A tessitura dos personagens negros na Literatura Infantojuvenil Brasileira1

Maria Anória de Jesus Oliveira *

A Literatura Infantojuvenil apresenta-se como filão de uma linguagem a ser conhecida, pois nela reconhecemos um lugar favorável ao desenvolvimento do conhecimento social  e à construção de conceitos. As imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado.

                                                                                                                                                                     Heloisa Pires Lima

Resumo

No presente artigo enfocarei doze produções literárias infantojuvenis publicadas entre 1979 e 1989, com o objetivo de analisar a imagem que emerge dos personagens negros na tessitura dos textos. Os pressupostos teórico-metodológicos consistiram na pesquisa bibliográfica e na interpretação da narrativa, além de subsídios oriundos das Ciências Humanas e Sociais. Constatei, através da análise, a predominância de três tendências temáticas nas estórias: denuncia da pobreza, do preconceito racial e o enaltecimento da beleza “marrom” e “pretinha” de dois protagonistas, mas com vistas à disseminação do mito da democracia racial. Entre as narrativas estudadas, excetua-se A cor da ternura, obra que inova o cenário literário, ao tecer a face da protagonista Geni, a “força flutuante”, que segue uma trajetória de lutas e conquistas, enquanto “tutora” de si mesma.

Palavras-chave: relações étnico-raciais, literatura infantojuvenil brasileira, narrativa, personagens negros.

Introdução

Ao procurar as nuances dos fios que tecem as estórias literárias infantojuvenis e, nelas, a tessitura dos personagens negros, sei que adentro uma estrada já trilhada por uns, aplainada por outros, mas, ainda, cheia de surpresas em suas veredas entreabertas. Como estou no terreno da literatura, deixo-me deslizar pelas fendas que se abrem à minha frente, com o cuidado de percorrer a trajetória pretendida sem esmaecer a face dos seres sobre os quais me debruço criteriosamente. E, assim, reconheço que meu caminhar é constituído de perdas e buscas. Buscas de informações que elucidem o estudo que ora faço. Perda da “minha organização construída” outrora2. Nessa busca constante, prosseguirei a trajetória das estórias literárias observando, nelas, como se tem tecido os personagens negros nas teias da trama. Embora o meu propósito seja refletir acerca desses personagens, em um primeiro momento trarei à tona algumas considerações dos educadores com os quais tenho atuado, a fim de evidenciar a complexidade que emerge da relação étnico-racial no contexto escolar, contribuindo para a ampliação de nosso3 olhar em torno dessa questão.

Espaço escolar: (des)informação do educador/deformação do ser negro

Durante minha trajetória acadêmica na universidade que leciono (UNEB-BA), notei que a maioria dos educadores com os quais atuei relataram a carência de informação teórica que subsidiasse a seleção de livros literários infantojuvenis que apresentassem personagens negros em uma perspectiva inovadora. Esses educadores também compartilharam situações difíceis que vivenciaram no contexto escolar, ao presenciar o racismo4 e/ou discriminação5 entre os seus alunos.

Um dos problemas levantados pelos educadores foi a inexistência ou a escassa presença de livros literários com personagens negros nas escolas. E entre aqueles – os livros -, prevaleciam, sempre, os personagens brancos, sob os moldes dos contos de fadas. Ou seja, com traços predominantemente europeizados. Por outro lado, os alunos dos educadores (da Educação Infantil e do Ensino Fundamental), em grande maioria negros, ou morenos, como se autodenominam, e outros de tez clara, quando das festas realizadas nas escolas, escolhiam os colegas para representar papéis de heróis, príncipes, princesas, fadas, conforme o padrão de beleza branco: pele clara, cabelos lisos e, de preferência, louros. Agora, quando se tratava de escolher aqueles que seriam os antagonistas, o Saci Pererê, a bruxa, o representante do mal, indicavam os colegas negros. Lembro-me do relato de uma educadora ao interferir nessas indicações da classe, quando um dos alunos negros recusou-se a ser o Saci Pererê, pois dizia estar cansado de ser sempre o Saci nas festas folclóricas. Também foi comentado sobre os anjos das escolas, os quais eram representados pelas crianças de pele clara, enquanto as negras ficavam de fora, esperando a sua vez. Outras reclamavam e pediam para fazer o papel de anjo, embora vendo a rejeição dos colegas quanto a esse pedido. Afinal, os anjos dos livros didáticos, da literatura, dos cartazes escolares, dos filmes, das igrejas eram sempre brancos, de olhos azuis e não negros. Em virtude disso, aqueles profissionais, após algumas discussões em sala de aula, presumiram que a literatura infantojuvenil dá a sua contribuição para que os alunos tenham uma postura discriminatória, à medida que os personagens negros nas obras disponíveis nas bibliotecas, em grande maioria, são caracterizados de maneira estereotipada. Em contrapartida, os personagens brancos são os heróis e simbolizam o ideal de beleza europeu. Será que isso ainda é uma constante na literatura infantojuvenil brasileira? - Indagavam as educadoras?!

Um outro fato que não consigo esquecer foi a fala de uma professora, em um curso de aperfeiçoamento de educadores, em Itabuna-BA, em fevereiro de 2002, ao relembrar de um ex-aluno, de quatro anos, de pele clara, que se negou a pegar nas mãos de um colega negro, da mesma idade, por ter nojo das suas mãos, pensando que soltaria tinta e o sujaria. A professora disse ter ficado muito constrangida com a situação; e a criança negra, envergonhada, engoliu a rejeição em silêncio, acuada. Deixo, aqui, essa triste imagem para reflexão.

Os relatos não se reduziram às relações étnico-raciais dos professores com seus alunos, alguns profissionais também compartilharam situações conflitantes que vivenciaram no seio familiar, devido à identidade fragmentada dos filhos. Vejamos um exemplo ilustrativo desse fato.

Recentemente, em um Seminário sobre Relações Étnico-raciais ministrado em um município da Rede UNEB 2000, uma professora-aluna relatou o seu estarrecimento quando a filha de seis anos lhe pediu que arrancasse o seu pescoço com uma faca e o substituísse por outro que tivesse uma cabeça com cabelos lisos. A mãe, desesperada diante do pedido da criança, conversou com a ela e, muito aflita, passou a esconder todas as facas que tinha na casa. Ela reconheceu que a auto-rejeição de sua filha deu-se por ter crescido sentindo-se inferior à outra irmã, de pele clara, que foi sempre elogiada socialmente, devido ao fenótipo e aos cabelos lisos.

