Os herdeiros de Zumbi: representação de Palmares

e seus heróis na literatura afro-brasileira contemporânea

 

Moema Parente Augel
Universität Bielefeld-Alemanha

[...] os escritores literariamente engajados [...] constroem um imaginário político literário, [...] “comprometido”, ao mesmo tempo, com o referente histórico- cultural que aponta para a perspectiva coletiva nacional – a nação (re)construída num vir-a-ser constante -, e com o trabalho literário que se volta para sua própria plenitude formal -o texto (re)criado em apropriações da matéria vivenciada na práxis social.

• Benjamin Abdala Jr., Literatura: História e Política (1989).

É impossível dissociar a literatura afro-brasileira do engajamento literário. Como afirmou Abdala Jr. no texto em epígrafe, o escritor engajado compromete-se com o momento histórico em que vive e sua produção tem sempre um alcance político e social, direcionada, implícita ou explicitamente, à conscientização do público receptor. A expressão literária pode ser a projeção da experiência individual do escritor ou da escritora afrodescendente, mas estará sempre ancorada na vivência coletiva da discriminação e do estigma da escravidão, terá sempre presente o passado doloroso e revoltante de seus avós. A memória revitalizada ajuda a reescrever a história brasileira, apontando os silêncios, preenchendo as omissões, recuperando a verdade factual, restaurando a dignidade de um segmento vilipendiado da nossa sociedade multiétnica. A expressão literária pode ser reflexo do inconformismo e de denúncia pela situação de discriminação vivenciada de forma pessoal ou não, pode também ser espelho de orgulho de suas origens e da altivez e da autoconfiança em seus próprios valores. As articulações textuais, no conjunto da literatura afro brasileira, contribuem para a reconstrução identitária do sujeito, desconstroem os estereótipos etnocentristas, desenvolvem novas estratégias de abordagem do conhecido, deslocando o discurso hegemônico e levando a uma reconstrução e lima reformulação também da nação brasileira. (Abdala Jr., ib., p.189).

Por tudo isso, a literatura afro-brasileira é também uma literatura revolucionária, no sentido atribuído por Alfredo Bosi (1977), que a define como situada no “eixo presente-futuro com sua vigorosa e concreta antinomia, pela qual o presente é o cenário da maldição, objeto de escarmento, e o futuro é antecipado pelo sentimento como reino de justiça e liberdade”. A literatura afro- brasileira, com sua dinâmica própria, seus referenciais simbólicos, seu desenvolvimento discursivo pode e deve, portanto, ser vista dentro do espírito da literatura revolucionária de que fala Bosi, com suas características de literatura de intervenção, com intenções e pretensões político-sociais, de revisão histórica e de resgate de um segmento majoritário no nosso país e que continua a ser encarado pelo discurso dominante como “minoria”. Seus escritores, ressaltando elementos que expressam a memória coletiva afro- brasileira, fornecem novas pistas para a interpretação do passado nacional, mostrando-o muito mais diversificado do que a monolítica visão da historiografia oficial quer passar, como também apresentam uma percepção sem ilusões do presente, ainda sombrio para a maioria dos afrodescendentes, mas espaço indispensável para a denúncia e o resgate. Querem ao mesmo tempo, numa projeção do futuro, que a emancipação social, econômica e psicológica e o resgate moral do afrodescendente se concretizem e trabalham nesse sentido através de seus textos, contundentes, acutilantes, expressivos e belos, garantindo um lugar incontestável na literatura brasileira contemporânea.1

NOVOS CAMINHOS, NOVOS ESPAÇOS

O afrodescendente de há muito reconheceu que “mãos de mando turvam o sentido do que sonhamos” (Oswaldo de Camargo, “Em maio”, 1984, p. 51); sabe que os grilhões do cativeiro são continuados pelo não cumprimento da alforria total. “Sei das fronteiras que a mim traçaram”, assim se expressa Paulo Colina em “Fronteiras” (Colina, 1987, p.43). Não basta, porém, estagnar na constatação dos flagelos, e Geni Guimarães, de São Paulo, conhecedora do fogo que muitas vezes está por baixo da cinza da acomodação ou do sentimento da própria inferioridade, lança mão de uma forte metáfora para mostrar que as aparências enganam: Como quem já foi, cabisbaixo e lento, / caminha o boi. / Rumina a sina e / engole o pensamento. Criada no interior e no campo, Geni Guimarães conhece muito bem aqueles animais e as suas reações: De bicho sei que já tomei / muito leite de garrote / e não me espanta: / já fui do punho alvo / sei dos gritos que explodem o coma desse boi (Guimarães, 1993, “Matadouro”, p. 34). Outro poeta paulista, Cuti, está bem ciente que a revolta germina adubada mesmo pela opressão: o broto brota sob a bota que pisa / a gente cala porque precisa. E com isso, é possível descortinarem-se novas perspectivas: o broto brotalvorada / e nova rota / grita (Cuti, 1982, “Nascente”, p. 80).

E justo graças a esses “gritos”, e só muito recentemente, a história do Brasil começa a ser reescrita e encarada por ângulos mais diferenciados. A memória dos setores dominantes é quase sempre a que pretende prevalecer na sociedade, obscurecendo outras memórias. Para que o discurso oficial dos detentores do poder pudesse ser proferido – o discurso da glorificação nacional, da estabilidade política e do louvor ao esforço em prol do desenvolvimento do país. Para que esse discurso pudesse ser proferido, foi preciso que se silenciasse um outro, que se fizessem calar outras falas e que se procurassem eliminar as lembranças populares que guardam em seu seio uma outra história. A poesia negra vem com a força de quilombo, diz um verso que tem um lugar simbólico e programático para o importante grupo literário afro paulista chamado Quilombhoje, bastante conhecido por suas atividades e publicações.2

É hoje inconteste que a grande massa dos afrodescendentes não aceitou passivamente o jugo da escravidão e o indigno tratamento prestado ao escravo. O cativo raramente se sujeitou sem protesto ao domínio do colonizador. A historiografia oficial por muito tempo negou a resistência escrava, fazendo passar a ideia do africano dócil e submisso, defendendo a brandura do sistema escravagista luso-brasileiro. O escravo procurava subtrair- se ao jugo imposto através dos recursos os mais diversos: pelo suicídio, pelo aborto, por fugas individuais e coletivas, mas também através de assassinatos, levantes, revoltas. Já Solano Trindade (1908-1974), precursor da poesia afro- brasileira, reconhecia num poema dos anos quarenta o potencial de resistência contido no bojo mesmo dos navios negreiros: Lá vem o navio negreiro / com carga de resistência / lá vem o navio negreiro / cheinho de inteligência (Trindade, 1961, “Navio Negreiro”, p. 4<1). Oliveira Silveira, poeta do Rio Grande do Sul, expressa com sarcasmo o ódio que movia os cativos: Há muito tempo que eu tenho os meus porquês I bendito o canibal / que devorou a expedição I bendito o vidro moído I nos brifes do senhor / bendita a lança, as balas I de Zumbi, do Haiti, bendito os riots / o saque / o fogaréu (Silveira, 1981, “Sou duro”; p. 23).

