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Resenhas do livro A MEMÓRIA DAS COISAS, de Maria Esther Maciel Sérgio Medeiros/Dirce Waltrick do
Amarante __________________________________________
Belo Horizonte,
20/04/2004 Ensaios
de sabedoria Há um traço de unidade
nos dois belos livros A Memória das Coisas e Don Juan, Fausto e o Judeu
Errante em Kierkegaard. Além de terem sido escritos por duas das mais
competentes intelectuais mineiras, Guiomar de Grammont e Maria Esther Maciel,
os livros mostram como erudição e paixão podem estar juntas no mesmo projeto.
As autoras fizeram confluir em seus ensaios a reflexão sobre a filosofia e a
arte, mas sempre amparadas numa relação com a vida. _________________________________________________ JORNAL O POVO- CEARÁ CRÍTICA / LITERATURA O rigor delirante dos
gestos ''Hoje, mais do que nunca, estou
investindo na pesquisa teórica e criativa sobre formas de se extrair o rigor
do delírio e o delírio do rigor''. (M.E.M.) TRECHO Belo
Horizonte, 18/12/2004 Inventários da Memória Luís André Nepomuceno
A Memória das Coisas: Ensaios
de Literatura, Cinema e Artes Plásticas (Rio de Janeiro: Editora
Lamparina, 2004), de Maria Esther Maciel, como nos adverte a própria autora
em nota prévia ao livro, reúne ensaios escritos entre 1999 e 2003, publicados
esparsamente em revistas e jornais do Brasil e do exterior. O que permeia
toda a discussão do volume, abrangendo diferentes universos estéticos de
poetas, cineastas e artistas plásticos, é a utilização peculiar de sistemas
de classificação e catalogação de coisas, idéias e percepções do mundo, do
tempo e dos indivíduos, partindo, sobretudo, de indagações modernas
particularmente selecionadas e articuladas pela autora. Longe de fechar compartimentos
arbitrários nesse maquinário abrangente da investigação moderna sobre a
relação entre o indivíduo e o mundo, Maria Esther não se prende a uma escola
crítica e, mais que isso, não se prende a uma linguagem estética apenas, seja
a literatura, o cinema ou as artes plásticas; antes, mescla essas diferentes
percepções e mecanismos de revivescimento do homem e do mundo, num todo que
não se deseja necessariamente simétrico, nem harmônico, mas profundamente
revitalizado. Nesse contexto, uma profusão de nomes se inclui e se oferece à
lembrança, à medida que se lêem os ensaios: do cineasta Peter Greenaway ao
artista plástico Arthur Bispo do Rosário, do escritor Jorge Luiz Borges ao
cineasta Júlio Bressane, do cineasta Helvécio Ratton ao escritor Haroldo de
Campos, do poeta Carlos Drummond de Andrade ao outro poeta Altino Caixeta de
Castro. Todos eles são trazidos à discussão por um fio que os identifica: a
capacidade, ou pelo menos o intento, de investigar ou traduzir o mundo.