Embora não aprofundando os problemas decorrentes da vivência dos educadores com os quais lidei, conforme elucidei inicialmente, interessa ressaltar a necessidade e urgência de termos educadores aliados na luta contra o racismo que impera no seio social. Afinal, se o educador não tiver informações suficientes acerca da análise do material didático e, dentre este, a literatura infantojuvenil; se os livros literários e didáticos, em sua grande maioria, estiverem arraigados de ideários estereotipados e depreciativos do negro, a escola, enquanto instituição educacional, será o reduto permissivo ao racismo à brasileira, o que ocasionará prejuízos imensuráveis não só para as crianças negras que tendem a desenvolver uma baixo- estima como, também, para as brancas, que poderão se sentir superiores a estas, assim como evidenciado por Bento (2002).

Agora, tratando-se do material didático e, em especial, da literatura infantojuvenil, será que através desses materiais utilizados em sala de aula estamos contribuindo para desconstruir ou para reforçar a estereotipia negativa em face do negro? Vou mais adiante, pensemos nas leituras realizadas ao longo de nossa história, reflitamos sobre as imagens tecidas por meio da mídia: das novelas, outdoors, cartazes escolares, revistas... Como é delineada a face do negro nesses textos prezado(a) interlocutor(a)? Vou ousar um pouco mais em minhas provocações: e as estórias que a maioria de nós ouvimos, as que contamos, as que conhecemos, quais são os heróis? Como são eles? O que fazem? Entre estes, quais e quantos heróis negros povoaram o nosso imaginário? Questiono ainda, quais histórias estamos priorizando (e/ou dando) às crianças e jovens (alunos, alunas, sobrinhos, sobrinhas, filhos...). Nessas histórias há personagens negros? Quais papéis exercem? Não nos esqueçamos que não há textos inócuos6, afinal quando escrevemos desejamos, consciente ou inconscientemente, passar uma mensagem para o leitor. Enfim, temos muito que dialogar…

Personagens negros: informações preliminares

Do bojo das discussões e instigações acima enfocadas buscarei, a partir de agora, elucidar a caracterização dos personagens negros na tessitura das narrativas de escritores consagrados pela crítica literária e de outros que, embora não sendo aludidos por essa crítica, permanecem presentes no mercado livresco, pois as suas obras têm sido reeditadas desde os anos 80, quando da eclosão da literatura infantojuvenil brasileira7 , até a atualidade.

Conforme enfocado, a priori, os pressupostos teórico-metodológicos que nortearam esse estudo consistiram na pesquisa bibliográfica e na interpretação da narrativa, à luz da crítica e da teoria literária, assim como dos subsídios teóricos emergentes das Ciências Humanas e Sociais. No que tange à teoria literária, pautei- me nos elementos constitutivos da narrativa: enredo, espaço, narrador e personagem. Do campo da crítica literária, realizei pesquisa sobre os personagens negros no período lobatiano e pós-lobatiano8, de modo a apresentar as principais caracterizações atribuídas a eles na tessitura dos textos.

Para refletir acerca da questão étnico-racial na obra literária levei em conta as considerações de relevantes estudiosos das Ciências Humanas e Sociais, para visualizar os fios do racismo à brasileira e do mito da democracia racial, os quais vêm corroborando para a dissimulação e disseminação do preconceito e da ideologia do branqueamento no país, haja vista a influência desses ideários em nosso cotidiano9. E a literatura infantojuvenil que é uma importante produção artística trabalhada no contexto escolar sugere, através dos personagens, (re)leituras que possibilitam a análise das relações raciais.

Esclareço, de antemão, que utilizo o termo “negro” na mesma acepção dos Movimentos Negros contemporâneos, os quais reconhecem a necessidade de ressignificar este termo, de modo a desconstruir a conotação negativa a ele atribuída ao longo do tempo. Como constatar se se inovou a face dos personagens negros é o objetivo principal a ser atingido, estarei atenta a determinados preconceitos e estereótipos, de acordo com as pesquisas realizadas por estudiosas de obras literárias. Afinal, conforme Ana C. Silva (1995, p. 44), “o [...] termo negro é carregado de conceitos e preconceitos. É carregado também de lembranças, de lutas na construção da identidade. O termo negro nos remete a sujeitos sociais históricos, a diversidades raciais e culturais.”

Cabe, aqui, um questionamento: nas narrativas infantojuvenis brasileiras, os personagens negros, sendo ou não os protagonistas da estória, são caracterizados de maneira inovadora, rompendo com os estereótipos que os inferiorizavam em virtude da associação à sujeira, pobreza, feiúra, passividade, entre outros predicativos geralmente atribuídos a eles? Para perceber se houve ou não inovação, em um primeiro momento, enfocarei os dados levantados por Rosemberg (1985); Abramovich (1991), Lima (2001); e Gouvêa (2001). Logo em seguida tecerei a face dos principais personagens negros em doze narrativas publicadas entre 1979 e 1989.

Literatura infanto-juvenil: revisão bibliográfica

Diante das características atribuídas aos personagens negros no período lobatiano (entre os anos 20 e 70, século XX) Gouvêa (2001, p. 10) conclui que se reproduz “[...] na literatura infantil uma representação social das relações inter- raciais no Brasil, representações em que uma visão racista e etnocêntrica se faz presente, de maneira sutil, escapando à idealização pretendida pelos autores”.

Buscou-se, então, resgatar a cultura negra nas narrativas da época, porém esse resgate foi permeado pelo racismo e depreciação do povo negro, nas obras de Monteiro Lobato e de seus contemporâneos.

Antes de discorrer sobre o espaço temporal que pretendo enfocar, considero relevante situar, embora brevemente, em que consistiu a caracterização dos personagens negros em períodos que antecederam a década de 80, com base em pesquisas relevantes a esse respeito.

Entre os pesquisadores que se debruçaram sobre a temática étnico-racial na literatura infantojuvenil destacam-se: Rosemberg (1985), Abramovich (1991) e Saraiva (2001), que dedicaram um pequeno capítulo de seus livros ao personagem negro, embora não fosse este o principal objeto de estudo das pesquisadoras. Ainda dentro dessa temática, Lima (2001) publica um artigo enfocando a ilustração. O ponto em comum nesses estudos é a constatação de que prevalece a imagem negativa, estereotipada e depreciativa dos negros nos livros literários infantis e juvenis, uma vez que “[...] o branco, enquanto personagem, recebe uma elaboração maior que o não branco” (ROSEMBERG, 1985, p. 84).

Em um dos capítulos do livro Ideologia da literatura infantil, Rosemberg e sua equipe apresentam os traços característicos atribuídos aos personagens negros.