Toda a época colonial conheceu a reação ao regime escravocrata, uma cadeia ininterrupta de sublevações e resistência à ordem estabelecida pelo regime senhorial. O primeiro registro de que se tem notícia foi o de um quilombo na Bahia no ano de 1575. Daí por diante, o protesto contra o trabalho forçado e a perda de liberdade não mais cessou. Não se tratou de pequenas revoltas pontuais e raras, como quer deixar crer a historiografia oficial, mas de permanentes e diversificadas formas de resistência e de protesto, de inconformismo e de tentativas não só de fuga, mas de reorganização da ordem social surrupiada pelo tráfico negreiro de Norte ao Sul do Brasil.

Assim, sobretudo os intelectuais afrodescendentes brasileiros estão recuperando contemporaneamente esse capítulo da nossa história, um dos temas preferidos pela literatura afro-brasileira. Durante os séculos XVII, XVIII E XIX, esses núcleos de resistência foram centenas. Destaca-se em especial o quilombo dos Palmares, em Alagoas, que, tendo começado com apenas um punhado de quarenta fugitivos, no final do século XVI, resistiu durante mais de noventa anos às investidas dos exércitos portugueses e holandeses e chegou a abrigar uma população de cerca de 30 mil pessoas, os quilombolas, espalhados numa área de quase 350 km quadrados. Zumbi, o último dos chefes guerreiros e a quem coube enfrentar as principais expedições de guerra enviadas pelo governo português para destruir Palmares, acabou morrendo em 1695, quando o acesso ao último reduto de resistência foi possibilitado por traição, e com ele tombaram as derradeiras centenas de guerreiros da fortaleza dos Palmares. Hoje em dia, os movimentos negros alcançaram que o local onde existiu Palmares, na Serra da Barriga, fosse tombado como homenagem a essa sagrada relíquia histórica. Mas Palmares é muito mais que uma relíquia: é o símbolo por excelência da reivindicação e o marco de que resistir vale a pena. É uma construção metonímica, abarcando a idéia de resgate, de glória, de dignidade recuperada; o termo quilombo ampliou-se em sinônimo de resistência e coragem e o dia da morte de Zumbi, 20 de novembro, é festejado como o Dia Nacional da Consciência Negra 3 , em substituição ao 13 de maio, tanto pelos muitos grupos dos movimentos negros como também pelos intelectuais afrodescendentes e não só.4

As rebeliões escravas abalaram profundamente a ordem estabelecida nas colônias do novo mundo. O “medo branco” de que falou Célia Maria Marinho de Azevedo em seu belo livro (1987), foi alimentado no imaginário das elites pelas “ondas negras” de revolta e insurreição, de magia e mistério. A quantidade de estudos históricos, sociológicos e antropológicos sobre o assunto é imensa e faz parte felizmente da referência obrigatória de qualquer trabalho atual.5 Enquanto a sociedade envolvente e a historiografia oficial minimizam a importância ou mesmo ignoram os feitos daqueles que, sobretudo através da tradição oral, se perpetuaram como heróis da resistência negra, os afro- brasileiros se esforçam cada vez com mais sucesso para recuperar-lhes a memória. É preciso, como disse Abelardo Rodrigues, um dos muitos poetas afro paulistas, opor-se à corrente contrária da indiferença ou da manipulação dos fatos: É preciso que se galgue / a poeira levantada / e se ache/ entre palmeiras / lanças / guerreiras / intactas (Colina, 1982, “À procura de Palmares”, p. 54).

PALMARES REVISITADO

Já se sabe, mas nunca é demais repetir, foram milhões os africanos por força levados para trabalharem nas Américas. E se a literatura nacional festeja e aplaude o magistral poema de Castro Alves, Navio Negreiro, ignora ou desconhece outras manifestações poéticas de imenso valor que expressam, numa visão de dentro, o mesmo drama. A escravatura, a vergonha imensa na história da humanidade, foi comparada pelo poeta gaúcho a uma “charqueada grande”: Um talho fundo na carne do mapa: Américas e África margeiam I Um navio negreiro como fica: / mar de sal sangue e lágrimas no meio / [...] e sal e sol e vento sul no corte / de uma ferida que não seca nunca (Oliveira Silveira, 1981, “Charqueada grande”, p.5).

A interpretação da história hegemônica, povoando os livros infantis (e não só) da imagem do escravo passivo, cordato e bondoso, amoldado aos seus senhores, cristalizada na “Mãe Preta” e no “Pai João”; encontra viva resistência por parte dos afro-brasileiros contemporâneos que não querem se identificar senão com os heróis que se rebelaram contra o cativeiro: Sem essa de mãe preta e pai-joão I eu quero é o passado bom! / Na vontade mais funda / e vulcânica de mim / eu quero é o passado bom! / Eu quero o passado bom / do quilombo dos negros / livres no mato e de lança na mão I Da guerra na Bahia – da negrada transbordando das casas/ derramando-se na rua I de pistola e facão! (Oliveira Silveira, “Quero o passado bom”; ib., p. 20). Está-se bem longe da postura de autocomplacência que se pode ler, por exemplo, nos seguintes versos de Lino Guedes (1897-1951), com apelos de afirmação social bem comportada: Se por ventura mel fosse I não seria assim tão doce / o sorriso de Pai João / Que apesar de sofrer tanto / de ninguém, tal corno um santo / guarda rancor ou paixão! (Camargo, 1986, p. 35).

O espaço geográfico é receptáculo e apoio das lembranças biográficas ou emocionais e da memória coletiva. Referências geográficas são parte da comunicação, apontam simbolicamente para um sentido social e guardam uma vigorosa memória histórica e coletiva, contribuindo para um equilíbrio emocional, além de reforçar a “consciência de pertencimento”, a que Georg Simmel já se referira. Certos toponímicos possuem um conteúdo simbólico que lhes empresta qualidades associadas a uma relação social que tem grande efeito na preservação identitária. Assim é Palmares, assim é a Serra da Barriga, onde se realizou o drama e aconteceu a glória da resistência escrava no Brasil. Palmares, ponto geográfico reconhecível no Nordeste brasileiro, é também o sonhado território da liberdade, é mais que simplesmente um sonho utópico, é mais que um momento histórico passado. Continuar a celebrar Palmares é antecipar um futuro para a realização do qual muitos se têm empenhado e a poesia é um dos fundamentos dessa arquitetura da esperança.

Palmares como o símbolo da “nação imaginada” (Benedict Anderson), como comunidade de história e de destino (Max Weber), umbigo africano enterrado em terras brasileiras. Depositário dos saberes tradicionais, dos deuses ancestrais.

Passando em revista a literatura afro-brasileira, são muitos os textos em que Palmares assume um papel simbólico, ultrapassando a simples constatação histórica. Já Castro Alves fez a sua “Saudação a Palmares”; datada de agosto de 1870, grandiloquente, bem no estilo condoreiro, chamando esse reduto negro de ninho d’águias [...] pátria do jaguar, também barca de granito, louvando a região dos valentes, soberbo estádio, das liberdades paládio.

Nos dias atuais, Outro baiano, José Carlos Limeira, presta seu preito: Eu não te esqueço, meu povo I se Palmares não vive mais / inventemos Palmares de novo. E prossegue, expressando o desejo de participar ativamente na construção de uma sociedade mais equilibrada e onde o negro seja tratado com dignidade; lá na diáspora dentro da diáspora, isso seria possível: Se Palmares ainda vivesse / em Palmares queria viver [...] pra Palmares teria que ir [...] Quilombos I meus sonhos I sofro de uma insônia eterna I de viver vocês (Colina, 1982, “Quilombos”, p. 41-45).

