de São Paulo, Folha de Manhã e Folha de São Paulo.
É como romancista que Guimarães consegue projeção nacional. Em 1946, publica Água funda, obra aplaudida por intelectuais de peso como Nelson Werneck Sodré e Antonio Candido, que assina o prefácio da segunda edição. Para o crítico, "Ruth Guimarães nos prende porque tem a capacidade de representar a vida por meio da ilusão literária, graças à insinuante voz narrativa que inventou." (2003, p. 11).
Já para o escritor e crítico Oswaldo de Camargo,
Com o romance Água funda, Ruth Guimarães oferece uma intensa e deliciosa viagem pelo universo caipira da fazenda Olhos D'água, localizada em uma cidadezinha do interior mineiro, aos pés da Serra da Mantiqueira. O mundo de atmosfera mágica por onde desfilam senhores e sinhás, contadores de casos, ou causos, e no qual a superstição e o sobrenatural muitas vezes orientam a vida cotidiana. (apresentação da autora durante debate no Museu Afro Brasil, em 2007).
Pode-se dizer que Ruth Guimarães foi uma das primeiras escritoras negras a ocupar espaço nacional no cenário da literatura brasileira. Estudiosa da cultura popular, principalmente do folclore, e autora de diversas obras que valorizam essa vertente da nossa cultura, Ruth teve como mestre ninguém menos que Mário de Andrade. Segundo a escritora e pesquisadora, Mário foi o grande responsável por apresentá-la melhor ao folclore brasileiro. Entre suas dezenas de publicações, destacam-se, além de Água Funda, Calidoscópio - A saga de Pedro Malazarte, Lendas e Fábulas do Brasil, Contos de Cidadezinha e o ensaio Os filhos do medo. Traduziu Balzac, Dostoievski, Daudet e Apuleio, além de ser autora de um importante dicionário da Mitologia Grega.
Em 2007, Ruth concedeu um depoimento no seminário “Encontro de Gerações”, promovido pelo Museu Afro Brasil, em São Paulo, em que aborda seu trabalho e a questão do negro em nosso país:
Minha formação é totalmente anônima, mergulhada na literatura brasileira, uma literatura sem escolha. Aliás, todos nós brasileiros estudamos literatura de uma maneira desorganizada; a gente lê o que quer, o que gosta, os professores dão um texto aqui, outro ali, nada sistematizado, com um sentido e programação. Quando nós chegamos ao fim, se é que a gente pode dizer ao fim, temos uma espécie de formação mista; assim como somos um povo mestiço, todo cheio de misturas de todo jeito, a nossa literatura também é toda feita de pedaços de textos, de arrumações aqui e ali. Não há nada que nos torne inteiriços, inteiros. Minha literatura é isso também. Eu conto a história da roça, de gente da roça, do caipira. Eu também sou caipira, modéstia à parte. Eu não me importei muito se havia uma tendência, ou se havia uma inclinação para contar a história do preto; como eu também sou misturada, o meu livro é misturado. Como eu sou brasileira, nesse sentido de brasileiro todo um pouco para lá, um pouco para cá, o meu livro também é assim, um pouco para lá, um pouco para cá. (...)
Nós precisamos saber da raiz negra de onde viemos. A história negra está por fazer, a literatura negra está por fazer, a poesia está por fazer. Eu, depois de velha, resolvi pesquisar e, para isso, eu estou contando e escrevendo histórias, tentando fazer um fabulário brasileiro, não só com pesquisa entre negros, mas entre o povo, todo o nosso povo e, ocasionalmente, quando se faz o estudo aí a gente separa: isso daqui para lá é dos pretos, isto de lá para cá é de todo mundo. Muita gente já fez esses estudos e até descobriram uma coisa muito bonita, muito gratificante para a gente: que todas aquelas qualidades do povo brasileiro, aquele povo igual, alegre, que aceita, que aguenta os trancos, que passa por tudo quanto é ruindade neste mundo, essa qualidade boa, excelente, que faz de nós um povo único no mundo, nós devemos aos negros. Os negros é que são assim, aguentaram e continuam aguentando; não sei se são muito pacientes. Se for medir por mim, porque o homem é a medida do homem, se for medir por mim, essa qualidade de paciência nós não temos. Eu não tenho paciência. Não sou uma criatura paciente, mas sou uma criatura alegre, graças aos meus ascendentes negros. E agora, depois de muito velha, estou fazendo pesquisa e procurando o rastro do negro na nossa literatura de povo e na nossa alegria de contar histórias.
Água funda é um livro engraçado, livro da vida de todos os dias, é um livro de “acontecências”. Qualquer vida dá uma água funda, qualquer um de nós escreve um diário e conta aquelas coisas de todos os dias e vai sair uma água funda. Porque a verdade do livro, alegria, o que o livro tem de bom, de literário, é que ele é um livro de todos os dias, que acontece na vida de cada um. A gente procura o que tem na Água funda; nada, nem água. Claro, eu aprendi português em primeiro lugar, que é uma coisa que eu receito para os neo-escritores: que façam o favor de aprender português em primeiro lugar para depois escrever sua água funda. Estou sempre brigando por isso, aliás, eu sou professora, sou pela competência; se alguém vai escrever um livro, que leia os bons autores, que estude os bons autores, que assista aos bons filmes, que converse com gente que sabe falar, que viva a sua vida bastante e bem. Viva a vida completamente. Emocionalmente a pessoa tem que estar apta. (Depoimento concedido ao seminário "Encontro de Gerações", promovido pelo Museu Afro Brasil, em 2007. In: Ruth Guimarães assume vaga na Academia Paulista de Letras, aos 88 anos).
