Algumas considerações sobre tradução e negritude
em Ponciá Vicêncio e A Raisin in the Sun 1

Marcela Iochem Valente *

Resumo

Partindo das obras A Raisin in the Sun, da escritora afro-americana Lorraine Hansberry, e Ponciá Vicêncio, da afro-brasileira Conceição Evaristo, este trabalho pretende suscitar reflexões a respeito dos desafios encontrados ao se tentar traduzir a negritude em diferentes espaços geográficos, mais especificamente no que diz respeito aos Estados Unidos e ao Brasil. Para tal, partiremos do pressuposto de que a tradução não é apenas um processo interlingual, e sim um processo inserido em sistemas políticos, ideológicos e culturais responsável por variáveis (re)construções do ‘outro’. Para nosso estudo consideraremos algumas ideias de Maria Tymoczko, Susan Bassnett e André Lefevere.

Considerações Iniciais

Na contemporaneidade, os Estudos de Tradução vêm se utilizando cada vez mais dos instrumentos oferecidos pelos Estudos Culturais e Pós-coloniais. Em se tratando de traduções de obras literárias pertencentes às supostas minorias, o arcabouço teórico proveniente de tais campos é ainda mais notável, já que se faz necessária a compreensão do papel político e social exercido por tais produções. No caso de produções de escritoras afro-descendentes2 , é possível observar inúmeros desafios para a tradução, devido à forte presença de questões culturais, políticas e ideológicas nos textos, além dos diferentes pressupostos sobre literatura afro-descendente e negritude nas culturas de origem e recepção.

Por ser um processo complexo e inserido em sistemas culturais, a tradução pode ser responsável por variáveis reconstruções do ‘outro’ já que a cultura de chegada analisará uma determinada obra sob pressupostos distintos daqueles da cultura de origem. Além disso, como apontam André Lefevere e Susan Bassnett, a tradução é um tipo de reescrita, e por isso “como toda (re)escrita [ela] nunca é inocente. Sempre há um contexto no qual a tradução ocorre, sempre há uma história da qual um texto emerge e para o qual um texto é transposto” (1990, p. 11, tradução minha). Sendo assim, segundo Gideon Toury, “não há como a tradução ocupar o mesmo lugar sistêmico de seu original, nem mesmo quando os dois estão fisicamente presentes lado a lado” (1995, p. 26), pois há muitas questões envolvidas nesse processo de transposição, havendo ainda que se considerar a recepção do texto traduzido.

Partindo dos pressupostos anteriormente esboçados, o presente trabalho objetiva suscitar reflexões a respeito de algumas das dificuldades encontradas ao se tentar traduzir a negritude em diferentes espaços geográficos, neste caso Estados Unidos e Brasil, atentando para os desafios que essa reconstrução do ‘outro’ apresenta para o tradutor. Para tal, traremos algumas reflexões a respeito das diferentes concepções de negritude e da literatura afro0descendente nos Estados Unidos e no Brasil, e observaremos alguns aspectos do romance Ponciá Vicêncio, da escritora afro-brasileira Conceição Evaristo e da peça A Raisin in the Sun da escritora afro-americana Lorraine Hansberry, calcados em algumas ideias de Susan Bassnett, André Lefevere e Maria Tymoczko. É importantre ressaltar que o nosso objetivo aqui não é analisar ou valorar as traduções existentes das obras em questão, mas sim, ressaltar a complexidade de se traduzir obras literárias provenientes dos contextos afro-descendentes no Brasil e nos Estados Unidos devido à sua riqueza e grande carga cultural. Não queremos aqui mostrar a impossibilidade de se traduzir tais obras, mas sim, destacar a necessidade de traduções conscientes das questões relacionadas à negritude nos sistemas de origem e de recepção de um texto, e até mesmo a importância de paratextos que possam auxiliar o leitor da cultura de recepção na compreensão de tais elementos.

Diferentes concepções de negritude: Estados Unidos e Brasil. Ao falarmos da tradução de obras literárias produzidas por escritores afro- descendentes, a primeira questão a ser considerada é o conceito de negritude nas culturas de origem e de chegada. No que diz respeito aos Estados Unidos e ao Brasil, sabemos que embora seja possível falar de um passado histórico com algumas semelhanças devido à experiência da escravidão africana ocorrida em ambos os países, ser negro difere significativamente em cada uma dessas sociedades. No artigo “A relação entre cor e identidade étnica em traduções brasileiras de um romance norte-americano” (1997), Aurora Neiva discute os padrões raciais estadunidense e brasileiro com base em algumas ideias de Carl N.

Degler. Ela aponta que o padrão racial estadunidense é dicotômico já que “uma pessoa é considerada ‘black’, nos Estados Unidos, em razão de sua ascendência africana e não em virtude da cor exata de sua pele” (p. 532). Desta maneira, mesmo que o indivíduo possua a aparência de uma pessoa branca, havendo um negro se quer em sua ascendência, esta pessoa é considerada negra pelos padrões estadunidenses, daí o termo one-drop rule – uma única gota de sangue negro torna o indivíduo negro, independente de sua aparência. Em contrapartida, aqui no Brasil, essa dicotomia “white/black” se desdobra

numa escala cromática de valores: quanto mais próximo nessa escala estiver o indivíduo do ideal branco, mais aceito socialmente o será. Nuances de cor de pele são, portanto, altamente marcadas entre os não brancos, refletindo assim os mecanismos simbólicos de discriminação étnica que caracterizam o imaginário da população brasileira em geral. (NEIVA, 1997, p. 533) .