Os muitos exemplos do passado vão servir para que o afro-brasileiro não se abandone ao conformismo com a sua atual situação de inferioridade. Oliveira Silveira, gaúcho e autor de vários livros, escreveu um longo “Poema sobre Palmares”, de onde destaco apenas algumas passagens. Logo no início, declara que, embora tenha nos pés ainda correntes [...] na alma um pouco de banzo, só o fato de ter existido Palmares dá-lhe coragem e decisão para levantar a cabeça: quebro tudo, me sumo na noite da cor da minha pele, / me embrenho no mato / dos pelos do corpo, / nado no rio longo / do sangue, / voo nas asas negras da alma, / regrido na floresta / dos séculos/ encontro meus irmãos, / é Palmar, / estou salvo! (Silveira, 1987, p. 1).

É para ele uma necessidade vital dar nome ao até agora quase não nomeado, desfiar com todas as letras os sonoros topônimos das diferentes aldeias de que era composto o imenso aglomerado dos Palmares: Alerta quilombos / de Acotirene, de Dambrabanga, / de Osenga e da real / Aqualtune {..] o do Zumbi, o Amara, o das Caatingas / e a capital Macaco lá de onde/ Ganga Zumba domina distâncias, [...] de onde, / no umbigo da serra da Barriga, / Ganga Zumba vislumbra futuros, / Ganga Zumba – esteio e alicerce, / parede forte e dura [...] Ganga Zumba rei real / dos negros sem lei nem rei / de Portugal (ib., p. 9).

Palmares, como já referido, estava localizado geograficamente na Serra da Barriga, topônimo que passou igualmente a ser metaforizado como espaço de liberdade e resistência, de heroísmo e de redenção. Abdias Nascimento, no poema “Escalando a Serra da Barriga’; emprega aliterações de grande força sugestiva: Serra serrote serra da vingança / serra o mal de barriga da serra / serra bem serrada a gorda pança / do latifúndio da desesperança. E mais adiante, prossegue: Serra serpenteada no lombo dos quilombos / serra cem anos de luta incessante / [...] saravá africanos valentes, saravá imortal Zumbi à frente (Nascimento, 1983, p. 29 – 30).

Domício Proença Filho, que escreveu o belíssimo livro intitulado Dionísio esfacelado, Quilombo dos Palmares tem ali várias referências fortes e expressivas a esse tema: Ventre liso e livre / a Serra da Barriga / emprenhada a sangue I e sal/suor de negro / ferro no pescoço / e na alma argola [...] sêmen da cidade do sonho / negro (Proença, 1984, “O lugar”, p. 26). O campo semântico elegido por Proença evoca a origem do resgate da dignidade, o ventre materno, a África reterritorializada na diáspora, num jogo de dupla significação, lembrando a Lei do Ventre livre, um dos primeiros passos para a abolição da escravatura (1871), quando foram declaradas livres as crianças nascidas de mulheres cativas. Evocação do passado e igualmente projeção do futuro, Palmares como sêmen, como marco fundador da história de resistência que não pode parar de dar frutos.6

Vale a pena deter-nos um pouco mais alongadamente no livro de Domício Proença, infelizmente quase nunca referido, apesar de já datar de 1984. Trata- se de um verdadeiro cântico épico lírico, “a memória acesa do quilombo”, no dizer dos editores, em que, a partir de uma visão participante e emocionada, a voz poética se eleva em preces (título recorrente de muitos poemas), mas também em indignação e protesto: repassa a inglória história do Brasil, desde o descobrimento (as caravelas vadias / e a falsa calmaria; ib., “O começo”, p. 61), os diferentes ciclos econômicos (A madeira / leva ài cana / A cana conduz ao ouro / depois do ouro o café / e o fumo e o algodão, ib., “Processo”, p. 72), saltando para a atualidade (a floresta, / a encosta, / o mocambo, / a favela, / alagados, os vazadouros do lixo / das grandes cidades, “Linha d’água”, p. 116), para acentuar a constância do labor do africano e seus descendentes (e nas raízes da história I o braço adubo do negro, “Processo”), a permanente exploração (Regada a sangue / de negro / uma pátria se paria / e os párias / morriam secos / de fome / e de covardia; ib., “Fermentação’; p. 50) e exaltar o oásis de compensatória resistência e autodeterminação que foi Palmares: De todos os silêncios / de todos os gemidos / de todas as peles / rasgadas [...] escorre, bálsamo, / a palavra, verde: / Palmares-Quilombo! (ib., “Mapa”, p. 23).

QUILOMBOS ONTEM E HOJE

É também de Domício Proença o seguinte verso, onde ele vai de novo recorrer ao trapo da germinação como símbolo de esperança de uma mudança: o quilombo germina / no ar da terra / nova / e verde / no útero verde / de todas as mulheres / negras (ib., “Mercado’; p. 52). O quilombo, como Palmares, não é apenas um espaço concreto e específico, passivo de ser detectado geograficamente; trata-se hoje, na consciência dos afro-brasileiros, de toda e qualquer resistência. Tornou-se uma metáfora polissêmica, entre outras portadora da ideia de inconformidade com o status quo e de busca de melhoria.

O povo, cansado de tantos séculos de promessas e humilhações, não se ilude e reage a seu modo. O aviso é claro e preciso: Quilombo não se destroi com tiro e tapeação / quilombo é calombo grande que guarda a semente viva / quilombo é riso rasgado / unguento pressa ferida / feita com fica branca herdada por iô-iôs (Cuti, 1982, “Resposta”; p. 24). E sempre de novo, a recorrência da memória silenciada que precisa ser recuperada. Memória alicerce e fome de encorajamento: É tempo [...] reabrir [...] os espaços do quilombo / ( ... }jogar lenha na fogueira da memória pra que haja luz e calor / e ouvir histórias vividas de gente encarquilhada no pito / e na palha do cigarrinho (Cuti, ib., “Ventania”, p. 78).

Carlos de Assumpção, paulista, um dos mais velhos dos poetas afro- brasileiros, famoso pelo seu poema “Protesto’, divulgado já em 1958, amplia sua solidariedade não apenas aos que têm origem igual a sua, mas a todos os humilhados, irmananando-os no seio do mesmo e amplo núcleo de consolo e luta: “[...] meu quilombo de hoje, amigos / É quilombo de todos os oprimidos / É quilombo de todos os explorados / É quilombo onde todos são benvindos / É quilombo de todos nós” (Assumpção, “Minha luta”).

Num outro poema, Assumpção repete a mesma ideia, reafirmando sua fraternidade: Tambor que bate batuque / Que bate que bate que bate [...] Batuque bate/ Que bate que bate que bate [...] Que bate o toque de reunir todos os irmãos de todas as cores I Num quilombo I Num quilombo I Num quilombo. (Assumpção, 2000, “Batuque”, p. 19). Na literatura negra é recorrente a recordação da resistência passada como contraponto para o mundo injusto e segregacionista em que hoje se encontra encurralado. Edson Robson Alves dos Santos, poeta de São Paulo, faz a ponte entre os acontecimentos de 1695, na Serra da Barriga, e os mocambos da atualidade, considerando que em ambos os locais, centros de resistência procuram um caminho para a verdadeira liberdade: 1695 I Alagoas I Pernambuco I Serra da Barriga I República dos Palmares / Mocambos / Quilombolas / Zumbi, senhor da guerra/ Rufa tambores no alto da serra [...] Liberdade / Cintila na mente / Atravessando o continente (C. N. 27,2004, “O senhor da guerra”, p. 42).