Seu principal objetivo é estudar “[...] o conteúdo para crianças, tendo em vista a produção adulta” (1985, p. 20). Rosemberg tece a caracterização dos personagens negros a partir da análise de 165 livros de literatura infantil, publicados entre 1955 e 1975.

Na análise, Rosemberg (1985, p. 86) evidencia que “[...] esses textos deveriam ser submetidos à lei da imprensa, em virtude do preconceito racial”. Tal preconceito é perceptível ao se valorizar o grupo étnico-racial branco em detrimento do negro, o qual é preterido nas obras ou, então, elaborado nas narrativas sem nome, animalizado, em papéis de serviçais, desqualificados, além de serem associados a personagens maus, à sujeira, à tragédia, e de ter um acabamento “ficcional” inferior em relação aos personagens brancos, no tocante à origem geográfica, a religião e à “situação familiar e conjugal.” Referindo-se à ilustração, afirma Saraiva (2001, p.76): “[...] a ilustração tem servido de veículo para reforço de estereótipos e preconceitos”. E Lima (2001, p. 41) reconhece que as “[...] imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam as percepções sobre aquele mundo imaginado”. Abramovich (1990, p. 41) questiona, afinal, “[...] por que analisar as características das ilustrações das personagens?”, Responde a pesquisadora, para “[...] ficar atento aos estereótipos, estreitadores da visão das pessoas e de sua forma de agir e de ser... a ajudar a criança leitora a perceber isso”. Reitera ainda Abramovich (1990, p. 41):

[...] PRECONCEITOS NÃO SE PASSAM APENAS ATRAVÉS DE PALAVRAS, MAS TAMBÉM – E MUITO!! – ATRAVÉS DE IMAGENS10 [...] Saber interpretar o momento, ampliar os referenciais, não endossar os disparates impostos, não reforçar os preconceitos, é buscar talvez no estético o momento de ruptura, de transgressão.

Com base nas colocações até então explicitadas, é possível observar a veiculação de visões estereotipadas e depreciativas do negro por meio da literatura infantojuvenil brasileira, o que é conseqüência de um olhar imbuído do “racismo científico”, quando da elevação do branco como o representante da “espécie humana”, em detrimento do negro, que é caracterizado à margem da sociedade, e em papéis que contribuíram para a cristalização de uma visão depreciativa de sua imagem nas relações sociais.

Excetuando-se os artigos ou os poucos parágrafos dedicados aos personagens negros, recentemente localizei só dois livros sobre eles na Literatura infantojuvenil, o que indica a carência de análises dessa temática especificamente.

Trata-se das seguintes pesquisas: 1) Piza (1998), que faz um estudo acerca das personagens femininas negras, refletindo sobre os estereótipos atribuídos a essas personagens por quatro escritoras brancas11; 2) Andrade (2001), que se detém sobre os personagens negros em geral. Esta autora não faz uma análise aprofundada dos personagens negros, o que aproxima o seu livro de uma espécie de levantamento bibliográfico das produções literárias identificadas como “racistas” e/ou “antirracistas”. Algumas dessas obras merecem uma reflexão mais atenta, a fim de observar se realmente houve inovação no tocante à tessitura dos personagens negros e é isso que faremos mais adiante.

Há, também, um artigo de Sousa (2001), que vislumbra inovação em três narrativas, a saber: O Menino Marrom (ZIRALDO, 1988), Histórias da preta (LIMA, 1998) e Luana (FAUSTINO e MACEDO, 2000). De acordo com Sousa, a inovação consiste na ruptura com estereótipos negativos geralmente atribuídos aos personagens negros, e na valorização dos mesmos, contribuindo para o resgate de seu legado cultural. Entre as obras aludidas pela pesquisadora, apenas O menino marrom consta do presente artigo, uma vez que sua publicação situa-se no recorte temporal das demais obras aqui analisadas.

Produções literárias publicadas entre 1979-1989: inovação?!

Tratando-se das doze narrativas dos anos 80 selecionadas para análise, nove apresentam personagens negros protagonistas (masculinos), pois é em torno deles que se desenvolve toda a ação narrada. As demais obras (três), apresentam personagens femininas peraltas, “imaginosas” em sua trajetória.

O fato de as doze narrativas apresentarem personagens negros como protagonistas é, sim, um índice de inovação, haja vista a tendência em narrarem-se estórias com personagens brancos em papéis principais, de acordo com o padrão ocidental (ABRAMOVICH, 1989; ROSEMBERG, 1985). Mas, como os protagonistas vivem? O que fazem? Em que espaço social são situados? Qual a visão que eles têm de si mesmos? Eis algumas questões imprescindíveis para se desvelar os papéis atribuídos a eles.

Entre as doze estórias, em dez narram-se a trajetória de personagens negros que se defrontam com pobreza e/ou preconceito racial. Em conseqüência do preconceito, eles sofrem rejeição, desqualificação e hostilidade nos espaços sociais em que vivem (NG; XC, DNF;SV; ACT; TC)12. Outros, mesmo não sofrendo tal preconceito no quotidiano, acabam sendo vitimas de algum problema dessa ordem, o que os impulsiona a uma nova maneira de se ver e de apreender o universo circundante (TC; USE; NOS; AHGM; JSFCA).

Vejamos, então, a síntese das características13 predominantes atribuídas aos personagens negros, a partir dos seguintes itens: a) aparência; b) atividade profissional; c) espaço social; d) origem familiar; e) identificação.

Quanto à aparência (a), as narrativas que visam a denúncia da discriminação racial também reforçam a associação do negro à “feiúra”, à animalização, à caricatura. Inclusive, alguns chegam a ser motivo de zombaria, humilhação, a exemplo dos personagens Joca (XC), Carniça (TC), Tânia (NG), Dito (DNF) e Cendino (este só quanto à animalização).

No que tange à atividade profissional (b), entre as doze narrativas, observei que dez apresentam personagens negros em atividades profissionais consideradas desprestigiadas socialmente, em funções serviçais, logo, inferiores aos brancos. Os protagonistas são ou engraxates, a maioria, ou lavador de carro, ou ajudante geral. A mulher continua nos mesmos papéis: empregada doméstica ou lavadeira. O homem negro, entre os poucos que aparecem (dois), são também empregados: lavrador ou caseiro. Logo, todos são pobres.

Tratando-se do espaço social (c), é ainda a favela, o morro, o ambiente dos protagonistas. A residência é o barraco ou “quartinho” bem pequeno, com direito às minúcias descritivas. E a favela é, principalmente, o lugar da marginalidade, povoada por traficantes e assaltantes.