Outra questão de extrema relevância no que diz respeito à negritude no Brasil é o mito da democracia racial. Percebemos que aqui as elites políticas, intelectuais e também a mídia buscam pregar uma suposta tolerância racial, que visa mostrar a ausência de discriminação, fazendo com que muitos acreditem que as relações raciais no Brasil não são desiguais como no contexto estadunidense e que, ao invés disso, questões como sexualidade e classe social, por exemplo, seriam muito mais relevantes do que a questão racial no que diz respeito à discriminação nesse país.

Como aponta a socióloga Gevanilda Santos em seu livro Relações raciais e desigualdade no Brasil (2009), "a ideia do brasileiro cordial é muito divulgada. Supõe uma vocação nacional para a convivência harmônica diante da desigualdade racial aqui existente, e, ao mesmo tempo, esconde o modo de ser preconceituoso do brasileiro. [...] o debate sobre temas relativos ao preconceito racial, a prática discriminatória e a concepção do racismo no Brasil foi afastado da História, dos currículos escolares, do cotidiano do jovem leitor e de toda a sociedade. A impressão é que não existe racismo no Brasil". (p. 21).

Conscientes então das diferentes noções de negritude em diferentes espaços geográficos, ao traduzimos obras literárias provenientes desses contextos, muito mais do que a escolha de um registro ou de palavras especificas está em questão.

Desta maneira, este trabalho propõe discutir alguns desafios encontrados em duas obras de escritoras afro-descendentes no que diz respeito à tradução. Antes de partirmos para tais considerações, traremos uma breve apresentação das escritoras e de suas obras em questão neste trabalho a fim de ressaltar a relevância das mesmas em suas respectivas culturas de origem.

Lorraine Hansberry & A Raisin in the Sun

A escritora afro-americana Lorraine Hansberry produziu nas décadas de 1950 e 60 e sua obra mais famosa foi a peça A Raisin in the Sun escrita em 1957 – porém produzida pela primeira vez apenas em 59 – e, por enquanto, ainda sem tradução para o português. A tradução que conhecemos foi feita para a língua alemã sob o título Eine Rosine in der Sonne, em 1963. Hansberry conseguiu mostrar em seu trabalho a situação vivida por afro-americanos em seu tempo e ainda utilizar a sua fama e reconhecimento para lutar contra o preconceito sofrido pelos afro-descendentes de sua comunidade. Embora a Terra das Oportunidades pareça oferecer igual direito a busca por felicidade, liberdade e oportunidades, Hansberry mostra que o Sonho Americano não está disponível para todos da mesma maneira.

Muitos imigrantes participantes dos novos processos diaspóricos, ou ainda aqueles que foram levados aos EUA devido a seu passado de escravidão, foram excluídos, marginalizados e vistos como inferiores ao tentar se adaptar a sua nova realidade, buscando melhores condições em seu novo país. Como aponta Linda Hutcheon (1992, 1993, 2000), “o outro” tende a ser visto como “ex-cêntrico”, não apenas no sentido de diferente, mas também no sentido de fora do centro, fora dos padrões, pertencente às margens por não se encaixar no estereótipo do colonizador.

A peça A Raisin in the Sun se apresenta como um tipo de produção subversiva e que hoje nos serve como uma referência histórica. Essa peça ganhou reconhecimento nos palcos da Broadway em um período em que não se podia imaginar a possibilidade de uma produção de uma escritora negra e ainda com elenco e direção de negros alcançando grande sucesso em tal local. Hansberry utilizou a sua obra para questionar e subverter valores hegemônicos da sociedade estadunidense, levantando muitas discussões de grande relevância para o movimento negro ainda discutidas na contemporaneidade.

Através da família Youngers, uma família afrodescendente vivendo no sul de Chicago, a autora conseguiu desconstruir o tão sonhado American Dream.

Hansberry mostra em sua peça que muitos são excluídos desse sonho e acabam por viver um pesadelo na suposta Terra das Oportunidades. É importante ficar claro que temos consciência de que os debates sobre as questões de gênero, raça e etnia nos Estados Unidos evoluíram com o passar do tempo e hoje a situação não é a mesma das décadas de 1950 e 60 retratadas pela autora, porém, ainda assim, muitas das questões levantadas por Hansberry em A Rasin in the Sun permanecem.

A Raisin in the Sun mostra os sonhos e planos da família Younger para a quantia de dez mil dólares que receberiam de um seguro de vida devido à morte de seu patriarca. Cada membro da família tinha um plano diferente para o dinheiro, gerando a partir de então intensos conflitos a fim de decidir o destino de tal quantia.

Mamma, a viúva de Mr. Younger, decide que a melhor opção para o dinheiro é realizar o antigo sonho de ter uma casa própria. Entretanto, a casa escolhida por ela fica situada em um bairro majoritariamente habitado por cidadãos brancos, o que leva a família a sofrer fortes preconceitos antes mesmo da mudança para sua casa nova.

A questão da opressão e da segregação é tratada nessa peça de forma bastante clara e direta através de um personagem chamado Mr. Linder. Tal personagem tem a função de conversar com a família Younger – como um representante do bairro onde a família comprou sua casa – no intuito de convencê- los a não mudar para aquele local. Para tal, ele oferece a família um cheque no valor da casa comprada, sugerindo que eles comprem um outro imóvel em algum outro lugar, este, apropriado para negros.