Assim, a organização dos ensaios está dividida em três partes: “Inventários
do mundo”, “Texto, imagem, tradução”, e “Do inventário à invenção”, com um
apêndice ao final do livro, em que a autora publica entrevista concedida a
Floriano Martins, para o Jornal Rascunho, em março de 2003. Porque as questões são múltiplas e os ensaios, diversos e abrangentes, gostaria de me ater particularmente a duas questões que são colocadas no livro e que, de certa forma, dialogam com outras que venho pensando e considerando recentemente. É certo que minha maneira de enxergar o livro pode soar pessoal demais, talvez focalizando levianamente apenas aquilo que me diz respeito, mas ao mesmo tempo, não penso que tudo isso possa ser diferente, ou pelo menos, muito diferente. Afinal, estou diante de uma poeta cuja subjetividade assumida por meio de um “eu” multiplicado e explícito no poema é, sem dúvida, uma das marcas de sua poesia. As duas questões a que me refiro são, enfim, as seguintes: 1) a idéia de que as ordenações e classificações taxonômicas, explicitadas principalmente no cinema de Peter Greenaway são, na verdade, uma ironia e uma crítica aos próprios sistemas classificatórios da modernidade, iniciados, a meu ver, com a filosofia medieval escolástica e perpetuados pelo enciclopedismo iluminista; e 2) a idéia de que as coisas se inserem no universo da memória não pela funcionalidade, mas pela sua capacidade afetiva de articulações passionais. Ambas as proposições merecem uma breve
consideração de minha parte. A primeira delas parece ser crucial ao
desenvolvimento do livro. Maria Esther começa, dando-nos notícia das peças
colecionadas por Arthur Bispo do Rosário, artista sergipano excluído do eixo
intelectual e artístico do país: negro, pobre e psicótico (passou 50 anos num
hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro), Bispo coletou objetos quotidianos
de sua existência como marinheiro e empregado doméstico, e organizou imenso
acervo de sua memória, hoje no museu que leva seu nome. Convicto de que
coletava cacos de sua vida para o Juízo Final, e de que tinha sido escolhido
por Deus para reconstruir o mundo, Arthur Bispo do Rosário colecionou objetos
avulsos, como navios de madeira, roda de bicicleta, faixas, fichários,
miniaturas, tabuleiros etc. O gesto é motivo para Maria Esther identificá-lo
com o cineasta Peter Greenaway, ele próprio confesso dessa identificação,
quando de sua visita ao acervo de Bispo. Greenaway teria se impressionado com
a forma como ele “parece zombar um pouco com a mania dos intelectuais de
catalogar tudo, de transformar o mundo em verbetes de enciclopédia”. O motivo parece
permear toda a discussão de Maria Esther Maciel, em A Memória das Coisas,
partindo, sobretudo, da filmografia de Peter Greenaway que, como Bispo do
Rosário (porém com consciência estética e intenções definidas), procura
obsessivamente representar a imaginação taxonômica, ou seja, a necessidade
lógica que tem o homem, e mais precisamente a intelectualidade, de ordenar o
universo e classificá-lo em sistemas e catálogos que dêem conta de suas
multiplicidades. Esse novo “inventário do mundo”, ou “museu de tudo”, no
entanto, propõe justamente o sentido oposto daquilo que nele aparentemente
reside: essa exposição de um sistema classificatório, pensando-se na intenção
proposta por Greenaway, funciona, na verdade, como um anti-sistema de
classificação, como um contraponto paródico à própria obsessão da filosofia
escolástica medieval (que, como disse, creio ser o primeiro grande momento
moderno de um racionalismo classificatório de inspiração aristotélica), ou
seja, a reimaginação da taxonomia, por parte de Greenaway e Jorge Luiz
Borges, dentre outros, revive para nós a tradição humanista que, oposta a
qualquer sistema de classificação, entende que as coisas não devem ser
compreendidas ou ordenadas, mas apenas trazidas à memória do indivíduo, como
proposta de ressignificação. Não foi por motivo gratuito que o primeiro
Humanismo substitui o termo “nomen” (“nome”, “denominação”), largamente
difundido pelo nominalismo, pelo termo “res” (“coisa”, em sentido genérico),
ou seja, substituiu o nome pela coisa, a denominação das coisas pela sua
essência. É esse o legado de nossa filosofia moderna: qualquer denominação,
ou anseio de sistematização, servirá para nos lembrar que toda catalogação é
um fim em si mesma. Nesse sentido, A Memória das Coisas está afinado
com as agruras e anseios de revitalização do homem, por parte de um lado da
nossa modernidade. E as coisas, ou objetos não
compreendidos, porém trazidos à memória como entidades ressignificadas, é o
segundo tema que destaco no livro, como ponto de convergência (segundo Maria
Esther) entre poetas e cineastas, como Drummond, Altino Caixeta, Júlio
Bressane, Helvécio Ratton. Com destaque ao livro Lição de Coisas, de
Drummond, a autora revela que os objetos do mundo são vistos, pela poesia,
como coisas (no amplo sentido da palavra) que, destituídas de sua
funcionalidade ou de sua serventia, são deslocadas para um campo afetivo e passional,
na ordem de uma memória profundamente subjetiva. É o que parece explicar
muito do discurso lírico de O Livro de Zenóbia, volume de ficção
também recentemente lançado por Maria Esther, e que investiga a existência
poética de uma alma feminina, ao longo de seus mais de 90 anos. As listas
supostamente guardadas nos cadernos de Zenóbia (nomes de aves, de cidades
raras, de temperos, palavras preferidas e outras coisas) parecem atestar não
a ordenação catalográfica de uma vida, mas a desordem angustiante e
profundamente sedutora da memória. Por fim, quero lembrar
mais uma vez que A Memória das Coisas termina com entrevista de Maria Esther,
concedida a Floriano Martins, em que discutem poesia, alteridade, referências
teóricas, modernidade e outros temas. De resto, gostaria de me referir a uma
frase da própria autora, bem ao fim da entrevista, e que me parece uma das
necessidades mais urgentes da crítica no Brasil, sobretudo jornalística, o
que serve tanto para os jornais inexpressivos do interior, quanto para os de
maior circulação: “Sem crítica não há mobilidade do pensamento. E não se
confunda crítica com a desqualificação sumária do outro, com a intolerância.