No que concerne à origem familiar (d), prevalece a ausência do pai nas narrativas, e alguns protagonistas não o conhecem. São criados só pela mãe, sendo que algumas morrem, deixando os filhos entregues ao mundo, já que eles não têm nenhum parente (pelo menos não aparecem nas estórias). Há, ainda, um protagonista que é criado “pelo tempo” (DNF). Quer dizer, são personagens que podem ser associados ao que Silva (1995) denomina de “desamparados” e “desenraizados”.

Quanto à identificação (e), alguns personagens negros continuam sendo denominados por apelidos depreciativos: Xixi, Carniça, Taniorelha. Há denominação associada ao pertencimento racial: Benedito (Dito) e Benedito (Benê), ou seja, dois Beneditos. Há ainda aqueles que não têm nome na narrativa, no caso as mães de alguns personagens; também, “o menino marrom” e a “menina bonita”. Não há alusão a o nome próprio dos personagens, exceto quando eles tentam se auto afirmar (Joca), ou quando o branco tenta modificar a identidade do negro (Válter: Carniça). Excetuam-se: Oldemar, Cendino e Geni, cujos nomes não se enquadram nas categorias acima.

Enfim, o que se pode inferir através da caracterização dos personagens negros nas narrativas literárias publicadas entre 1979 e 1989? Deles abrem-se fendas diversas: 1) os protagonistas são, em grande maioria pobres (XC, JSFCA, ACT, DNF, NG, AHGM, SV, NS, USE, TC); 2) os protagonistas brancos, mesmos pobres, são colocados em condições superiores aos negros (NS; TC); 3) as mulheres, as mães dos protagonistas, desempenham atividades profissionais de domésticas. Isso, nos seus lares ou nos alheios (AHGM, TC, SV, JSFCA, NG, NS); 4) as mulheres brancas, sejam elas as antagonistas, secundárias ou figurantes, são caracterizadas em funções ou ações intelectuais e/ou profissionais superiores às negras: 5) alguns personagens negros são imersos em um universo de doença, subsistência, fome, morte, perseguição, solidão, rejeição, inferiorização mas, também, de coragem, luta, integridade, criatividade, esperança, perseverança e resistência; 6) os personagens brancos simbolizam a superiorização, proteção, perseguição, bondade, maldade, instrução e poder. Eis algumas palavras a serem redimensionada nas tramas das estórias, eis as fendas que vão se abrindo quando adentramos na tessitura das tramas publicadas entre 1979 e 1989. Adentremos nelas.

É hora de rastrear o caminho trilhado, de alargar os passos, de encurtar outros, de fechar algumas fendas, embora as deixando entreabertas. Afinal, enveredo pela estrada literária. Das tramas tecidas até então, coloquei-me no seio social dos personagens negros. Muitas dessas estórias são tristes como a chuva fina que escorre sobre a pele exposta ao vento, ao ar, ao relento, numa noite gélida. Enquanto do outro lado, lá adiante, há outras peles aquecidas em seus lares fechados, cujos vidros embaçados desvelam um ambiente distante da noite pungente que gela e congela corações doridos, umedecidos pela gota d’água salgada que escorre pela face fria e funde-se com a chuva fina que cai.

Pequenos personagens negros lá estão, em uma condição social de pobreza, quando não, da mais absoluta miserabilidade humana. A fome, a morte da mãe, a violência. A idade os aproxima. São tantos num: sete, dez, treze, quatorze anos. São situados nas favelas, nos morros, na rua. A maioria em barracos, dormindo no chão.

Um outro retirando o alimento no “lixo”. E outro, Carniça, diz ter comido “uns bagulhos por aí”. Carniça? Que nome! Mas há também os Beneditos. São dois, de estórias diferentes. Um é o Dito, o outro Benê, mas o nome deles na realidade, conforme chama o narrador, é Benedito. Dito não sabe nem o significado da palavra “órfão”. E só começou a sentir falta do pai e da mãe ao ouvir os patrões se referirem aos seus pais. Aí ele se pergunta: “Pai? Mãe?” Cadê o meu? Cadê a minha?” (DNF, p. 8). Pois bem, relata o narrador:

Foi só quando viu os filhos do patrão, doutor Alberto, uns folgados muito malcriados, falando em “meu pai”, “minha mãe’ é que Dito [Benedito] desconfiou que alguma coisa estava errada (DNF, p. 8)

Pode? Pergunto-me! Até mesmo um animal sente falta da proteção materna. Seria, desse modo, o Dito Benedito associado a um ser irracional, a ponto de ter crescido sem ao menos sentir falta dos pais? E, mais, só perceber que havia algo errado com ele após tomar os patrões como referência de relação familiar? O personagem, nesse sentido, é colocado aquém de um animal. Isso é inverossímil.

Quer dizer, não dá coerência à narrativa. Mas, para a trajetória de tristeza, humilhação, perseguição, sofrimento e violência física, o personagem ainda encontrará muitos dissabores por vir. O pai e a mãe são apenas um detalhe na narrativa.

O outro Benedito, Benê, assim como aquele, é negro e pobre. Enfim, há muitas semelhanças não só entre os dois Beneditos de estórias diferentes, como também dos outros protagonistas: Neco, Oldemar, Tânia, Geni, Carniça (Válter), João, Joca (Xixi), Cendino. São, sim, várias estórias, mas entrelaçadas pelos mesmos fios que tecem os personagens negros. São eles pobres e exemplos de força, coragem, integridade, companheirismo e alguns, inclusive, têm sorte! Joca (Xixi) é um deles.

“Sorte”: o convite! A mudança? Responde Joca: “Minha mudança sou eu mesmo” (XC, p. 14). E lá se foi ele. O pequeno Joca, ainda cedo aprendeu a “agradar”. Ele se diz sincero, mas confessa ao leitor: “Precisava de todo mundo”, pois era difícil “segurar a barra”. Então, puxava o “saco de todo mundo”. E, assim, deu sorte: foi adotado!

Os protagonistas negros simbolizam, ainda, a perfeição, sendo aqueles que resistem ao meio social corrompido, à marginalidade; são honestos, bondosos, trabalhadores, inteligentes (embora ingênuos alguns). Enfim, são diferentes “para melhor”. Quer dizer, são exemplares, então dignos de serem “tutelados” pelo branco bom. Mas há o outro lado da moeda, existem personagens negros antagonistas que representam a força do mal. É o caso de Lúcio e os traficantes (USE), da maldosa Tervina (AHGM), do segurança preconceituoso (XC). Há ainda os negros vítimas da maldade dos brancos perseguidores (DNF) e racistas (XC), (NG), (SV).