LINDNER: Eu quero que vocês acreditem em mim quando eu digo que preconceito racial simplesmente não está em questão. O fato é que as pessoas de Clybourne Park acreditam que [...] para a felicidade de todos os envolvidos nossas famílias negras são mais felizes quando elas vivem em suas próprias comunidades. (A Raisin in the Sun, 1994. p.118). A atitude desse personagem nos mostra de forma bastante objetiva a discriminação e o racismo presentes na sociedade estadunidense naquele contexto.

Também é interessante notar questões relacionadas à construção de identidade dos personagens nesta peça. Dentro de uma mesma família, Hansberry apresentou diferentes posicionamentos em relação à posição marginal relegada aos afro-descendentes nos Estados Unidos na década de 50 e diferentes reações a essa condição. Hansberry mostra ainda um pouco da complexidade de se viver tendo que negociar entre duas culturas, em constante luta contra múltiplas camadas de opressão – utilizando o termo de Spivak. A personagem Beneatha, por exemplo, se mostra extremamente fragmentada e em constante negociação entre os valores da sociedade estadunidense em que ela e sua família vivem e o desejo da busca por suas origens africanas. No caso desta personagem, essa fragmentação é refletida até mesmo na linguagem utilizada por ela em determinados contextos, oscilando entre um registro extremanente erudito e formal e uma variante não padrão da língua inglesa, o African American English.

A Raisin in the Sun desconstrói a noção de melting pot pregada pela sociedade estadunidense onde todos estariam misturados, integrados e seriam bem aceitos, ressaltando a discriminação existente quanto à nacionalidade, posição social, raça e até mesmo à sexualidade. Mesmo tendo sido escrita na decada de 1950, questões como a ilusão do Sonho Americano, o mito da terra das oportunidades e as múltiplas camadas de preconceito da sociedade estadunidense, fazem de A Raisin in the Sun uma produção contemporânea. É importante lembrar que Hansberry e sua peça são constantemente homenagiadas nos Estados Unidos até os dias de hoje e A Raisin in the Sun é lida e discutida em escolas e universidades estadunidenses. 3

Conceição Evaristo & Ponciá Vicêncio

A escritora afro-brasileira Maria da Conceição Evaristo de Brito começou a ser conhecida no sistema de literatura afro-brasileira por suas constantes publicações na série Cadernos Negros, com sua estreia no número 13 da série, em 1990, com 6 poemas: “Mineiridade” (p. 29), “Eu-mulher” (p. 30), “Os sonhos” (p. 31), “Vozes- mulheres” (p. 32), “Fluida lembrança” (p. 34) e “Negro-estrela” (p. 35). Além de sua poesia, contos e trabalhos acadêmicos publicados, Evaristo é autora de dois romances: Ponciá Vicêncio (2003) e Becos da Memória (2006), ambos publicados pela editora Mazza, sendo o primeiro traduzido para o inglês em 2007. Em 2008, Evaristo lançou Poemas da recordação e outros movimentos onde reúne uma série de poemas anteriormente publicados nos Cadernos Negros. Em 2011, Evaristo lançou seu mais recente livro, uma coletânea de contos intitulada Insubmissas lágrimas de mulheres.

Segundo Omar da Silva Lima, em sua tese de doutorado intitulada O comprometimento etnográfico afro-descendente das escritoras negras Conceição Evaristo & Geni Guimarães (2009), a publicação da tradução em língua inglesa de Ponciá Vicêncio “torna Conceição Evaristo a segunda escritora afro-brasileira a ter uma obra publicada em terras estrangeiras. A primeira foi Carolina Maria de Jesus com o seu Quarto de despejo: diário de uma favelada” (p. 57). Cabe lembrar ainda que diversos poemas de Evaristo já estão traduzidos para a língua inglesa como consequência da recente tradução dos Cadernos negros, Black Notebooks (2008); seu conto “Maria” também foi traduzido em 1995, publicado no volume 18 da revista Callaloo; e sua coletânea de poemas publicada em 2008 já está traduzida para a língua inglesa por Maria Aparecida Salgueiro e Antonio Dwayne Tillis sob o título Poems of Recollection and Other Movements, porém ainda não publicada.

Embora esteja se tornando cada vez mais reconhecida dentro e fora do Brasil recentemente, Conceição Evaristo não é considerada uma autora canônica no polissistema literário brasileiro. Porém, na academia, pesquisas sobre sua obra tem se tornado cada vez mais frequentes. Seus romances, contos e poemas têm sido estudados com base em teorias de gênero e nos estudos pós-coloniais devido à sua condição de mulher, negra e, por muito tempo, de classe social desfavorecida. Uma confirmação do espaço que a autora vem conquistando na academia foi a indicação de seu romance Ponciá Vicêncio como leitura obrigatória para vestibulares e processos seletivos de importantes instituições no Brasil como a UFMG em 2008 e a UEL em 2008 e 2009, o CEFET BH em 2009, e a EPCAR em 2012, assim como a utilização de seu romance e seus poemas em cursos de literatura no Brasil e também nos Estados Unidos.