O exercício crítico requer também a responsabilidade ética de entender a
lógica do outro, para então colocá-la em crise, evidenciar suas contradições
e fragilidades. Algo que precisa ser mais exercitado por nós, intelectuais do
presente”. ___________________________________________ DIÁRIO CATARINENSE Escritora mineira
Maria Esther Maciel explora os inventários do mundo em dois novos livros SÉRGIO MEDEIROS E DIRCE
WALTRICK DO AMARANTE * A ensaísta e prosadora Maria Esther Maciel lançou recentemente, pela
Editora Lamparina, do Rio de Janeiro, dois novos livros que revelam a
inquietação e a consistência do seu trabalho nas duas áreas de sua atuação.
Em A Memória das Coisas (154 páginas), cujo subtítulo é Ensaios de
literatura, cinema e artes plásticas, constatamos, já no primeiro ensaio, o
que dá título ao volume, uma amostra do evidente prazer de enumerar que
certamente é uma das marcas registradas desses textos - "Buscava sua
matéria-prima no cotidiano mais imediato, nos redutos marginalizados da
pobreza, no agora de sua própria experiência: sapatos, canecas, pentes,
garrafas, latas, ferramentas, talheres, embalagens de produtos descartáveis,
papelão, cobertores puídos, madeira arrancada das caixas de feira e dos cabos
de vassouras, linha desfiada dos uniformes dos internos, botões, estatuetas
de santos, brinquedos, enfim, tudo o que a sociedade jogou fora, tudo o que
perdeu, esqueceu ou desprezou." O trecho citado refere-se ao artista
sergipano Arthur Bispo do Rosário, que viveu quase meio século de sua vida
internado num hospital psiquiátrico e que nos legou obras construídas com
objetos do cotidiano, fazendo um cuidadoso registro de sua passagem pela
terra, segundo o próprio artista. Cinco perguntas para Maria Esther Maciel: Pergunta - Você publicou recentemente dois
livros: um de ensaios, A Memória das Coisas, e outro de ficção, O Livro de
Zenóbia. No primeiro, você discute alguns nomes centrais da modernidade e da
pós-modernidade, como Jorge Luis Borges, Carlos Drummond de Andrade, Haroldo
de Campos e Peter Greenaway; no segundo, você mergulha no universo, por assim
dizer, neo-regional, marginal, de uma personagem que optou pela periferia.
Como você explicaria essas duas tendências aparentemente opostas? * _________________________________________________ PENSAR – Correio Braziliense (31/07/2004) / Estado de Minas (07/08/2004) SÉRGIO
DE SÁ Zenóbia não é personagem do
filme Alta
Fidelidade mas adora listas. De
"peixes perplexos", de "cidades raras", de "ervas
daninhas", de "livros de cabeceira". A criadora de Zenóbia, Maria
Esther Maciel, garante não ser muito boa em ordenar
coisas. "Listas são limitadas, excludentes e
insuficientes". Ainda assim, arrisca dizer que os cinco artistas que
mais admira são Leonardo da Vinci, Vermeer,
Arthur Bispo do Rosário, Peter Greenaway e Keith Jarrett. Mas poderiam ser também Paul Klee, J.S. Bach,
M.C. Escher, Lygia Clark e Élida Tessler. Isso, sem
incluir os escritores. É bem provável que Greenaway
ficasse em primeiro lugar numa classificação
imaginária. Do contrário, Maria Esther não teria feito
pós-doutorado em Londres sobre o diretor de A Barriga do Arquiteto e O
Livro de Cabeceira. Do contrário,
também não teria organizado livro de textos sobre o
cineasta, O
Cinema Enciclopédico de Peter Greenaway,
e tampouco teria dedicado vários ensaios a ele em
A Memória das
Coisas, ambos publicados há pouco. Além desses dois títulos, a
lista das obras de Maria Esther Maciel, professora da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e poeta de
mão-cheia, acaba de ganhar a prosa tão enxuta quanto
impactante de O Livro de Zenóbia, aquela que
gosta de elencar esquisitices. Sobre ela, sobre saberes
múltiplos e, em especial, sobre Greenaway, gira o papo que
se lê a seguir. Três livros de uma tacada.