Carlos Gabriel, poeta de São Paulo, faz também a ponte entre o passado e o presente, entre o escravo colonial e o cativo moderno, sem teto e sem pão.

Num longo poema com o título “Favelas, Quilombos & senzalas”, traça um paralelo cruel, denunciando em anáforas de grande força retórica e dramática, a continuidade da injustiça, a semelhança entre o cativeiro e a marginalização social moral e econômica: É o sol é o tronco, é a saudade I É a dor, é o amor a liberdade / É a sorte, é o cativeiro, é a chibata I É o banzo, é a morte, é a senzala! [...] É o sol é o suor, é a ansiedade I É a dor, é a dura caminhada I É enfim a paz, tão desejada / É o amor, é o Quilombo, é a liberdade! [...] É o frio, é a fome, é a calçada I É a ponte, é a rua, é a madrugada I É a vida, é o ódio, é a miséria I É a dor, é a morte, é a favela (C. N. 21, 2000, p. 24-26). Mas o poema não acaba aí, não se limita à contestação do flagelo. Os versos finais apontam para a esperança e para o devir: Mas, I se, da senzala a dor, I ainda, o corpo grita, I do quilombo a flor, I também o coração agita / e da fivela, o sonho I um dia ressuscita (ib., p. 27).

Landê Onawale, poeta da Bahia, em “Quilombo”, expressa poeticamente essa ideia de resistência que vai muito além de um gesto ou atitude, sendo mais a representação mesma da postura altiva e decidida de tomar o futuro nas próprias mãos: minha certeza flecha I seta, reta I direção da liberdade I nossa razão concreta I terra preta I longe muito da opressão [...] Quilombo é o sol que se avista I um sonho acordado, um ponto de vista I onde foram dar as mãos após varrerem brenhas / se achando em qualquer caminho I se atando as guerras e seus espinhos I enraizando falanges I em pedaços de serra e liberdade (C. N. 21, 1998, p. 84).

Quilombo de palavras é o título de um CD de poemas, trabalho conjunto de Cuti e de Carlos de Assumpção (1997) e também de uma antologia de poemas de afrodescendentes brasileiros, organizada em Salvador, Bahia, por Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa, que teve duas edições (1999 e 2000).

Jônatas Conceição é também o autor de um importante ensaio, originalmente sua dissertação de Mestrado, Vozes quilombolas. Uma poética brasileira (2004), sobre a apropriação da imagem do quilombo na textualidade brasileira, conforme consta da apresentação do livro, feita por Florentina Souza. Além de registrar a imagem de Zumbi, de Palmares e dos quilombos em geral na poesia, analisando sobretudo o longo Poema sobre Palmares, de Oliveira Silveira, Jônatas faz também uma incursão na música popular brasileira, em especial a do grupo Ile Aiyê, de Salvador, que exerce uma outra forma de resistência contra a segregação social do afro-baiano, constituindo um verdadeiro quilombo cultural. Jônatas, além disso, empreende uma exaustiva análise do que já se escreveu sobre Palmares, tanto o discurso hegemônico e aniquilador (ou silenciador) quanto as novas formas de restauração da memória coletiva das resistências e rebeliões negras no Brasil colonial e na atualidade.

REALIDADE E MITO

Zumbi não morreu! I ele grita desesperado dentro de mim / liberdade! / liberdade pro meu povo explorado / É um grito-semente I de novos tempos” (Minka, C. N 1, 1978, “Zumbi”, p. 38). Não é possível desligar Palmares de todos os outros quilombos nem da figura do herói máximo, Zumbi. Quase todos os poetas afro-brasileiros se referiram de um modo ou de outro à grande figura emblema na resistência negra. Num artigo datado de 1996, Robert Anderson, da Universidade de Carolina do Norte, nos Estados Unidos, discorre longamente sobre o que chamou de “mito de Zumbi”, frisando que o lendário guerreiro está muito vivo, oferecendo-nos uma rara vista de um mito em processo de fabricação e acrescenta que apesar de dar substância à matéria de Zumbi, as indagações sobre os dados históricos de Palmares são de certa forma irrelevantes ao significado de Zumbi atualmente (R. Anderson, 1996, p. 100).

A data da morte do sucessor de Ganga Zumba é festejada hoje no Brasil inteiro, mais uma vez devido à iniciativa de grupos negros: Dia vinte de novembro/ entre as palmeiras do Palmar/ último grito de guerra no ar / Dia vinte de novembro, / entre as montanhas do Palmar / os duros músculos do herói I guiando seu braço ágil I na luta desigual [...] Dia vinte de novembro, / entre mensagens do Palmar I tambores de orgulho e brio I conclamando a lutar (Oliveira Silveira, 1981, “Vinte de Novembro”, p.25). E o Dia Nacional da Consciência Negra, em franca oposição às comemorações do treze de maio, é cada vez mais visto como o verdadeiro momento da afirmação dos afrodescendentes. 20 de novembro é uma suave canção guerreira, celebra Abelardo Rodrigues (C. N. 3,1980, “Zumbi”, p.16).

E outro poeta declara altivo: Demitimos a princesa imposta I fazemos a nova luta I dignidade nossa tem data I heroísmo crescido no coração da mata. E termina o poema com um neologismo muito criativo: Rebelião, este sonho é bicho de mil fôlegos I antigas trilhas da mata renascem no século XX / nas salas I salões [...] gráficas I jornais I revistas e I livros cheios de Zumbilições (Minka, “Novembro, 20”, C.N. 17, 1994, p. 38).

Robert Anderson, já referido, considera terem os brasileiros criado um sistema de referências que apresenta todas as características axiológicas descritas por Mircea Eliade em Myth and Reality, no momento em que a figura de Zumbi adquire um significado abrangente de uma estrutura de valores tida por uma comunidade (Eliade). 7 O nome de Zumbi, o grande guerreiro e chefe supremo nas últimas décadas de Palmares, está presente na música popular brasileira, nas cantigas de capoeira, nos folguedos populares, no folclore e não podia faltar na literatura afro-brasileira. Ao selecionarmos passagens que se referem a Zumbi (e a Palmares), sobressai a tensão entre o “histórico” e o “mítico” e os textos funcionam como “história sagrada” que toma o herói como “modelo exemplar”, repetindo as palavras e me reportando mais uma vez ao pensamento de Robert Anderson (1991, p. 105/106).

Muitas vezes a auréola sagrada que reveste Zumbi o associa a uma força mística, identificando-o ao espírito ancestral Nzumbi, da cultura kimbundu, o Zâmbi, o criador e senhor onipotente, o deus supremo nos cultos bantos e, no Brasil, também na umbanda. É nome próprio da nobreza iorubá e provavelmente daí deriva o nome, ou título, do principal guerreiro palmarino.

São-lhe atribuídos dons excepcionais e divinos: ele é aquele que arrepia o sol, [...] que engole o sol [...] que mata o sol, como consta do poema “Candombe”, do mineiro Edimilson de Almeida Pereira (1991, p. 109).