Ponciá Vicêncio narra problemas do cotidiano das mulheres afro-descendentes através da trajetória da personagem que dá título ao romance, uma mulher negra e pobre nascida no campo. O romance discute a questão da identidade de Ponciá a partir da memória afrod-escendente herdada de seus ancestrais e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência, entre o real e o imaginário, entre o campo e a cidade grande. Através da narrativa fragmentada do romance, com constantes flashbacks, a história de Ponciá é contada e percebemos que a memória da infância da menina negra e inocente vivendo no campo, vai sendo substituída pela memória da adolescente negra, empregada doméstica, insatisfeita com sua realidade e da mulher vivendo na cidade grande em condições degradantes, sofrendo violências do seu companheiro e perdida dos seus e de si mesma “Ponciá se adentrava num mundo só dela, onde o outro, cá de fora, por mais que gostasse dela, encontrava uma intransponível porta” (EVARISTO, 2006, p. 109), “gostava da ausência, na qual ela se abrigava, desconhecendo-se, tornado-se alheia de seu próprio eu” (p. 45).

Neta de escravos e filha de um homem já beneficiado pela Lei do Ventre Livre, Ponciá Vicêncio precisa ajudar sua mãe, Maria Vicêncio, como oleira, moldando vasos de barro desde muito jovem. Enquanto Ponciá e sua mãe cuidam dos afazeres domésticos e dos utensílios de barro, vendidos nas proximidades da Vila Vicêncio, onde moram, seu pai e seu irmão trabalham na lavoura, ficando dias longe de casa. “Ponciá Vicêncio se lembrava pouco do pai. O homem não parava em casa. Vivia constantemente no trabalho da roça, nas terras dos brancos” (EVARISTO, 2006, p.17).

Com o passar dos anos, após a morte de seu pai e insatisfeita com a falta de perspectiva da vida que levava, Ponciá decide buscar uma vida melhor para si na cidade grande. A menina junta então suas poucas economias e compra uma passagem de trem para uma viagem que dura cerca de três dias. Na cidade, Ponciá acaba em condições degradantes vivendo em uma favela acompanhada de um homem que não a compreendia.

Encorajado pela atitude da irmã, seu irmão Luandi também parte para a cidade, mas acaba perdendo o endereço de Ponciá e assim, sua história ganha tonalidade maior em parte do romance. Na estação ferroviária, sem rumo em sua primeira noite na cidade, Luandi é acordado por um policial e, por portar um canivete, é conduzido à delegacia. Ali surge um fio de esperança em Luandi que “[a]cabava de fazer uma descoberta. A cidade era mesmo melhor do que na roça. Ali estava a prova. O soldado negro! Ah! Que beleza! Na cidade, negro também mandava!” (EVARISTO, 2006, p.70). Foi nessa delegacia que Luandi conseguiu seu primeiro emprego na cidade grande, como faxineiro. Foi ali também que ele encontrou esperança e um ídolo, o soldado Nestor, negro como ele. Na cidade, Luandi aprende a ler e a escrever com o soldado Nestor e apaixona-se por Bilisa, uma prostituta que acaba sendo assassinada por seu gigolô, Negro Climério.

Anos depois, a mãe resolve ir em busca de seus dois filhos. Quando Maria Vicêncio chegou à estação na cidade, soldado Nestor estava de serviço lá “[e] quando a mãe de Ponciá e Luandi entregou ao soldado Nestor um papelzinho dobrado, quase rasgado pelo tempo e que ela cuidadosamente guardava enrolado num pedacinho de pano, entre os seios, ele sorriu reconhecendo a própria letra” (EVARISTO, 2006, p. 116). O reencontro de Luandi com sua mãe o ajudou a se recuperar da perda de Bilisa e a continuar em busca de seu sonho de se tornar soldado, que já estava próximo de se tornar realidade. Seu primeiro dia de trabalho como soldado foi na estação ferroviária “e eis que, de repente, capta a imagem de uma mulher que ia e vinha, num caminho sem nexo, quase em círculo, no lado oposto em que ele se encontrava” (p.123) Era Ponciá. E ali, na estação ferroviária, encerra-se a busca de Luandi pelos seus.

Após o reencontro da família, Luandi percebe que seu sonho de ser soldado e poderoso era, na verdade uma ilusão, já que “[a]penas cumpria ordens, mesmo quando mandava, mesmo quando prendia” (p. 126). Assim, a cidade idealizada pela família Vicêncio como o local onde teriam possibilidade de uma vida em melhores condições foi pouco a pouco sendo desconstruída, e os sonhos trazidos pela família foram se perdendo e todos acabaram vivendo sob condições tão degradantes quanto as que viviam no campo.

Alguns desafios no que diz respeito à tradução em Ponciá Vicêncio e A Raisin in the Sun

Embora estejamos trabalhando com duas obras de períodos distintos – sendo A Raisin in the Sun de 1959 e Ponciá Vicêncio de 2003 – e provenientes de contextos bastante diferentes – afro-americano e afro-brasileiro, respectivamente – muitos pontos em comum podem ser observados nessas obras no que diz respeito a questões relacionadas à tradução da negritude e a construção do ‘outro’ através da tradução. Como vimos ao longo desse trabalho, as noções de negritude variam consideravelmente em diferentes espaços geográficos, em diferentes culturas. Por esse motivo, uma obra traduzida pode ter um status diferente na cultura receptora e na cultura de origem. Além disso, as peculiaridades culturais, a linguagem específica utilizada por determinado povo, e a própria noção de negritude e tudo o que ela implica, muitas vezes não podem ser integralmente levados para uma outra cultura, demandando alterações, escolhas cuidadosas do tradutor, ou até mesmo a presença de paratextos visando auxiliar o leitor da cultura de recepção na compreensão de tais elementos.