Organização, ficção, ensaística. E a inevitável visibilidade midiática. É
muita coisa de uma vez só para uma mineira? Maria Esther Maciel – Dizem que os mineiros trabalham em surdina. Vim elaborando esses
livros ao longo dos últimos três anos, sem alarde. O
primeiro a ficar pronto foi O Cinema Enciclopédico de
Peter Greenaway, que permaneceu na editora por mais
de um ano. Fechei A Memória das Coisas em agosto do ano passado, e O
Livro de Zenóbia, iniciado há dois anos, só
ganhou impulso a partir de janeiro. Por
coincidência, os três saíram simultaneamente, o que deu margem para se pensar
que preparei os três de uma vez só,
em ritmo voraz. Mas, não. Foi tudo construído aos
poucos, de acordo com as demandas internas e externas.
Se, por um lado, publicar os três juntos trouxe um certo
desconforto, por outro, creio que isso acabou por ser
interessante, pois acho que um livro completa, de certa
forma, o outro. Eles compõem uma tríade coerente com as
minhas inquietações dos últimos anos. Sei que agora
entrarei em um momento de elaboração silenciosa do que
possivelmente virá (ou não) nos próximos anos. Zenóbia parece personagem de um
romance clássico. Tem força descomunal, mas é
apresentada ao leitor em fragmentos. A diluição do narrador
é proposital? MEM – Sempre considerei que o maior
desafio para um escritor que se aventura na
escrita de um romance é construir suas personagens, dar
a elas não apenas um nome, um rosto, uma identidade
civil, mas também uma vida que, por mais ficcional
que seja, possa trazer uma espécie de realidade
intrínseca. Os autores clássicos se esmeraram nesse trabalho e
chegaram a criar personagens maiores do que a própria trama
que as envolve. Isso sempre me fascinou. Por
outro lado, não sou muito afeita ao modelo realista
de narrativa, pautado nos princípios da sucessividade
temporal. Eu queria construir uma personagem
convincente, mas que fosse sendo constituída através de
traços, reminiscências, imagens, sensações do narrador e
de outras personagens. Zenóbia, ao contrário das
personagens clássicas, não se apresenta inteira,
completa, bastante: ela vai surgindo aos fragmentos, no ritmo
esgarçado da memória dos que conviveram com ela, dos
que souberam (ou imaginaram) algo de sua vida. Se
tem alguma força, ela se deve à soma de seus gestos,
pensamentos, palavras, atitudes, desejos. Seu cotidiano
é feito de miudezas, de coisas banais. E ela busca
extrair disso pequenas epifanias e assombros. Há uma clara vontade de
recuperação de lirismo, não? Como se a realidade estivesse
esgotada em vários sentidos, principalmente como norte da literatura
brasileira... MEM - Ando meio cansada do realismo
exacerbado que tomou conta da literatura
brasileira contemporânea. E avessa ao formalismo asséptico,
desvitalizado, que ainda predomina em boa parte da poesia
que se faz hoje no Brasil. Em O Livro de Zenóbia
tentei, sim, recuperar um certo lirismo, mas que não
exclui, necessariamente, o traço irônico, a dimensão
trágica e o humor sutil. Tendo cada vez mais ao exercício de
uma escrita livre de coerções temáticas e formais, busco me
desvencilhar da tirania da metalinguagem e da
intertextualidade explícita - práticas já exauridas,
debilitadas - e buscar outras possibilidades estéticas para o
meu trabalho. Abrir-me às impurezas da experiência, à
força do trágico e ao êxtase do sublime. Não renegar o
prosaico nem sucumbir ao realismo. Apostar na
delicadeza como um antídoto contra a truculência do mundo,
da realidade. Jorge Luis Borges é de fato a
melhor conexão da literatura com o cinema de Peter Greenaway? MEM – Costumo dizer que, para quem