Os personagens brancos simbolizam duas faces extremas: (1 a ) daqueles perfeitos bondosos, atenciosos, preocupados e acolhedores “tutores” dos personagens negros. São os responsáveis pela salvação e até pela educação dos coitados “meninos”, abandonados, jogados à própria sorte. Nesse bloco não se pode deixar de relacionar a figura da “sinhá Vitória”, cuja candura e bondade a aproxima- na de uma “santa” (AHGM), o que traz à baila aquele antigo olhar de uma escravidão cordial no Brasil, à luz do que hoje se entende como uma das nuances do o racismo à brasileira (MUNANGA, 1996; 1999; TELES, 2003).

Conforme Munanga (1996), o racismo à brasileira criou o ideário da relação harmoniosa senhor/escravo. Afinal, “Freyre não considera o contexto histórico das relações assimétricas do poder entre senhores e escravos [...] (MUNANGA, 1996, p. 184). Assim sendo, os senhores eram considerados bondosos, e os escravos subservientes; logo a escravidão aqui era vista como amena, atenuada. Mas, sabemos, nessa relação era muito bem demarcado o papel do escravo e o do senhor. Na narrativa A história do galo marquês (AHGM), o narrador tenta criticar o sistema escravocrata brasileiro, procurando evidenciar as diferenças entre senhores e escravos porém, no desenrolar da trama, ele acaba ressaltando mesmo é a subserviência, inferioridade e passividade do escravo, o qual contava com senhores patriarcais, “amenos”, preocupados com os seus conselheiros e amigos serviçais. Inclusive, o protagonista Cendino chega a refugiar-se “[...] nas barras da saia da sinhá” (AHGM, p. 15), para proteger-se das maldades da escrava “Tervina”.

Na aludida obra, o narrador onisciente, logo de início, reconhece que “Naquele tempo, 1882”, na Fazenda da Gruta, “ainda existiam escravos porque não havia sido decretada a libertação dos negros”, os quais “eram comprados e vendidos como mercadoria”. Com isso, o senhor “passava a ser dono do escravo até” a sua “morte”. O senhor, como “se fosse um homem-deus, era quem decidia quase tudo sobre a vida do negro”. Argumenta ainda o narrador, o “homem branco sentia-se superior, o senhor exclusivo até mesmo da felicidade do homem negro”. O narrador afirma ainda que “embora os sinhôs tivessem muitos escravos de confiança traba- lhando dentro de casa e os tratassem com cordialidade, a diferença da cor da pele era o traço que dividia o mundo dos negros e o mundo dos brancos.” (AHGM, p. 5).

É essa diferença que o narrador tenta mostrar, só que ele apresenta escravos passivos, acomodados, cristãos, supersticiosos e que não se rebelam contra o sistema escravocrata. Os “sinhôs” são bondosos, superiores, têm nome e sobrenome, títulos de doutor, de nobreza e poderio econômico. São compreensivos, consultam os escravos para os afazeres domésticos e a sinhá Vitória trabalha na cozinha com eles em dias especiais. No Natal, por exemplo, a bondosa “sinhá” e até parentas ajudam Maria das Dores (mãe de Cendino) a fazer os doces e a ceia natalina, no clima da mais perfeita harmonia familiar.

Os protagonistas negros também são trabalhadores que ajudam a família, seja por meio de atividades domésticas, seja financeiramente: Tânia, Joca, Cendino, Carniça, Neco, e João. Alguns personagens são símbolo de resistência à marginalidade: 1) Oldemar (não aceita trabalhar com os traficantes); 2) João (não se envolve com os colegas do internato de menores; 3) Joca (não se envolve com a marginalidade na rua); 4) Carniça (“menino direito”, não se envolve na marginalidade do morro); 5) Benedito “Dito” passa fome, mas não rouba nem para comer, quando está na rua. Entre as estórias, só uma não caracteriza o “morro” como um ambiente perigoso (JSFCA). Nas demais se tece um ideário muito negativo da favela.

Podemos observar, portanto, que se visou a inovação da tessitura dos personagens negros ao atribuir-lhes o papel principal, com o propósito de denunciar a pobreza, o preconceito racial, e em enaltecer as suas virtudes morais. Mas, por outro lado, a maioria das produções, também, corroboram exatamente o que se tentou denunciar: o preconceito racial, uma vez que alguns protagonistas negros são: 1) em grande maioria, associados à pobreza, quando não à miserabilidade humana; 2) desamparados, sem família, haja vista a carência do pai e/ou da mãe; 3) tutelados pelo branco bom; 4) tecidos de maneira inferiorizada e sujeitos à violência verbal e/ou física; 5) enaltecidos pelos atributos físicos e/ou intelectuais, com vistas à democracia racial.14

Ao entender que os personagens negros são tecidos de maneira inferiorizada e sujeitos à violência verbal e/ou física, observei que isso não se dá igualmente; há diversas formas de inferiorizá-los. Logo, foram caracterizados através de predicações pejorativas, em decorrência da:

a) associação à sujeira/animalização: Carniça, lixo, imundice, preto sujo, etc; ruim de raça, endiabrado, negrinho terrível, negrinha, crioulinho complexado, preto cachorro, burrice de crioulinho, dentre muitos outros termos depreciativos.

b) utilização de piadas explicitamente racistas;

c) associação: favela/marginalidade; favela/quilombo;

d) ridicularização e humilhação do negro em determinados espaços sociais (a escola, a rua, o clube, etc.).15

Mesmo sabendo que os itens acima dialogam entre si, pois todos mostram a face do racismo brasileiro, daí as narrativas serem um meio de denúncia desse racismo, penso que elas, além de denunciar, corroboram para reforçar, para cristalizar no imaginário do leitor uma única maneira de ver o povo negro, haja vista a sua tessitura nas obras literárias. Nesse prisma, os personagens negros são delineados aquém do espaço social que os rejeita e, em conseqüência, sofrem a auto-rejeição, por não se aceitarem “diferentes” (NG). Enquanto isso, o branco é colocado além dos negros, não só nas atividades profissionais, como em termos socioeconômico e religioso. Inclusive, é importante observar que a referência religiosa nas histórias é o cristianismo, prescindindo a diversidade inerente às matrizes africanas. Observei, por exemplo, que só uma narrativa faz alusão a Xangô (USE), embora de maneira simplificada. Na realidade, a herança cultural e religiosa do povo negro é silenciada, omitida, na maioria das obras. Embora se referindo aos livros didáticos, Silva (2001, p. 14) faz uma consideração muito pertinente que merece ser citada aqui devido à elucidação em torno dessa questão. A aludida pesquisadora reconhece que

A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição, resultado em rejeição e negação dos seus valores culturais e preferência pela estética e valores culturais dos grupos valorizados nas representações.