Em Post-Colonial Writing and Literary Translation (1999) Maria Tymoczko defende que a Tradução e a Literatura Pós-colonial possuem muitos aspectos convergentes. Tymoczko aponta que ambos os tipos de produções textuais possuem como preocupação central a transmissão de elementos de uma cultura para a outra através de diferenças culturais e linguísticas. Ela afirma ainda que as restrições encontradas por tradutores e escritores pós-coloniais também são semelhantes já que nenhum texto pode ser totalmente traduzido em todos os seus aspectos e nenhuma cultura pode ser totalmente representada em um texto. Sendo assim, da mesma forma que o tradutor decide como lidar com peculiaridades da cultura fonte que não são familiares ao público receptor, muitas vezes modificando e adaptando o texto de origem nesse processo, um escritor de uma cultura não hegemônica deve fazer escolhas ao representar a sua cultura já que não é possível representá-la completamente em um texto. Tanto A Raisin in the Sun quanto Ponciá Vicêncio apresentam muitos desafios no que diz respeito à tradução por todos os motivos aqui já discutidos.

Em A Raisin in the Sun, a primeira dificuldade que podemos especular diz respeito ao título. Em inglês, este título faz todo sentido e mostra características da obra em si. Hansberry obteve inspiração para este título em um poema de Langston Hughes intitulado “Harlem”. Tal poema gira em torno de questionamentos sobre o que acontece com os sonhos adiados, ou nunca alcançados. E é isso que de fato acontece ao longo do enredo já que a peça aborda os sonhos, geralmente adiados, de uma família afro-americana. Embora esta obra ainda não tenha sido traduzida para o português, existem duas versões de filmes da mesma que possuem legenda em português. No caso dos filmes, a escolha para a tradução do título não tem nenhuma relação com o título original da obra. Este foi traduzido para o português como O Sol tornará a brilhar, perdendo a característica dos sonhos postergados presentes no título em inglês, assim como a referência ao poema de Hughes, e trazendo um sentido de esperança, um tanto quanto diferente do sentido do título original.

Além desta problemática do título, temos a personagem Beneatha, cuja linguagem utilizada mostra muito da situação “entre-culturas” vivida por ela. Seu discurso ao longo da peça passa por variações bastante significativas que vem a mostrar sua identidade fragmentada. Há momentos em que a personagem mostra uma constante busca pelo seu “eu” e suas origens, assim sendo, utilizando o African American English – e em outros, quando ela está inserida no contexto do colonizador como, por exemplo, na faculdade ou entre os brancos, utilizando o Standard English algumas vezes de forma até bastante formal, vista por alguns como Shakespeareana. Tal característica no discurso da personagem tem tão grande importância, que em sua apresentação a autora Hansberry reforça tal traço nas orientações dadas antes da primeira fala da personagem: “Seu discurso é uma mistura de muitas coisas; é diferente do restante da família já que a educação permeou sua ideia de inglês” (HANSBERRY, 1994, p. 35).

Se, por um lado, Beneatha usa expressões que a aproximam de sua família por serem informais e mais características do grupo social e étnico em que ela está inserida como: “That raggedy-looking old thing” (A Raisin in the Sun, 1994, p. 121), por outro lado há momentos em que a personagem chega a tal grau de formalidade no uso da linguagem que insere pronomes notavelmente formais como thee e thy, como em: “Thee is mad” (p. 38). Toda essa variação de registro no discurso de Beneatha traz um grande desafio para o tradutor que teria que buscar correspondentes para expressar essa mesma ideia de fragmentação e variação no discurso da personagem na língua/ cultura de recepção.

O uso do African American English também traz uma questão bastante complexa, pois é consideravelmente complicado escolher um determinado registro em português que possa ser equiparado a esse registro específico utilizado em inglês, uma vez que estamos tratando de duas sociedades bem distintas, com histórias, valores e realidades muito diferentes. Vale ainda lembrar que o AAE é um fenômeno bastante localizado na sociedade estadunidense e que ele não possui um correspondente direto em português.

Em Ponciá Vicêncio, embora tenhamos o uso da variante padrão com algumas marcas de oralidade, a forte presença de peculiaridades regionais e o constante apelo aos sentidos se apresentam como características marcantes do romance. Como afirma Maria José Somerlate Barbosa no prefácio para a edição de 2006

Ponciá Vicêncio é um romance que convida o (a) leitor(a) a conhecer a protagonista pelos sentidos. Revela cheiros, sabores, paisagens e a percepção da menina que escuta tudo e todos, olha, vê, sente e se emociona com o arco-íris, com as comidas, com o cheiro do café fresco e das broas de fubá e que trabalha o barro, modelando objetos de argila. (p. 11).

Sem dúvidas, essas características regionais se apresentam como um desafio na hora de se traduzir pois muitos dos objetos, comidas típicas, paisagens dentre outros, não possuem um equivalente possível na cultura de chegada, exigindo escolhas cuidadosas por parte do tradutor. Quando Ponciá se lembra de sua infância no campo e das casas dos negros nas terras onde vivia quando menina, podemos ver alguns exemplos desses desafios:

Gostava da roça, do rio que corria entre as pedras, gostava dos pés de pequi, dos pés de coco-de-catarro, das canas e do milharal. Divertia-se brincando com as bonecas de milho ainda no pé. Elas eram altas e, quando dava o vento, dançavam. Ponciá corria e brincava entre elas. (EVARISTO, 2006, p. 13).