Em 18 de setembro de 2008, a escritora foi empossada na Academia Paulista de Letras, sendo eleita imortal em 5 de junho do mesmo ano, com 30 dos 34 votos válidos. Às vésperas de completar 89 anos, foi convidada pelo prefeito Fabiano Vieira para assumir a pasta da Cultura em Cachoeira Paulista, na sua cidade natal. Após aceitar a proposta, afirmou que estava ansiosa para trabalhar de forma efetiva pela sua cidade. Ruth Guimarães também integrou importantes entidades culturais, como o Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade e a Sociedade Paulista de Escritores.
Com a saúde debilitada, faleceu, aos 93 anos, em 21 de maio de 2014.
Referências
ALMEIDA, Maria Inês de; QUEIROZ, Sônia. Na captura da voz: as edições da narrativa oral no Brasil. Belo Horizonte: FALE/UFMG; Autêntica, 2004.
Ruth Guimarães, discípula de Mario de Andrade, toma posse na APL. In: Folha Online/Iiustrada. [18 set. 2008]. Acesso em 27 jul. 2009.
Ruth Guimarães assume vaga na Academia Paulista de Letras, aos 88 anos. [22 set. 2008]. Disponível em: <http://cidinhadasilva.blogspot.com/2008/09/ruth-guimares-assume-vaga-na-academia.html>. Acesso em: 24 ago. 2009.
1 ALMEIDA; QUEIROZ. Na captura da voz: as edições da narrativa oral no Brasil, 2004.
PUBLICAÇÕES
Obra Individual
Água funda. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1946; 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, prefácio de Antonio Candido; 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2018. (romance).
Os Filhos do medo. Porto Alegre: Editora Globo, 1950. (pesquisa folclórica sobre o diabo).
Crônicas valeparaibanas. São Paulo: Centro Educacional Objetivo/Fundação Nacional do Tropeirismo,1992. (pesquisa folclórica).
Contos de cidadezinha. Lorena: Centro Cultural “Teresa D’Ávila”, 1996.
Contos negros. São Paulo: Faro Editorial, 2020.
Contos índios. São Paulo: Faro Editorial, 2020.
Contos do céu e da terra. São Paulo: Faro Editorial, 2021.
Contos de encantamento. São Paulo: Faro Editorial, no prelo.
Não Ficção
Mulheres Célebres. São Paulo: Editora Cultrix, 1960. (biografia).
As Mães na Lenda e na História. São Paulo: Editora Cultrix,1960. (historiografia).
Líderes Religiosos. São Paulo: Editora Cultrix, 1961. (biografia).
Lendas e Fábulas do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 1972. (pesquisa folclórica).
Dicionário de Mitologia Grega. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
O Mundo Caboclo de Valdomiro Silveira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo do Estado de São Paulo/Instituto Nacional do Livro,1974. (crítica literária).
Grandes Enigmas da História. São Paulo: Editora Cultrix,1975. (historiografia).
Medicina Mágica: as simpatias. São Paulo: Global Editora,1986. (pesquisa folclórica).
Lendas e Fábulas do Brasil. São Paulo: Círculo do Livro,1989.(pesquisa folclórica).
Calidoscópio – A Saga de Pedro Malazarte. São José dos Campos: JAC Editora, 2006. (pesquisa folclórica).
Histórias de Onça. São Bernardo do Campo: Usina de Idéias Editora, 2008. Volume I do Projeto Macunaíma. (pesquisa folclórica).
Histórias de Jabuti. São Bernardo do Campo: Usina de Idéias Editora, 2008. Volume II do Projeto Macunaíma. (pesquisa folclórica).
Traduções
Histórias Fascinantes, de Honoré de Balzac: seleção, tradução e prefácio – São Paulo: Editora Cultrix, 1960
O asno de ouro. Introdução e tradução direta do latim. São Paulo: Cultrix, 1963.
Os Mais Brilhantes Contos de Dostoievski, de Fiodor Dostoievski. Introdução, seleção e tradução. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966.
Contos de Dostoievski. Introdução, seleção e tradução. São Paulo: Editora Cultrix, 1985.
Contos de Alphonse Daudet. Seleção e prefácio. Tradução: Ruth Guimarães e Rolando Roque da Silva. São Paulo: Editora Cultrix, 1986.
Contos de Balzac. Seleção, tradução e prefácio. São Paulo: Editora Cultrix,1986.
Os Melhores Contos de Alphonse Daudet. Seleção e prefácio. Tradução: Ruth Guimarães e Rolando Roque da Silva. São Paulo: Círculo do Livro,1987.
Os Melhores Contos de F. Dostoievski. Tradução, seleção e introdução. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.
Os Melhores Contos de Balzac. Seleção, tradução e prefácio. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.
Buda e Jesus, diálogos. Tradução: Ruth Guimarães e Joaquim Maria. São Paulo: Cultrix, 1989.
Antologia
Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 1, Precursores.
TEXTOS
CRÍTICA
Contos negros, belo e necessário - por Oswaldo de Camargo
FONTES DE CONSULTA
CRUZ, Adélcio de Souza. Ruth Guimarães. In: DUARTE, Eduardo de Assis (Org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol. 1, Precursores.
PAES, José Paulo. Uma contista do interior. In: O lugar do outro. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
LINKS
- Ruth Guimarães, a fada da literatura - por Gabriel Chalita
- Imagens em Movimento: Ruth Guimarães Botelho, uma mestra na arte de contar histórias - por Augusto Nunes
- A autora, na wikipedia
- Notícia da posse na Academia Paulista de Letras, na Folha de São Paulo
- Em busca da identidade cultural – Blog do Levi
- Entrevista com Ruth Guimarães – Jornal O Lince
- Ruth Guimarães no site da APL