[@] Maria Esther Maciel Home Page |
|
|
A MEMÓRIA DAS COISAS, de Maria Esther Maciel (Rio de Janeiro: Lamparina, 2004) _________________________________________________ A MEMÓRIA DAS COISAS – ensaios de literatura, cinema e artes plásticas APRESENTAÇÃO
Márcio
Seligmann-Silva Em uma
hipotética história dos visionários, de Homero a Dante, Cervantes, Blake e
Borges, poderíamos detectar o “encanto pelos mundos impossíveis” como uma
constante na literatura. No universo dos ensaios aqui reunidos este encanto
exerce toda sua mágica. Maria
Esther Maciel já é conhecida por muitos de nós como autora de belos e
importantes ensaios sobre Borges, Octavio Paz e sobre poesia contemporânea.
Para quem conhece sua produção poética, que pode ser lida em Dos haveres
do corpo (1984) e em Triz (1998), não pode deixar de impressionar
seu talento múltiplo, enquanto poeta e ensaísta. Será mera coincidência o
fato de ela ter entre os “objetos” privilegiados de seus trabalhos justamente
Paz e Borges? Maria Esther
persegue os “mundos impossíveis” destes e outros poetas com iguais doses de
determinação, rigor e delicadeza. No presente volume a imagem do “museu de
tudo” é apresentada nas poéticas tanto de Borges – com seu insuperável
“Funes, el memorioso” – como também de Georges Perec (autor tanto de A
vida – modo de usar, como de Un Cabinet d’amateur), do nosso
artista Bispo do Rosário e na do cineasta e artista plástico britânico Peter
Greenaway. Estes
dois últimos tem suas obras exploradas em sua verdadeira “pulsão”
colecionadora. Se Walter Benjamin – o grande teórico-poeta do “colecionismo”
– via em sua própria obra uma espécie de “arca” que deveria salvar os
escombros de uma cultura que se afogava sob o dilúvio fascista, Bispo (com o
rigor do seu delírio) e Greenaway (com suas enumerações e classificações
paradoxalmente anti-taxonômicas), após o dilúvio, vão colecionar o que
sobrou. Desta poética de catador de restos (o chiffonier, caro a
Baudelaire e Benjamin) eles constroem mundos próprios e com seus encantos particulares.
Bispo
tendo em vista uma outra salvação, total, apocatastasis, no termo de
Origines: salvação integral do mundo, de todas as coisas, pessoas,
pensamentos e sonhos. Greenaway,
desconstruindo a lógica da enciclopédia iluminista (que hierarquiza os
saberes e acredita que existe “O saber”) através de uma disseminação de
enumerações e da construção de “documentários” e mapas imaginários (memória
de desejos e sonhos, como na arquitetura visionária de Piranesi, autor da
série de “Carceri” imaginários no século XVIII, verdadeiros protofenômenos de
nossa arquitetura fantástica virtual). Maria
Esther apresenta ainda o universo dos bestiários latino-americanos como parte
de um inventário do (des)mundo, diferenciando as obras dos viajantes –
calcadas numa animalização da diferença – dos novos bestiários onde a
ocidentalidade nega-se ironicamente. Costurando
entre as letras, as artes plásticas e o cinema, a autora apresenta com enorme
propriedade o trabalho da escritura, urdindo este vai-e-vem. A lógica taxonômica
é assim abalada também no seu compromisso com a linearidade da escritura
ocidental que se nega enquanto imagem. Com razão O livro de cabeceira,
o clássico da literatura japonesa do século X, de Sei Shonagon – transformado
em filme por Greenaway – pontua o livro com a sua condensação de corpo,
livro, pele, papel e caligrafia. A
questão da tradução não poderia estar ausente deste livro. A autora a pensa a
partir de figuras nobres: S. Jerônimo, Larbaud, Haroldo de Campos e Julio
Bressane (cujo prodigioso filme sobre aquele santo, autor da Vulgata,
realizado em 1999, é aqui analisado). O filme de Helvécio Ratton, Amor
& Cia. – uma adaptação de um obscuro e intrigante romance de Eça de
Queirós –, também é lido na sua saudável desrazão tradutória. Da
experiência da poesia, Maria Esther salva a poética das coisas de Drummond
(autor que é revelado como outro adepto de catálogos insólitos) e a poesia da
“perplexidade” do mineiro Altino Caixeta de Castro. Uma reflexão sobre a
poesia que tende para a prosa detectada na recente produção brasileira não
deixa de aprofundar o trabalho de entrecruzamento de fronteiras que marca
todo o livro: evidenciando, neste ponto, as passagens e confluências entre o
privado e o público, o erótico e o político. A leitura do livro Onde vais,
drama-poesia?, de Maria Gabriela Llansol (com sua atenção para “o que
passa veloz”, que é ar e corpo e tende para o e-vento) desdobra esta teoria
da prosa-poesia. A entrevista com a autora, que fecha o volume, presenteia-nos com sua arguta inteligência, erudição e profunda sensibilidade poética. Ela traça aí um mapa – greenawayniano e não, ao mesmo tempo – de sua poética e reflete nela (em um espelho de múltiplas faces) a produção mais recente de autores brasileiros e latino-americanos. *
|
|
TRAJETÓRIA :: LIVROS :: POEMAS :: ENSAIOS :: ENTREVISTAS :: CRÉDITOS ::
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|