As casas das terras dos negros, para o olhar estrangeiro, eram aparentemente iguais. Chão batido, liso, escorregadio, paredes de pau-a- pique e cobertura de capim. As camas dos adultos e das crianças eram jiraus que os homens e mesmo as mulheres armavam com galhos de arvore amarrados com cipós. O colchão de capim era, às vezes, cheiroso, dado ao alecrim que se misturava ali dentro na hora de sua feitura. Os grandes vasilhames de barro ou ferro e os tachos onde as mulheres faziam doces permitiam imaginar farturas. As crianças gostavam de raspar os tachos se lambuzando com os doces de mamão, cidra, banana, goiaba, leite, abóbora e o melado de rapadura. (p. 59): "Sentiu o cheiro de biscoito frito, de café fresco dado para as mulheres e as crianças que estavam fazendo quarto ao defunto. Sentiu também o cheiro de pinga que exalava da garrafinha e da boca dos homens sentados lá fora com o chapéu no colo". (p. 15).

Nos três fragmentos anteriormente apresentados é notável a presença desses elementos tipicamente brasileiros que comentamos. Um leitor que não tenha um pouco de conhecimento da nossa cultura, terá grande dificuldade para compreender e visualizar alguns elementos como, por exemplo, “os pés de pequi”, fruta nativa do cerrado brasileiro, muito utilizada na cozinha nordestina, do centro-oeste e norte de Minas Gerais; a imagem das crianças “raspando os tachos” onde eram preparados os doces como “o melado de rapadura”, doce feito a partir da cana de açúcar que, embora exista nos Estados Unidos com o próprio nome rapadura4 e seja originário das Ilhas canárias no século XVI, é típico do nordeste do Brasil e de algumas regiões da América Latina5 e não é tão comum no contexto estadunidense; “o cheiro de biscoito frito”, quitute típico da culinária mineira, geralmente servido com café, ambos com aroma bastante forte e característico; “os pés de coco-de-catarro”, um tipo de palmeira natural do Brasil também conhecida por outros nomes como macaúba, cujo nome científico é Acromia aculeata, comum na mata atlântica desde o Pará até São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Embora essa planta também ocorra na Argentina, no Uruguai, Paraguai, na Bolívia, Colômbia, Venezuela, nas três Guianas, no México e na America Central, um leitor do polissistema estadunidense provavelmente não terá conhecimento da mesma.

Consideravelmente desafiador para a tradução também, são questões históricas como a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea que estão presentes em Ponciá Vicêncio e provavelmente não serão familiares aos leitores da tradução do romance.

A família de Ponciá sofreu com a reminiscência de seu passado escravocrata. O pai de Ponciá era “filho de ex-escravos, crescera na fazenda levando a mesma vida dos pais. Era pajem do sinhô-moço. Tinha a obrigação de brincar com ele. Era o cavalo onde o sinhô-moço galopava sonhando conhecer as terras do pai” (EVARISTO, 2006, p. 17). Ponciá se mostrava inconformada com a realidade em que sua família vivia, já que, teoricamente, eram livres e não mais escravos. “Se eram livres, porque continuavam ali? Por que, então, tantos e tantas negras na senzala? Por que todos não se arribavam à procura de outros lugares e trabalhos?” (p. 17). O conhecimento de referências como as Leis Áurea e do Ventre Livre são de grande importância no romance, pois Ponciá se mostra indignada pelo não cumprimento das mesmas: Há tempos e tempos, quando os negros ganharam aquelas terras, pensaram que estivessem ganhando a verdadeira alforria. Engano. Em muito pouca coisa a situação de antes diferia da do momento. As terras tinham sido ofertas dos antigos donos, que alegavam ser presente de libertação. E, como tal, podiam ficar ali, levantar moradias e plantar seus sustentos. Uma condição havia, entretanto, a de que continuassem todos a trabalhar nas terras do Coronel Vicêncio. O coração de muitos se regozijava, iam ser livres, ter moradia fora da fazenda, ter as suas terras e os seus plantios. Para alguns, Coronel Vicêncio parecia um pai, um senhor Deus. O tempo passava e ali estavam os antigos escravos, agora libertos pela “Lei Áurea”, os seus filhos, nascidos do “Ventre Livre” e os seus netos, que nunca seriam escravos. Sonhando todos sob os efeitos de uma liberdade assinada por uma princesa, fada-madrinha, que do antigo chicote fez uma varinha de condão.

Todos, ainda, sob o jugo de um poder que, como Deus, se fazia eterno. (EVARISTO, 2006, p. 49)

Para que o leitor da tradução do romance compreenda a indignação e a ironia de Ponciá diante das leis que beneficiariam os escravos, libertando os mesmos e seus filhos, é necessário que o leitor conheça um pouco sobre a questão racial no contexto de origem do romance.