A asserção de Ana Célia Silva (2001) reitera a idéia que tenho procurado ressaltar: veicular a inferiorização do negro e a supremacia do branco é uma forma de, consciente ou inconscientemente, reforçar o racismo à brasileira (MUNANGA, 1999; 2001), uma vez que se contribui, dessa forma, para promover só um único padrão sócio-cultural e religioso, em detrimento de outros denegados em sua riqueza e diversidade, a exemplo das religiões de matrizes africanas preteridas nas obras literárias analisadas.

Literatura infantojuvenil: mestiçagem/democracia racial

Quanto às narrativas que visam o enaltecimento dos personagens negros, reporto-me às obras O menino marrom e a Menina bonita do laço de fita. Dentro do item aparência, é preciso retomar as nuances de cores dos personagens que são enaltecidos em seus traços característicos. Nesse sentido, se rompe com os estereótipos negativos atribuídos aos negros. Porém, uma questão me instiga nas duas narrativas (OMM e MBLF): até onde elas, de fato, corroboram com a desconstrução da visão estereotipada acerca do negro? Afinal, o “menino” se reconhece como “marrom”. E o que significa ser “marrom”? Qual a simbologia em se tecer a “linda mulata risonha”, mãe da menina bonita? Como compreender que esta “menina” seja bonita por conta da “arte de uma vó que ela tinha?”.

Embora as narrativas O menino marrom e Menina bonita do laço de fita ressaltem a beleza “marrom” (OMM) e “pretinha” (MBLF), o que é indício de inovação no tocante à caracterização dos personagens negros, elas, a meu ver, suscitam duas questões que merecem reflexão: 1) a identidade fragmentada (no caso da “menina”); 2) a idealização da relação inter-racial nas duas obras em epígrafe.

Tratando-se da identidade étnico-racial, apesar de o narrador descrever os fenótipos negros dos protagonistas: “o menino” e “a menina”, e não expressar descontentamento deles por conta de tais fenótipos, é possível observar que, por outro lado, o pertencimento étnico-racial de ambos é uma incógnita para eles.

Por se reconhecer “marrom” e não negro – simbolizado pela cor “preta” – o “menino” sugere não a afirmação ou ressignificação étnico-racial negra, já que ele se aproxima mais do ideal mestiço arraigado no imaginário social. E a “menina bonita”, até o desenrolar da trama, não descobre o porquê de “ser tão pretinha”, pois a sua mãe justificou a “cor” em virtude de uma “arte” da “avó” que ela tinha. A idéia que emerge da “arte” tem uma conotação pejorativa, como sendo uma travessura feita pela avó da “menina”. A justificativa da “mãe” é também criticada por Silva (2001, p. 40), por compreender que houve, nesse sentido, uma dificuldade da autora em “explicar os determinantes da diversidade racial”.

No que concerne à idealização da relação inter-racial e à mestiçagem, observa-se, através do “menino marrom” e do “cor-de-rosa”, que o “mundo não é dividido entre preto e branco”, pois o “que existe” é “gente marrom”, “marrom- escuro”, etc. Tratando-se da estória da “menina”, também se sugere a mestiçagem através da ninhada de coelhos de todas as cores e, “até”, uma “coelha pretinha”, que é a última a ser aludida pelo narrador. Ou seja, o que se ressalta é a diversidade racial sugerida pelas nuances de cores para dar margem ao ideário da mistura racial no país. Nessa linha de raciocínio, não haveria impertinência em afirmar que, a partir dessas obras, se buscou afirmar não só o ideal de mestiçagem, como também a idealização da relação inter-racial, corroborando para disseminar o propalado mito da democracia racial.

Para melhor abordar a problematização suscitada através dos ideários construídos em torno da mestiçagem e democracia racial, retirei algumas ponderações de competentes pesquisadores das Ciências Sociais, de modo a elucidar que tais ideários são construções políticas que trazem em seu bojo o desejo de camuflar o racismo no solo brasileiro.

Munanga (1999) e Sodré (1999) evidenciam que a “mestiçagem” é inerente à humanidade, mas a sua conotação política emerge da busca de hierarquizar determinados grupos étnico-raciais. No bojo dessa acepção, a “mistura” visa a aproximação do padrão de beleza do grupo dominante branco. Logo, tal modo de ver a diversidade étnico-racial brasileira diluída nas nuanças de “cor” é o que configura o racismo à brasileira. Assim, tende-se a dissolver, também, a conscientização dos negros que, tomando como ideal o padrão branco, acabam por se dispersar politicamente. Enquanto isso, persiste no imaginário social a idéia de que se “[...] fomos misturados na origem [...], hoje não somos nem pretos, nem brancos, mas sim um povo miscigenado” (MUNANGA, 1996, p, 186). E, enquanto miscigenados, somos o “povo brasileiro” que tem orgulho de dizer: aqui não há discriminação racial. Eis, assim, o desdobramento do “mito da democracia racial”.

Com base na explanação acima, é pertinente considerar que as duas narrativas analisadas (OMM e MBLF) inovam o cenário literário, sim, como assinalei anteriormente, mas é inegável a aproximação entre os personagens tecidos nos textos e o ideário da “mestiçagem” e da “democracia racial”. Tais ideários embora emergentes do século XX, ainda pairam em seio social, contribuindo para a dissimulação do racismo e da discriminação tão presentes em nossos dias.

Inovação literária: A cor da ternura (Geni Guimarães, 1989).

Para ilustrar os indícios da inovação em A cor da ternura, selecionei algumas passagens que expressam a ruptura em relação às demais obras abordadas anteriormente. Façamos a leitura de alguns fragmentos, pois os textos falam por si só. A passagem que segue revela as reminiscências da protagonista negra, Geni, no momento em que ela, ainda menina, fornece indícios para se perceber a relação com o seu velho pai, e informa como se deu o interesse pela carreira de professora:

Meu pai chegou do trabalho na lavoura [...]

Pediu-me que fosse buscar o rolo de fumo de corda…

Trouxe-lhe, e, ao desembrulhar o fumo, ele deu com a cara do Pelé sorrindo no jornal do embrulho. Enquanto desamassava o papel para ver melhor, disse-me:

Este sim teve sorte. Lê aí pra mim, filha. Fala devagar senão eu não decifro direito.

[...] comecei a ler [...]. Quando terminei a leitura, ele disse:

- Benza Deus. Você viu só, minha filha? Era assim como nós [...] Deu um suspiro comprido e acrescentou:

- Se a gente pelo menos pudesse estudar os filhos…

Senti uma pena tão grande do meu velho, que nem pensei para perguntar:

- Pai, o que mulher pode estudar?

- Pode ser costureira, professora [...] - Deixemos de sonho.