Domício Proença se refere diretamente a Zambi, a divindade, num dos seus poemas: Zambi I do Alto I vigia (Proença, 1984, “Festa”, p. 68). A maiúscula aponta para o sagrado, traduz respeito e devoção. Abdias Nascimento, servindo-se de aliterações, não deixa dúvida quanto à ligação entre o divino e a personagem histórica: Zâmbi Zumbi I Zambiampungo I Zumbi zenith (Nascimento, 1983, “Escalando a Serra da Barriga”, p. 31). Zumbi é também muitas vezes posto em relação a Exu, aquele que domina as encruzilhadas e aponta as direções, abre novos caminhos, orienta o peregrino, aquele que está em busca do seu lugar e da sua sorte: Zumbi é senhor dos caminhos, declara o poeta baiano Jônatas Conceição, e a função do poeta é, nos dias de hoje, resgatar tua presença [...] resgatar o teu objetivo [...] caminhar na tua ausência.

E isso guiados pela tua firmeza de propósito/ de amor e liberdade / pela raça (C. N. 9, 1986, “Zumbi é senhor dos caminhos”, p. 76).

Um caminho para a afirmação identitária do afro-brasileiro é justamente a heroização dos antepassados e a exaltação dos movimentos que se opuseram ao cativeiro: as revoltas armadas e, sobretudo os quilombos, buscando-se um resgate do papel desempenhado por essas ilhas de resistência. Não só a conclamação à revolta, mas, sobretudo o reconhecimento de figuras chaves que fortalecem uma autoimagem positiva ajudam a manter bem alto o orgulho e resultam numa enorme força lírica. Zumbi é visto como exponencia do ancestral, herói fundador, reencarnado no povo afro-brasileiro que não fica passivo ante as injustiças e a segregação social de que é vítima. O papel representado pelo grande chefe guerreiro é exaltado de forma emocionada e vibrante de orgulho merecido: Zumbi – nome gravado / a lança / nos contrafortes da serra / a sangue / nos contrafortes da história / a fibra / na alma forte dos negros!, exclama Oliveira Silveira numa passagem do poema “Palmares”, já referido (p. 2).

A referência recorrente à fibra, à fortaleza, do espírito de luta dos herdeiros de Zumbi funciona como encorajamento e exemplo, como antídoto contra a humilhação dos que se veem catapultados para a margem da sociedade.

Como se expressou o poeta pernambucano Lepê Correia: Eu só I Fortalecido por tua coragem / Sou mais resistente que mil generais / Sou mais negro que a África inteira / Mais potente que uma manada de búfalos / no cio (Correia, 1993, “Irmão do quilombo”, p. 29). Esmeralda Ribeiro também remete à sua herança ancestral o fato de saber resistir aos golpes da vida: Sou forte, sou guerreira, / tenho nas veias sangue de ancestrais. [...] “Nunca me verás caída no chão”. / Sou destemida / herança de ancestrais, / não haja linha invisível entre nós [...] Sou guerreira como Luiza Mahin (C.N. 27, 2004, p. 63). Zumbi aparece, assim, na literatura negra como agente propiciador da liberdade verdadeira, em oposição à lei perpetrada pela Princesa Isabel. 8 Mas, além de sua figura e de outros integrantes das guerrilhas quilombolas, sobressai ainda a participação de Luisa Mahin, escrava na Bahia que participou da revolta dos Malês, em 1835: Há revoadas de pássaros / sussurro, sussurro: / “é amanhã, é amanhã” / A cidade toda se prepara / Malês / bantus / geges / nagôs / vestes coloridas resguardam esperanças / aguardam a luta / Arma-se a grande derrubada branca / A luta é tramada na língua dos Orixás (Mitiam Alves, “Mahin amanhã”, C. N. 9, 1986, p. 46).

Décio de Oliveira Vieira lembra heróis negros da história recente, como Chico Rei, aquele que não se dobrou diante dos homens I O golpe seguro na ponta do plexo / todo o cais parou pra olhar. [...] Nas minas douro / como animal trabalhou / E com suor, / a liberdade comprou. / Jamais esqueceu o sol de África. / De sua gente não se apartou I De sua vida / o exemplo ficou (C. N 27, 2004, p. 33). A ligação entre o passado, o presente e o futuro tem que se fazer de forma consciente e altiva. Cuti admoesta: Que os ancestrais apontem nosso melhor caminho! / [...] ninguém negue sua herança de umbigo! / [...]. Há uma estrada a ser percorrida do lamento passado ao riso futuro I por sobre as costas do tempo lanhadas de sofrimento I [...]. Vamos destapar bocas de escravos sufocadas em cada I poro do povo (Cuti, 1987 “Veio”, p. 54). E muito expressiva a alusão ao silêncio das bocas sufocadas, ao silenciamento imposto pela historiografia hegemônica e ao perigo do esquecimento amortecer a indignação. E é escudado na ancestralidade, no passado mítico do tempo da liberdade antes do cativeiro dos avós, que o afrodescendente vai encontrar motivação e coragem para erguer a cabeça e sacudir a humilhação.

O sentimento pela raça é expressão da solidariedade idealizada por parte do afro-brasileiro para com todos aqueles que tenham sofrido sob o racismo e o colonialismo, sobretudo os povos africanos. Oubi Inaê Kibuko, sempre presente nos Cadernos Negros, traz uma bela síntese dessa união da coletividade negra muito além das fronteiras geográficas, união proporcionada pelo passado comum de sofrimento e cativeiro, pela origem na África mãe e umbigo. Num poema intitulado “Cinco elementos”, dedicado “aos Manos e Minas do Movimento Hip Hop”, aludindo à palavra cantada I juventude municiada [...] palavra tocada I orquestra em didjei vinil [...] palavra grafitada I muros paredes I tela nua e finalmente à palavra revolucionária I becos, vilas cohabs morros favelas I periféricas páginas cotidianas I dialeto de preto / raio X do gueto I em ritmo Marx-Martin-Malcon-Mandela-Zumbinianos (C. N. 27,2004, p. 114-115).

As independências dos países africanos despertaram nos afro-brasileiros (e não só) uma grande emoção e constituiu inclusive um despertar mais consciente para a reação “em casa” contra as injustiças sociais. Foram muitos os poetas que fizeram versos inflamados em homenagem a Mandela, a Samora Machel e outros heróis das lutas contra o colonialismo. Jamu Minka, poeta de São Paulo, traça um paralelo entre a luta de Zumbi e as lutas para a independência em Zimbabwe, lançando mão de um sugestivo jogo de palavras: Como a lembrar Palmares I a festejar Zumbi I agora Zumba Zimba...bwe // Zimba I Zumba I Zumbi I Rodésia no fim / é Zimbabwe lembrando Zumbi (Minka, “Zumbabwe”, C. N. 5, 1982, p. 31-32).

IZABEL VERSUS ZUMBI

Na busca de possíveis recursos para manter a memória viva, por parte do poder hegemônico no Brasil, do que lhes interessa guardar relativo ao tempo da escravidão e ao período logo depois, sobressai o grande respeito que é dedicado aquela considerada a mãe benemérita e salvadora dos cativos, a Princesa Isabel. A princesa regente recebeu o título de A Libertadora, foi cantada e louvada pelo gesto “generoso e cheio de coragem”, documentado como ato de suprema humanidade, o que lhe valeu a ordem do mérito concedida pelo Papa Leão XIII. Mas a famosa Lei Áurea não passou de um ato formal, sem de fato consequências positivas para os que nela se enquadravam.