Cabe mencionar que a tradução de Ponciá Vicêncio para o inglês traz um capítulo introdutório onde a tradutora Paloma Martinez-Cruz (professora de estudos Latino-Americanos na Columbus State University) comenta alguns dos desafios encontrados ao longo do processo de tradução do romance. Nessa introdução, a tradutora traz algumas informações sobre a trajetória da autora e do romance em questão aproveitando algumas informações trazidas no prefácio do romance em português, escrito por Maria José Somerlate Barbosa (professora assistente do departamento de espanhol e português na Universidade de Iowa). A tradutora também aproveita esse espaço para “contextualizar alguns termos e alusões brasileiras” (2007, p. ii, tradução minha) que podem não ser claros para leitores não pertencentes a esse contexto. Ela promete apresentar tais elementos em um texto introdutório a fim de evitar interrupções com notas de pé de página ao longo do texto. O primeiro aspecto que a tradutora apresenta em sua introdução é a religião afro-brasileira Candomblé “um sistema híbrido de crenças” (2007, p. 02, tradução minha) resultante da combinação do catolicismo e da espiritualidade africana que aparece ao longo do romance algumas vezes. Uma breve explicação sobre o que seriam as favelas no Brasil também é apresentada, já que, após mudar para a cidade, Ponciá compra um barraco onde passa a morar com o seu companheiro. A tradutora também traz alguns esclarecimentos sobre as questões relacionadas à História do Brasil anteriormente apontadas neste trabalho, explicando que, com base em acontecimentos como a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea, o Brasil construiu a imagem de uma democracia racial, sendo que essa imagem não passou de um mito.

A tradutora apresenta para o leitor as datas dessas leis assinadas pela princesa Isabel e os seus objetivos, levando um pouco da história do Brasil para o leitor da tradução. Um outro elemento cultural apresentado pela tradutora na introdução diz respeito à fauna brasileira. Mas, como esse elemento não está presente no romance em português, consideramos necessário comentar um pouco mais extensamente sobre o mesmo para que o leitor compreenda o motivo de sua aparição na introdução da tradução.

Esse último elemento cultural que gostaríamos de comentar é, na verdade, o segundo elemento apontado pela tradutora em sua introdução. Porém, como já comentamos, esse elemento não está presente no texto fonte. Logo após as suas considerações sobre o Candomblé, a tradutora afirma que “é provável que os leitores não estejam familiarizados com uma espécie de pássaro que habita o rio da infância de Ponciá” (2007, p. 03, tradução minha). A tradutora traz então algumas considerações sobre uma espécie de pássaro apresentada como “sunbittern”, no intuito de auxiliar o leitor da tradução na compreensão dessa referência cultural e afirma ainda que o prazer de Ponciá “em compartilhar o rio com este pássaro elusivo é um exemplo de seu convívio harmonioso com as águas da floresta” (p. iii, tradução minha). É interessante notar que nenhuma referência a tal animal é feita no texto fonte. Por essa razão, decidi buscar a localização desta referência na tradução e compará-la com o texto de partida a fim de tentar compreender seu surgimento na tradução. Fazendo isso, notei que “os pés de pequi” que aparecem no texto em português, já citados nesse trabalho, foram traduzidos como “the feet of the sunbittern”, sendo assim, a fruta pequi acabou se transformando no pássaro que a tradutora nos apresenta tão detalhadamente em sua introdução. Gostaria de lembrar mais uma vez que o meu objetivo neste trabalho não é avaliar a qualidade da tradução ou buscar possíveis problemas, e menos ainda fazer uma análise microtextual, como já apontei anteriormente. Mas, ao falarmos dos elementos culturais presentes em Ponciá Vicêncio, da cuidadosa seleção vocabular característica de Conceição Evaristo e do cuidado necessário nas escolhas do tradutor ao levar esses elementos para uma outra cultura através da tradução, não poderíamos deixar de abordar as questões anteriormente apresentadas.

Considerações Finais

Certamente ainda há muito para se falar sobre A Raisin in the Sun e Ponciá Vicêncio no que diz respeito a referências culturais, linguagem, negritude e desafios para a tradução. O presente trabalho apresentou apenas alguns poucos aspectos de cada uma das obras em questão a fim de ilustrar a complexidade de ambas e ressaltar a necessidade de traduções literárias conscientes no que diz respeito a obras produzidas por afro-descendentes. Devido ao reconhecimento da literatura afro-americana na academia, questões como a dificuldade de se traduzir o African American English para outras línguas vêm sendo constantemente discutidas. Porém, no que diz respeito aos estudos sobre a tradução da literatura afro-brasileira, praticamente nada tem se falado. Podemos citar apenas alguns poucos trabalhos sobre a tradução de obras pertencentes a tal contexto e, em se tratando mais especificamente da tradução da obra de Conceição Evaristo, há apenas uma tese de doutorado recente sobre a tradução de Ponciá Vicêncio defendida na UFPB por Rosângela de oliveira Silva Araújo em 2012, e a minha tese em desenvolvimento na PUC-Rio sob o título A tradução e a construção de imagens culturais: Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, e sua tradução para o inglês, a ser defendida em 2013.

É preciso ter consciência de que não apenas a literatura afro-americana traz peculiaridades linguísticas e culturais que precisam ser cuidadosamente estudadas. Toda produção literária traz marcas de um determinado tempo, de uma cultura, de seu autor, além de questões políticas, ideológicas, dentre outras, que precisam ser consideradas ao se traduzir. Embora não haja em português uma linguagem diferenciada praticada por afro-descendentes, como é o caso dos Estados Unidos, a literatura afro-brasileira é carregada de elementos culturais que merecem atenção e cuidados ao se traduzir, como pudemos ver em Ponciá Vicêncio.