- Vou ser professora – falei num sopro.

- Meu pai olhou-me como se tivesse ouvido blasfêmias.

- Ah! Se desse certo... Nem que fosse pra eu morrer no cabo da enxada. – Olhou-me com ar de consolo. Bem que inteligência não te falta.

- É, pai. Eu vou ser professora.

Queria que ele se esquecesse das durezas da vida. (ACT, p. 71-72)

O diálogo desvelado pelo imaginário da personagem-protagonista sugere várias leituras, porém, aqui, interessa perceber a relação afetuosa entre pai e filha, o gesto de carinho e a preocupação dela em relação ao “velho” pai, na medida em que decide ser “professora”, pois desejou “que ele esquecesse das durezas da vida”.

Indagadora e admiradora do pai, Geni segue em suas instigações, questionado sobre a cor de Deus e propondo o endeusamento de seu Pai, em um diálogo emocionante e emocionado. Afinal, prezado(a) leitor(a), você sabe qual a cor de Deus? Vejamos o que nossa pequena heroína tem a nos relatar por meio de suas reminiscências:

- Pai, de que cor será que é Deus [...]?

- Ué ... Branco – afirmou.

- Mas acho que ninguém viu ele mesmo... Será que não é preto [...]

- Filha do céu, pensa no que fala. Está escrito na Sagrada Escritura…

- Mas a Sagrada Escritura…

Ele olhou-me reprovando o diálogo, e porque não podia ir mais longe acrescentei apenas:

- É que se ele fosse preto, quando ele morresse, o senhor podia ficar no lugar dele. O senhor é tão bom!

- Em toda a minha vida, nunca vira meu pai rir tanto.

Riu um riso aberto, amplo, barulhento. Assim, rindo, foi até chegar em casa.

(ACT, p. 75)

Mas, em A cor da ternura não há idealização da família negra. Nessa obra são desvelados alguns aspectos de um lar constituído de afetuosidade, amor, solidariedade e confiança, em meio à pobreza de um cotidiano de trabalho, problemas de saúde e outras dificuldades que podem ser vivenciadas por qualquer família: Geni fica doente; Sema, sua irmã, é “deficiente”. Agora, tratando-se da relação racial, os pais da protagonista são passivos diante de algumas situações em que sofrem discriminação, o que contraria a pequena Geni. E isso é um fator que a coloca como um ser crítico e atento às dualidades sócio-raciais.

É possível constatar que A cor da ternura dá um salto grande ao exprimir, através do universo imerso em fantasia e ludicidade da protagonista Geni, um “Mundo” constituído de dúvidas, medos, ciúmes, esperteza, delicadeza e amor, em face dos impasses da “Vida” de uma criança que olha e sente o mundo com os “olhos de dentro”. Diante disso, pode-se inferir que a “cor” da “ternura” é “negra”. Negros são seus pais e irmãos. Nestes, Geni encontra afeto e esclarecimentos. Naqueles – quer dizer, nos pais –, Geni encontra ainda amparo, acalento e “sabedoria” para se descobrir e, assim, lutar contra as adversidades da “Vida”.

Geni vai, ao longo da estória, aprendendo a fortalecer o seu Ser e a desenvolver uma “força flutuante” que a impulsiona a seguir avante e a lutar pela sua realização pessoal e profissional. Eis, a seguir, os indícios de um “momento cristalino” que sintetiza com sutileza e poesia a inovação na estória:

Indiquei-lhes o lugar onde deveriam ficar e fui ocupar o meu, entre os formandos. De onde estava, vi-os todos, incomodados nos trajes de missa. Vez em quando, encorajava-os com um riso. Meu pai, ao lado de minha mãe, estava pleno, altivo, sereno. Com os olhos, acompanhava todos os meus movimentos, engolindo salivas de prazer. Minha mãe me bebia através dos ares do meu pai, que, embevecido, ajeitava a gola da camisa, propositalmente, me segredando que estava feliz. Fui chamada para receber o certificado. Eles, meus pais, não puderam conter só as palmas. Levantaram e me aplaudiram em pé. Mãos abertas, barulhentas, livres. Meus irmãos, contagiados, perderam a timidez e também se puseram em pé, me aplaudindo e apontando, como se só eu estivesse ali, como se no momento eu estivesse me apossando da chave do céu. [...] Terminada a entrega dos certificados, fui convidada para discursar, por ter sido escolhida para oradora da turma. De novo, meu pai ficou em pé, desatou o nó da gravata e assumiu a postura de rei. Para melhor me ouvir, esqueceu a etiqueta, fez conchas com as mãos e envolveu as orelhas. As formalidades todas terminaram. Fui até eles [...] Eu, princesa, entreguei meu certificado ao rei [...] Em casa [...] rimos das palmas fora de hora, das mãos do meu pai segurando as orelhas, da cara do diretor ao vê-los donos do ambiente (ACT, p. 84-85).

O fragmento acima é longo, mas necessário para se perceber a inovação em face do comportamento dos personagens negros diante de ambiente “formal”, quando do “momento cristalino”. A poeticidade da cena dispensa maiores comentários. Importa aqui evidenciar que o espaço social não oprime as ações, sensações e expressões dos personagens, os quais se sentem “donos do ambiente” formal. E essa singularidade que emerge do universo interior deles sugere não a passividade, mas, sim, as conseqüências de uma “força pulsante” metaforizada pela tenra “cor” da ternura.

É possível esboçar as seguintes percepções acerca de Geni: a) quanto à identificação, ela, por fim, se reconhece como uma “princesa”. E, nesse sentido, eleva a percepção de si mesma rompendo, desse modo, com a auto percepção inferiorizada. Geni, embora temerosa, mas altiva, enfrenta os primeiros passos em face dos desafios por ser uma “professora preta”; b) enquanto profissional, rompe com aqueles estereótipos de serviçais atribuídos à “Mulher” negra, já que se profissionaliza na atividade considerada prestigiada socialmente; c) no que tange ao espaço social, Geni é delineada em um ambiente familiar pobre, vive na zona rural com a família e é cercada de amor e atenção dos pais e irmãos; d) tratando-se da origem familiar, a protagonista tem pai, mãe e irmãos. Logo, não é “desamparada” como outros protagonistas; e) quanto à identificação, seu nome não é ridicularizado na trama, nem recebe apelidos depreciativos, apesar de seu embate social ser decorrente do racismo. Mas ela não sucumbe, os enfrenta e sai vencedora.