Os afrodescendentes, tanto tempo depois, continuam sob os humilhantes açoites da pobreza, da exploração do trabalho, do desrespeito aos seus direitos, mesmo que se registre a emergência de uma franja cada vez mais larga de afro-brasileiros pertencentes a camadas mais abastadas. O cativeiro da injustiça social predomina, continuando a ser dificultado às populações de baixa renda, constituídas em avassaladora maioria por negros e mulatos, o acesso à educação, à assistência médica, à ascensão social, à participação integral no desenvolvimento nacional. Já não há razão para chamar lembranças I e mostrá-las ao povo I em maio, afirma desolado, Oswaldo de Camargo (Camargo, 1984, “Em maio”, p. 51). Pois, mãos de mando não estão aptas a uma tal empreitada, uma vez que nada sabe[m] da nossa vida (ib.).

Os poetas afrodescendentes também tematizaram a data oficialmente festejada e se referem à princesa ora com ironia, ora com sarcasmo ou revolta.

Já em 1970, Oliveira Silveira, aqui tantas vezes referido, admoestava: Treze de maio-traição I Liberdade sem asas I Fome sem pão (Camargo, 1986, “13 de Maio”, p. 62). A abolição não foi seguida por medidas sociais nem econômicas que possibilitassem aos recém-libertos um novo começo de vida. A respeito, Adão Ventura, de Minas Gerais, falecido em 2004, assim se exterioriza: Minha carta de alforria I não me deu fazendas nem dinheiro no banco, / nem bigodes retorcidos (Ventura, 1987, “Negro Forro”, s.p.). Muito pelo contrário, conclui o poeta mineiro: Minha carta de alforria I costurou meus passos I nos corredores da noite I da minha pele (ib.).

Ou, como o paulista Paulo Colina, falecido em 1999, ironicamente conclui, num verso que é sempre citado: A Princesa esqueceu de assinar nossas carteiras de trabalho (Colina, 1987, “Pressentimento”, p. 52). O famoso jurista baiano Rui Barbosa lamentava em 1919, durante sua campanha eleitoral à presidência da República, a situação desoladora do incipiente proletariado brasileiro, acusando os antigos senhores de terem perdido o interesse pelos ex-cativos que deixaram de ser sua propriedade. Criticou duramente a falta de medidas jurídicas e institucionais para melhorar a situação dos assalariados e aliviar a miséria acarretada pela abolição da escravatura. Em face da cruel realidade, Rui Barbosa reivindicou outra libertação para proporcionar aos não mais cativos os benefícios da civilização. Os antigos senhores em cujas mãos permanecera o poder econômico, e consequentemente o político, não se preocupavam nem um pouco com a justiça social. As poucas tentativas de realizar politicamente as reivindicações de José Bonifácio e Joaquim Nabuco, como por exemplo, escolaridade ou formação profissional para os ex-escravos, não surtiram nenhum efeito.

Assim, sabe-se que a lei de 13 de maio de 1888, apesar de ter acabado formalmente com a escravatura no Brasil, não criou nenhuma condição econômica, social ou cultural para uma libertação efetiva da população negra e mestiça. Mesmo depois de abolido definitivamente o cativeiro em nosso país, os recém alforriados não adquiriram direitos de cidadania plena e efetiva, não lhes tendo sido possibilitadas condições econômicas e culturais para uma verdadeira libertação do cativeiro. A amarga realidade do cotidiano da população afro-brasileira reforça a dúvida na eficiência do 13 de maio. E são muitos os que sentem esse ato como engodo (Cuti), como farsa enojante (Limeira), como mentira. Foram-se as efemérides felizmente I estamos nus de centenários-engodos, afirma Cuti; sendo por isso mesmo necessário cortar suicidas raízes / que nos prendem ao lodo (C.N. 19, 1996, “Eh! Ventos...”, p. 37). Éle Semog, poeta do Rio de Janeiro, expressa de modo exemplar a maneira de encarar o 13 de maio por parte dos afrodescendentes: A treze de maio fica decretado / luto oficial na comunidade negra I E serão vistos I com maus olhos I aqueles que comemorarem I festivamente, esse treze inútil I E fica o lembrete: Liberdade se toma I Não se recebe. / Dignidade se adquire I Não se concede (Semog / Limeira, 1984, “Se ela faz eu desfaço”, p. 110).

OS HERDEIROS DE ZUMBI: A IDENTIDADE COMPARTILHADA NUMA COMUNIDADE DE DESTINO

Se os poetas afro-brasileiros, os herdeiros de Zumbi, numa coerência com suas origens, dão imenso valor à linhagem, ao papel sagrado dos ancestrais, veem-se igualmente imbuídos da tarefa de continuadores da missão resgatadora por eles transmitida, guardiães da memória das lutas passadas: eu / pássaro preto / [...] monto guarda na porta dos quilombos, como se expressou Adão Ventura (1987, “Eu, pássaro preto”, s.p.). É recorrente, na obra de muitos autores afro-brasileiros, a firme decisão de pôr a descoberto injustiças e situações motivadoras de indignação e protesto e é esse, a meu ver, um dos elementos mais característicos desse discurso poético, numa permanente preocupação com os valores comunitários e fraternais.

A procura plural do equilíbrio identitário passa por muitos caminhos: a busca de uma sintonia interna, num esforço sempre renovado por uma harmonia ou um encontro equilibrado consigo mesmo, leva o indivíduo, inserido num espaço social, a também procurar harmonizar sua inserção na sua comunidade ou grupo. Como se expressou Márcio Barbosa, definindo-se como indivíduo e assumindo uma pertença que sublinha a marginalidade a que o negro em geral está relegado, mas sem com isso descer a lamentações, muito pelo contrário, levantando altivamente a voz e afirmando sua diferença: sou rebelde/ ressentido / retraído / sou do gueto // sou do canto I obscuro / sou escuro / sou do gueto [...] e sou forte / e sou preto / sou do mundo / sou do gueto (C. N. 25, 2002, p. 112-113).

A reciprocidade, mas também a consciência da diferença, são, portanto, elementos importantes quando se pensa a identidade. Muniz Sodré, citando Heidegger, lembra que o termo alemão para pertencimento é Zugehörigkeit, termo que inclui na sua raiz o verbo “escutar” (hören). “Todo pertencimento é, assim, uma recíproca escuta na diferença, e toda identificação se dá no comum pertencer, com acento forte no ato de pertencer” (Sodré, 1999, p.38). O autor afro-brasileiro atua com sua voz individual, mas também como voz coletiva, quando a produção textual expressa um compartilhamento, pronunciando-se em nome de um “nós” que abrange solidariedade e reivindicação de um espaço para os que até então não usufruem do reconhecimento de sujeitos da história. O “nós” revela solidariedade, um “sentir com” alargando a identidade pessoal para a coletividade, tanto a sofredora como, em outros casos, a combatente e também a vitoriosa, mas de todo modo englobante e não restritivamente pessoal. Tal posicionamento faz parte do projeto subliminarmente presente nesses textos que vão além do reflexo de uma identidade ora subjetiva ora compartilhada, expandindo-se para a construção da identidade coletiva, numa tomada de posição reveladora do lugar do subalterno, na versão e na visão que o dominado tem de si e dos seus iguais, de seu modo peculiar de ser, de viver – mas também de reagir e resistir. O tema recorrente envolvendo Palmares e seus heróis, assunto deste artigo, é apenas um, dentre muitos, onde o tecido textual faz ecoar a identidade (individual, cultural e coletiva) e as identidades do sujeito negro, brasileiro, afrodescendente, e empresta-lhe voz e visibilidade.