Outro aspecto bastante relevante que merece ser destacado é o uso de paratextos na tradução desse tipo de obra. Considerando que muitas vezes não é possível encontrar correspondes na língua/cultura de recepção, ou o tradutor opta por buscar possibilidades na cultura de recepção apagando marcas do texto original e domesticando-o, ou ele pode levar um pouco da cultura de origem à cultura de recepção através da utilização de prefácios, notas, paratextos em geral, esclarecendo para o leitor as complexidades desse tipo de escrita assim como os aspectos culturais e linguísticos envolvidos. Para Maria Tymoczko, na forma de introduções, notas, ensaios críticos, glossários, mapas e afins, o tradutor pode explicar questões culturais e literárias necessárias para o público receptor, sendo assim, “o tradutor pode manipular mais do que um nível textual simultaneamente, afim de codificar e explicar o texto fonte” (TYMOCZKO, 1999, p. 22, tradução minha). Na tradução de obras como A Raisin in the Sun e Ponciá Vicêncio, acreditamos ser extremamente necessário o uso de tais recursos para que o leitor do texto traduzido possa compreender parte da complexidade do texto e da cultura de origem.

Referências

AFOLABI, N., et al. (eds.). Cadernos Negros/ Black Notebooks – Contemporary Afro Brazilian Literary Movement. Trenton, New Jersey: Africa World Press, 2008.

BASSNETT, S.; TRIVEDI, H. (eds.). Post-colonial Translation: Theory and Practice. London: Routledge, 1999.

CADERNOS NEGROS 13: poesia. São Paulo: Quilombhoje, v.13, 1990.

Callaloo: African Brazilian Literature. Vol., 18 n. 4. Baltimore: John Hopkins UP, 1995.

DAVIES, C. B. Black, Women Writing and Identity: Migrations of the subjectivity. New York : Routledge, 1994.

EVARISTO, C. Becos da Memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006.

______. Poemas de recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.

______. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza, 2003.

______. Ponciá Vicêncio. Traduzido por Paloma Martinez-Cruz. Texas: Host Publications, 2008.

______. Insubmissas lágrimas de mulheres. Belo Horizonte: Nandyala, 2011.

HANSBERRY, L. A Raisin in the Sun. New York: Random House, 1994.

HUTCHEON, L. A Poetics of Postmodernism: History, Theory, Fiction. London: Routledge, 1992.

______. “Beginning to Theorize Postmodernism”. In: NATOLI, J.; HUTCHEON, L. (eds.). A Postmodern Reader. New York: State University of New York Press, 1993. p. 243-272.

______. The Politics of Postmodernism. London: Routledge, 2000.

LEFEVERE, A. Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Traduzido por Claudia Matos Seligmann. Bauru: EDUSC, 2007.

LIMA, O. S. O comprometimento etnográfico afrodescendente das escritoras negras Conceição Evaristo & Geni Guimares. 172 p. Tese (Doutorado em literatura brasileira) – Universidade de Brasília. 2009.

NEIVA, A. “A relação entre cor e identidade étnica em traduções brasileiras de um romance norte-americano” In: VASSALO, Ligia (org. & prep.). Estudos Neolatinos 2 Prog. De Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras –UFRJ, 1997.

SANTOS, G. Relações raciais e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2009.

SOUZA, F. S. Afrodescendências em Cadernos Negros e jornal do MNU. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SPIVAK, G. C. “Can the Subaltern Speak?” In: ASHCROFT, B. Et al (eds.). The Post Colonial Studies Reader. London: Routledge, 1997. p. 24-28.

TYMOCZKO, M. “Post-Colonial Writing and Literary Translation”. In: BASSNETT, S. & TRIVEDI, H. (orgs.) Post-colonial translation: Theory and Practice. London/New York: Routledge, 1999. p.19-40.


* Marcela Iochem Valente é doutora em Letras, Estudos da Linguagem, pela PUC Rio de Janeiro, com tese sobre a tradução de Ponciá Vicêncio para o inglês; Professora Adjunta de Língua Inglesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; autora de Lorraine Hansberry & A Raisin in the Sun: Challenges and Trends Presented by an African-American Play (2010). 

1 Este artigo é uma adaptação do trabalho anteriormente publicado nos anais do XII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Curitiba) em 2011, sob o título: “As variáveis (re)construções do ‘outro’ através da tradução: negritude em foco”.

2 Manteremos o uso do hífen em todas as palavras com prefixo afro devido a implicações teóricas. Embora, de acordo com a nova ortografia da língua portuguesa, essas palavras não sejam mais hifenizadas, nos estudos pós-coloniais, com base em teóricos como Stuart Hall e Homi Bhabha, falamos em sujeitos híbridos e identidades hifenizadas, daí a opção pela manutenção do hífen em termos como afro-americano, afro-brasileiro, dentre outros.

A Raisin in Sun foi objeto da minha dissertação de mestrado, posteriormente publicada em forma de livro. Mais informações em: VALENTE, M. I. Lorraine Hansberry & A Raisin in the Sun: Challenges and Trends Presented by an African-American Play. Saarbrucken: Lambert Academic Publishing, 2010.

4 Desde 2006 o Brasil vem lutando contra uma empresa alemã que patenteou a rapadura nos Estados Unidos (1993) e na Alemanha (1989). Mais informações ver: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,oab-tenta-anular-patente-da-marca-rapadura-na-alemanha-e-nos-eua,153513,0.html.

5 Mais informações ver: <http://modadecomidachefcrisleite.blogspot.com.br/2010/06/rapadura.html http://projetoculturaafro.blogspot.com.br/2008/10/rapadura.html.>

 Texto para download