A protagonista de A cor da ternura expressa uma sensibilidade pungente, cujos “momentos cristalinos” são tecidos com os “olhos de dentro” e, em meio às metamorfoses física, intelectual, étnico-racial e profissional da pequena menina que vai, aos poucos, alicerçando a sua trajetória até a fase “Mulher”:

Mulher terminando o ginásio [...] cursando o normal [...] a caminho do professorado, cumprindo o prometido [ao pai]. Mulher, se fazendo, sob as imposições, buscando forças para ser forte.Mulher, rindo para esconder o medo da sociedade, da vida, dos deslizes.Mulher cuidando da fala [...]. Mulher, jogando cintura, diante das coações e preconceitos.Mulher, contudo e apesar, a um passo do tesouro: o cartucho de papel. (ACT, p. 81).

Eis mais uma importante diferença entre essa narrativa (ACT) – que não consta na relação daquelas consideradas inovadoras – e as demais analisadas até então. A protagonista, negra, vive com a família. Exprime os medos, as angústias, o imaginário aguçado infantil, mas sob o calor afetuoso da família. Eis a importância dessa personagem para a (re)construção de uma identidade positiva do ser negro.

Enfim, personagem não é pessoa, afirmam os teóricos de literatura (SEGOLIM, 1978; KHÉDE, 1990; BRAIT, 1990; SOARES, 2001), mas, eles sabem, personagens representam pessoas ao serem tecidos na trama das estórias. Desse modo, a ficção sugere a (re)leitura do universo circundante, dos seres nele delineados e do ambiente em que são situados. E seguir por aí foi o meu modo de ver os personagens negros. Ao educador cabe a ampliação de um olhar crítico em face do “Mundo” que se delineia a sua frente, de modo a perceber as nuances do racismo à brasileira, camuflado por meio do mito da “democracia racial” e, portanto, muitas vezes disfarçados tal qual o “mito” sob as faces dos personagens.

Saber fazer uma análise atenta e criteriosa das obras literárias que são trabalhadas em sala de aula é um caminho plausível na luta contra o racismo e seus malefícios. Nesse sentido, as categorias pertinentes à tessitura dos personagens negros aqui apresentados poderão servir como base para selecionar as narrativas inovadoras, para que sejam priorizadas no contexto escolar. A partir daí, o educador poderá contribuir para a superação de idéias preconceituosas muitas vezes veiculadas por meio da arte literária.

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1986. Menina bonita do laço de fita; autoria: Ana Maria Machado, ilustração de Walter Ono, Editora: Melhoramentos ...(Série Conte Outra Vez), Obra reeditada pela Editora Ática, mesma autoria, ilustração de Claudius, São Paulo, 2001. (MBLF)

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1988. Neco, o sonhador; autoria: Maria Armanda Capelão, Ilustração de Mário Pita, Editora: Paulinas, São Paulo,1999 (NOS).

1988. João que semeava flor e cantava o amor; autoria: Márcia Vilela Moura de Oliveira, capa e ilustrações de Mário Couto Pita, Editora: Paulinas (Companhia da alegria), 1990 (JSFCA).

1989. A cor da ternura; autoria: Geni Guimarães, ilustração de Saritah Barboza. Editora: FTD (Coleção canto jovem), São Paulo: 1998 (ACT).

1Este artigo é resultado da síntese de algumas idéias centrais da Dissertação de Mestrado (UNEB- BA), defendida em 30/05/03, sob a orientação do prof. Dr. Wilson Roberto de Mattos e Dra. Ana Célia da Silva.

2Digo “construída” por compreender que, ao criar os personagens, caracterizá-los e atribuir-lhes determinados papéis, o artista contribui para que o leitor teça, em seu imaginário, uma percepção dos seres ficcionais representados na obra literária (RIBEIRO, 1999; LIMA, 2001).

3Por conta da importância de apresentar considerações sobre a minha prática docente na Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em alguns momentos expresso-me na primeira pessoa do singular e, em outros, quando da alusão à análise e/ou questões pertinentes aos educadores em geral, o faço através da terceira pessoa do plural, para elucidar um diálogo que envolve a todos nós.

4Teorias pseudocientíficas do século XIX que afirmavam existir raças superiores (os europeus) e inferiores (negros, mestiços, índios, entre outros povos). Tais idéias eram baseadas em critérios preconceituosos dos chamados “homens de ciência” da época. Para maiores informações consultar: Moura (1994), Schwarcz (1993; 1996); Silva, C. (1995), Munanga (1996; 1999), Sodré (1999), Luz (2000), entre outros autores.

5Entende-se discriminação racial a ação de preterir, discriminar, rejeitar uma pessoa ou grupos devido ao pertencimento étnico-racial.

6Cademartori (1986), Coelho (1993), Zilberman (1986) e Rosemberg (1985), principalmente, ao se referirem ao texto literário infantojuvenil, evidenciam que não há ingenuidade nesses textos, pois são sempre produzidos pelo adulto, com o propósito de educar o leitor e/ou incutir-lhe determinados pontos de vista.

7Para maiores informações ver: Cademartori (1986), Coelho (1993), Zilberman (1986), entre outras.

8Refiro-me ao período lobatiano e pós-lobatiano pautada em Coelho (1993), que subdivide a literatura infantojuvenil brasileira com base na produção literária do escritor Monteiro Lobato, por reconhecê-lo como um marco da literatura destinada às crianças e jovens, principalmente no século passado, entre as décadas de 20 e 70.

9Ver Silva (1995), Munanga (1996; 1999), Sodré (1999), Ana C. Silva (1995), entre outros.

10A caixa alta consta do original transcrito.

11Trata-se das seguintes escritoras: Odette de Barros Mott, Lucília Junqueira de Almeida Prado, Giselda Laporta Nicoélis e Mirna Pinsky. A pesquisadora constata a inovação na caracterização das personagens, ao observar que estas, ultimamente, têm sido delineadas de maneira sensual, o que aproxima a narrativa infantojuvenil da literatura de adulto, através da caracterização da mulher nas obras.

12As siglas presentes nesse texto (a exemplo NG; XC, DNF;SV; ACT; TC, entre outras correlatas), são utilizadas para fazer alusão às narrativas analisadas, as quais estão aludidas na última página da referência bibliográfica.

13As características descritas foram tecidas considerando o enredo, o espaço social e o papel desempenhado pelos personagens, sob o olhar de quem os descreveu: o narrador .

14Isso será evidenciado em duas obras: O Menino marrom, de Ziraldo e em Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, obras que serão analisadas posteriormente.

15Ressalto: o problema não é a denúncia, mas, sim, a postura passiva dos personagens diante da discriminação sofrida .

 

*Maria Anória de Jesus Oliveira é Mestre em Educação pela UNEB, Doutora em Letras pela UFPB e professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

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