Considerando as identidades como posicionamentos a partir dos quais os indivíduos interpretam suas vivências e o mundo ao seu redor, o assumir um papel social está, portanto, diretamente ligado ao sentimento identitário.

Rastreando o discurso literário afro-brasileiro, são muitos, talvez mesmo predominantes, os momentos em que palpitam, vivas, manifestações poéticas expressando sentimentos de pertença, de compartilhamento e de consciência coletiva, ao lado de indiscutível qualidade estética. O escritor negro, assumindo seu papel social, convencido de sua função como porta-voz, mensageiro, intérprete, identifica-se com uma alargada comunidade de destino, para usar a expressão cunhada por Max Weber, vê-se defensor de uma causa comum que é a luta pela dignidade, pelo reconhecimento de um espaço e pelo respeito à igualdade tão pregada e tão pouco praticada. Pode-se detectar, no discurso poético afro-brasileiro, essa fraternidade baseada no sentimento de que não apenas os irmãos de origem são abraçados solidariamente, mas que existe uma fraternidade entre as vítimas da exploração, independente das diferenças culturais ou étnicas. Para Ralph Ellison, não é a cultura que une os povos que são, em parte, de origem africana, agora espalhados em todos o mundo, mas uma identidade de paixões. Compartilhamos o ódio pela alienação imposta por europeus durante o processo de colonização e império e estamos ligados mais por um sofrimento comum do que pela nossa pigmentação. 8 É o que transpira, por exemplo, dos versos de Carlos de Assumpção: Eu sou descendente de Zumbi I Zumbi é meu pai e meu guia I [...] sou bravo valente sou nobre I os gritos aflitos do negro I os gritos aflitos do pobre I os gritos aflitos de todos I os povos sofridos do mundo I no meu peito desabrocham [...] Eu sou descendente de Zumbi I eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim (Assumpção, 2000, “Linhagem”, p. 71). São versos orgulhosos e fortes de um veterano entre os autores negros brasileiros. São dele também os versos já acima mencionados em que ele engloba num mesmo imenso quilombo todos os desfavorecidos do asfalto e da selva urbana, todos os oprimidos, todos os explorados, pois todos são considerados bem vindos e um pouco de todos nós (ib., “Minha luta”).

Num gesto de sublimação, que pode ser definido como “o desvio do alvo por pulsão” (Sodré, ib., p. 94), num processo que consiste em transferir as emoções para novos objetos, o poeta superlativiza o subalterno, com o qual se depara na selva urbana da grande cidade, incorporando a discriminação ou a marginalização como seu destino pessoal, emprestando-lhes uma função simbólica que está além da realidade. Lourdes Teodoro, de Brasília, se confraterniza com aqueles que não conseguem integrar os núcleos de resistência, solidária com aqueles que nunca foram a Palmares, os despossuídos que continuam acorrentados pelo abandono e a injustiça sociais, exponenciando simbolicamente mais uma vez o quilombo alagoano: Somos pivetes I balconistas I assaltantes I e quantos mais I que de Palmares nem ares I que de Palmares só os ais [...] Salve 20 de Novembro // Eu de Palmares I nem ares I eu de Palmares I só os ais. (Teodoro, 1987, “Balada del que nunca fué a Palmares”, p. 16).

A identificação, num sentido amplo e bastante simplificado, é o ato do indivíduo assumir e internalizar, tornar “suas”, certas características de um outro indivíduo, deixar-se compenetrar pelo que outrem sente ou pensa. Trata-se de um conceito haurido da psicanálise e que foi adotado tanto nas ciências sociais como literárias. Estreitamente imbricado com a identidade, encerra uma dinâmica interna, uma ideia de processo e de troca de papéis. A questão da identificação está sempre ligada a uma bi focalização, pois tanto se refere à produção de uma imagem de identidade como à transformação do sujeito ao assumir aquela imagem (Bhabha, 1998, p. 76). Essa imagem retomada, que ressoa dentro de si como um eco de si mesmo, como uma repetição do eu, traduz a intenção, a postura do autor em ser visto como o Outro, em ser mesmo esse Outro (o subalterno marginalizado, desprezado e até mesmo invisível, ignorado pela sociedade) e dar-lhe forma, contornos reais e representação.

Em sintonia com a interpretação de Benedict Anderson, que utiliza, para designar o coletivo de iguais unidos pelo sentimento de fraternidade, o neologismo “fätria”, Cuti, no poema intitulado “Torpedo”, faz a voz poética assumir a primeira pessoa e proclamar essa identificação que o leva sem pieguice a procurar despertar a consciência de seus irmãos afro-brasileiros, comparando a uma prisão o aprisionamento ideológico em que está a grande maioria de seus iguais: irmão, quantos minutos por dia / a tua identidade negra toma sol I nesta prisão de segurança máxima? [...] irmão, tua identidade negra tem direito / na solitária / a alguma assistência médica? [...] irmão, sem querer forçar nada / quando puderes / permite à tua identidade negra I respirar, por entre as mínimas grades I dessa porta de aço I um pouco de ar fresco. [...] Um grande abraço I deste teu irmão de presídio // assinado: zumbi dos palmares (Cuti, C.N. 27,2004, p. 28-30).

O título desse poema já prenuncia a intenção do poeta. O “torpedo” é um instrumento de luta, de defesa, mas também de ataque, arma submarina, da mesma forma como a palavra é instrumento e arma, prenhe de subterfúgios e de certeira detonação. Cuti, usando o pronome de segunda pessoa, dirige-se a um interlocutor, convidando o leitor a um pacto de solidariedade. Se lembrarmos que as identidades são posicionamentos a partir dos quais os indivíduos interpretam suas vivências e o mundo ao seu redor, aprendendo a definir e a reformular seus valores e alianças (Mohanty, 1993, p. 55), vamos ver a adequação desses versos a essa afirmação. Cuti aqui, em muitos poemas, é abertamente intervencionista. Incorporando a alienação a que o afro-brasileiro está imerso, sem acesso a escolas e a uma boa formação, como se grades e correntes o segregassem da sociedade de prestígio, das camadas sociais dominantes, o poeta apela à emoção e à cumplicidade do leitor, reforçando com o emprego anafórico do vocativo “irmão”, sua participação nesse quadro de inadmissível alienação. O olhar do enunciador procura o olhar do receptor e, nessa troca especular de olhares, se apaga a diferença, irmanados num concerto onde não há lugar para concessões nem piedade. Do triângulo constituído pelo enunciador, pelo receptor e pelo objeto em foco (a intangível mas onipresente “identidade negra”), sobressai a transgressão insurgente, emergindo do silêncio imposto pela sociedade envolvente, pelo discurso hegemônico. Nomeados, os motivos do opróbrio e da vergonha, da indignação inconformada tomam corpo e adquirem representabilidade, não podendo ser ignorados.

