GRILHÕES
Somos negros,
e nossa voz era um lamento,
que subia aos céus
evolando-se de nossa alma,
e nossos olhos, também negros,
reluziam a nossa fé e nosso amor.
Nossos medos.
Somos negros,
e por este motivo fomos escravos,
arrancaram-nos de nossa pátria
e nos fizeram escravos
no novo mundo.
Transportaram-nos em escuros porões
Laceraram nosso corpo,
Violentaram nossa alma.
Cortaram nossa liberdade,
fizeram-nos cativos
e escravizaram-nos.
Fomos pegos a laço,
como animais. Forjaram grilhões
e acorrentaram-nos.
Fomos colocados em cárceres,
em prisões frias e fétidas,
por um único crime:
Ser negro.
(Ave de Rapina. p. 57 )
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GRILHÕES II
Somos negros,
e fomos forçados a trabalhar
na lavoura,
sob o sol calcinante,
sob o chicote
que laceravam nossa carne,
sob a chuva
que encharcava-nos os ossos,
sob ventos
que pareciam varrer de nossa alma
a liberdade,
a vida, o amor.
Somos negros,
e éramos nós e a foice,
ambos iguais,
um completava o outro.
Ela como um
prolongamento do braço.
O braço como um
corpo que lhe faltava.
E as mãos calosas e duras,
já se identificavam com a foice,
tornaram-se amigas e confidentes.
Ela contava-nos das pedras,
das terras, das águas,
de tudo o que encontrava
em sua labuta diária.
Nós
falávamos das saudades,
do cansaço.
da dor do chicote em nosso corpo,
e nos fizemos amigos.
(Ave de Rapina. p 58)
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CENTRO IDEAL
Você me olha com este olhar burguês né?
Que pena
que você ainda se preocupa
em perceber a cor de minha pele
e se esquece de olhar
a cor de meus olhos.
Você ri de meu silêncio
e se tranca na simples mediocridade
de ser “gente bem”
esquecendo-se que, antes de tudo
somos gente, e gente é para dividir espaços.
Que pena que a minha presença
seja tão ligeira
que eu não possa dividir com você
toda a magia que aprendi,
todos os horizontes que estou descobrindo
e todas as verdades que a gente precisa saber.
Que pena que nós não podemos
nos dar as mãos.
E então meus olhos vão se encher de lágrimas,
e meu sorriso vai ser afogado
por um mar de tristezas,
e você se ri,
por que perdeu a magia de saber chorar.
Eu me rio de seu aplauso,
me rio de seu silêncio,
seu pasmo, sua incompreensão.
Me rio de seu orgasmo
por que a utopia
já terminou seu ato.
Apenas o silêncio
possui o elo
que nos tornará semelhantes.
(Exercício de Existência,p. 48/49)
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COISA DE PELE
Independente da necessidade
do silogismo,
existe o ismo do racismo,
existe a ação da segregação
e da discriminação.
A nossa condição de negros
não nos condiciona
nem nos faz sinônimos
de submissão e inferioridade.
Existe o crédito da luta,
da conduta.
Existe nossa a força
do querer, de ser e crescer.
Existe nossa presença viva,
que cativa, que é nativa
buscando alternativa.
Ser negro
será muito mais
que ter a pele escura,
será a voz de um povo unido
e a força destes personagens
que constroem esta nação.
Ser negro
será criar a ação
da aglomeração.
(Exercício de Existência, p. 60)
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MANIFESTO
Declaro que:
a cor da pele
condena o dono da cor.
Sua qualidade é inferior.
Seu cheiro ruim.
Sua presença é indesejável.
Seu sorriso é podre.
Seu sucesso é motivo de dúvidas.
Sua capacidade inferior.
Seu amor interesseiro.
Seus atos condenáveis.
E mais:
Não deverá querer misturar-se à outra cor.
Não poderá amar outra cor.
Não conseguirá desmanchar esta cor.
Não terá compreensão de outra cor.
No entanto:
Se for bom músico, iremos ouvi-lo.
Se for bom dançarino, iremos vê-lo.
Se for bom escritor, iremos lê-lo.
Se for bom líder, iremos segui-lo.
(isto por que a arte
transcende estas quimeras
ligadas à cor da pele)
Contudo:
Não deverá querer o convívio com outras cores.
Será submisso à atenção que lhe for dedicada.
Será o bode expiatório das culpas.
Será o primeiro suspeito.
Será a última vítima.
Assim:
fica declarado que:
a cor da pele
decide o destino
do dono da cor.
(mesmo assim,
a gente de cor
é gente
antes de ser de cor.)
(Exercício de Existência, p. 58-9)
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SECA
Chove sol sem parar,
entra ano sai ano
meu sertão só faz secar.
Nas retinas das meninas
Secou a lágrima de dor
calou da boca seu canto
e seu pranto de amor.
Quando vejo o sol em brasa,
sinto no peito um nó,
chove sol na minha terra,
deixando o meu povo tão só.
Passarada em revoada
cantando a sina feliz,
cantando uma cancão que diz:
Chove sol em minha terra
chove sol até queimar
chuva boa e benfazeja
e meu sertão não vai chegar.
Canta o povo a tristeza
de não ter o que cantar
esperando ... em vão
a beleza que não vai chegar.
Chove sol na terra ardente,
queimando o cabelo e a pele da gente,
secando os leitos sem rios,
esturricando os leitos vazios,
chove sol na terra em brasa
e a boiada a pastar
esperando... esperando...
o calor que não vai passar.
(Ave de rapina, p. 43)