Jônatas Conceição prefere, naquela visão profética da poesia revolucionária de que fala Alfredo Bosi, projetar Palmares para o porvir, vendo o futuro antecipado pelo sentimento como reino de justiça e liberdade. Palmares, metáfora ou lembrança, revive para Jônatas, porta-voz de teimosas esperanças, erigindo em seu poema a ponte entre o passado e o amanhã: No Nordeste, palmeiras resistem / [...] Aqui, junto ao mar de Amaralina / novos Palmares também crescem / arejando cabeças trançadas / trazendo novas verdades (Conceição / Barbosa, 2000, “No Nordeste existem Palmares’: p. 25).

Nos inícios do século vinte e um, ainda se ouvem ecos do discurso colonial, que tendia a “construir” o colonizado, munindo-o de artefatos negativos baseados em preconceitos raciais que tinham como finalidade justificar a conquista e a ocupação e estabelecer sistemas administrativos e culturais em seu próprio benefício e que hoje, numa forma de neocolonialismo e mesmo auto colonialismo, continua a surtir efeito, eternizando a dicotomia entre os segmentos dominantes e os subalternos da sociedade (Bhabha, 1992, p. 184).

Márcio Barbosa, poeta afro paulista, denuncia: quando o opressor / diz “negro!” I quer dizer feio I e burro e pobre no meio // cada sílaba de aço / é o mesmo velho cansaço / as entrelinhas sabidas / antigas dores e dívidas (Barbosa, C. N 27, 2004, p.112).

E sempre de novo Zumbi é invocado, muitas vezes de forma desconstrutiva e irônica, num discurso distanciado do panegírico, mas nem por isso menos significativo, patenteando a vitalidade do mito. Elisa Lucinda, poetisa radicada no Rio de Janeiro, é exímia em inserir ironicamente o cotidiano no seu discurso poético. No exemplo a seguir, a triste realidade econômica atual que tolhe a liberdade de consumo do indivíduo se entrelaça ao símbolo máximo de liberdade do afro-brasileiro, Zumbi. A escravidão econômica de hoje é comparada ao cativeiro do passado, as correntes que prendiam o cativo ao tronco são hoje mais sutis: Zumbi, meu zumbi. / Hoje meu coração eu arranco / Zumbi hoje eu fui ao banco. / E ainda estou presa / Escuto os seus sinos / e ainda estou presa na senzala Bamerindus / Presa definitivamente / Presa absolutamente / à minha conta corrente (Lucinda, 1998, “Zumbi saldo” p. 174).

Os signos representativos da escravidão são aqui desconstruídos e revestidos de novas e irônicas significações, dando lugar a um espaço lúdico e irreverente. A dramaticidade que geralmente está contida na lembrança que a senzala, as correntes, a prisão evocam é travestida e atualizada, catapultando a dependência real do mundo moderno para uma nova forma de escravidão. O afrodescendente continua preso ao desemprego, ao subemprego, acorrentado à falta permanente de meios, de educação, de saúde. O valor político e de contestação ficam evidenciados pela manipulação de símbolos e por uma manobra protestatória que pretende desarticular um status quo de servidão econômica, de precariedade de perspectivas.

Concluindo, vemos que, tanto a memória de Palmares como da figura do herói máximo Zumbi é recuperada através da poesia negra (e da música), engendrando-se estratégias identitárias e reterritorializando-se a história dos afrodescendentes, dignificando-se seu esforço de sobrevivência cultural. O silêncio a que a historiografia tinha relegado a ininterrupta cadeia de resistência e rejeição do cativeiro por parte dos africanos e seus descendentes é quebrado pelas muitas vozes que se elevam para celebrar Palmares, símbolo de liberdade e de dignidade negras. Não é relevante a restauração “histórica” dos acontecimentos da Serra da Barriga, não é relevante a discussão sobre a figura real de Zumbi. O que esses poemas passam é a importância e a urgência da recuperação da memória por parte dos diretamente implicados, a recuperação da ancestralidade, a criação de uma representação simbólica e de um imaginário próprio do grupo cultural que articula, como disse Eneida Leal Cunha, um discurso identitário fundado na dignidade do afrodescendente e que leva a efeito a reconstrução e a afirmação de uma memória da africanidade que transcende a história da escravidão (Cunha, 2004, p.14). Zumbi continua vivo, mito ou herói, mito e herói. Como Palmares, metonimicamente sempre de novo resgatados e atualizados.

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Notas

1. Uma primeira versão deste artigo, sob o título “Palmares revisitado. Uma visão das lutas de libertação do cativeiro e do 13 de maio a partir da literatura afro-brasileira contemporânea”, foi publicado primeiramente em A cor das letras, revista do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana (n° IV; 2000. Feira de Santana: UEFS, 2001, p. 115-131).

Considerando ainda a pertinência do seu conteúdo, limitei-me a ampliar os exemplos, retirados sobretudo dos Cadernos Negros mais recentes, e acrescentei algumas reflexões teóricas que julguei oportunas. Além disso, eliminei passagens que estavam diretamente ligadas ao momento em que o artigo foi originalmente publicado.

2. O Quilombhoje é uma associação cultural de um grupo de escritores paulistas, fundada em 1980, entre outros, por Cuti, Oswaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues e Paulo Colina. Nos anos subsequentes, o grupo inicial sofreu várias reestruturações, com a saída de alguns e entrada de outros membros. O Quilombhoje vem editando desde 1983 ininterruptamente os Cadernos Negros, publicação anual mantida em regime de cooperativa, financiada pelos próprios autores. São cadernos de poesia e de prosa e consistem num verdadeiro marco na literatura brasileira de expressão negra.

3. Em 1971, o grupo Palmares, de Porto Alegre, sob a liderança do poeta e ativista gaúcho Oliveira Silveira, organiza a 20 de novembro, pela primeira vez, um ato celebrando a morte de Zumbi. A partir daí passou-se a comemorar essa data, iniciando-se um novo modo de contar a história das lutas libertárias negras. Cf. Jônatas Conceição (2004) e Oliveira Silveira (2003).

4.Daí deriva o nome de um dos grupos mais atuantes de São Paulo, já acima referido: o Quilombhoje é uma associação cultural de um grupo de escritores paulistas, fundada em 1980 entre outros por Cuti, Oswaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues e Paulo Colina. Nos anos subsequentes o grupo inicial se dissolveu, permanecendo, porém com outros integrantes. O grupo vem editando desde 1983, ininterruptamente, os Cadernos Negros, cadernos de poesia e de prosa e que consistem num verdadeiro marco na literatura brasileira de expressão negra.

5. Registrem-se entre outros: Décio Freitas (1983), Clóvis Moura (1981, 1983); a referida Célia M. M. de Azevedo (1987), Kátia Mattoso (1990); João Reis (1989, 1996), para só citar alguns.

6 A Lei do Ventre Livre foi de 28.9.1872 e declarava “os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.”

7. O mito narra uma história sagrada; relata um evento que tenha acontecido na época primordial, a lendária época dos começos, Mircea Eliade, apud R.

Anderson, p. 101.

8. Estou tratando aqui apenas da poesia, mas não posso deixar de fazer referência a um romance que não conheço, mas do qual li apenas comentários.

Trata-se de Ganga Zumba, de João Felício dos Santos, escrito em 1962, ficção apoiada na realidade histórica do quilombo dos Palmares.

9. Citado a partir de Luiza Bairros (1996, p. 186).

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