assiste a um filme como O Cozinheiro, o Ladrão,
sua Mulher e o Amante, ou O Livro de Cabeceira,
sem um prévio conhecimento de outros trabalhos de Peter
Greenaway, é quase impossível aceitar uma associação entre ele
e Borges. Onde estariam, no escritor argentino,
a escatologia, o erotismo explícito, o transbordamento
barroco, o delírio visual? Mas se atentarmos para certas
estratégias ficcionais desses e outros filmes de Greenaway,
veremos que as afinidades são muitas: o
apreço pelos embustes autorais (sobretudo nos
pseudodocumentários do diretor), o olhar enciclopédico sobre o
mundo, o exercício das taxonomias insólitas, o gosto pelo
artifício e pelas simetrias, a profusão de referências
eruditas, a concepção do universo como uma biblioteca de
babel. Talvez o filme de Greenaway mais borgiano seja A
Última Tempestade. Trato disso com detalhes em um
dos ensaios do livro A Memória das Coisas. Mas além de Borges, outros escritores são referências
importantes para o cinema greenawayno, como James Joyce,
Lewis Carroll, Italo Calvino, Georges Perec, Dante e
Shakespeare. Mas menos sob a perspectiva dos temas e
dos enredos do que sob a perspectiva da linguagem e dos
procedimentos poéticos e ficcionais. O que você diria para convencer
alguém de que vale a pena ver e conhecer Greenaway? MEM – Greenaway é um dos poucos
cineastas contemporâneos que ainda ousam na
experimentação de novas formas e linguagens, sem que
isso signifique uma recusa do passado. Ele leva o
cinema a transbordar de seus próprios limites, a
expandir-se para além da tela. Sua erudição criativa
possibilita-lhe trazer para um mesmo topos o legado cultural de
diferentes tradições – entre elas, a do renascimento e a do
barrroco –, as experimentações da vanguarda, as inovações
tecnológicas e as referências culturais do
presente. Transita, com desenvoltura, em vários campos do saber, sejam
eles os da literatura e das artes em geral, sejam os da
culinária, da arquitetura, da moda, da
zoologia e da anatomia. E não se furta a explorar o estranho,
o escatológico e o insólito. Além disso, não faz concessões
aos imperativos da indústria cinematográfica e assume uma
postura extremamente irônica perante o culto
contemporâneo do chamado "politicamente
correto". É ainda um crítico dos sistemas de organização e classificação
do mundo e do conhecimento. Um artista completo, que
reedita, no contexto do século XXI, a intrigante e
instigante figura do artista/ intelectual transdisciplinar, de
feição renascentista. O intelectual não pode mais
ficar parado no mundo contemporâneo? MEM – Vivemos, hoje, sob o signo da
multiplicidade, da confluência entre as artes e os
campos disciplinares. Cabe ao intelectual contemporâneo
estar atento a isso. A especialização e a fixidez do
conhecimento já não condizem com as demandas do nosso tempo.
O movimento, o trânsito, a abertura à
alteridade são as linhas de força que nos definem. Greenaway é
diretor de ópera, escritor, pintor, curador. De alguma
maneira, ele reedita essa figura do artista
renascentista. Algo que tem a ver também com a idéia de Arte
Total, de Wagner. Ele tenta reconstituir essa figura para
mostrar que o cinema tem que se abrir para essas outras
linguagens, que as artes e os campos de saber estão aí
também para serem mesclados, conjugados. Além disso, aposta
na idéia de que uma das formas de se revitalizar
o cinema é buscar os recursos que as outras artes
podem oferecer. Qual filme dele é seu preferido
e por quê? MEM – É difícil dizer qual é o meu
preferido. Talvez seja O Livro de Cabeceira, por ser o mais poético. Nele,
erotismo e escrita se entrelaçam de forma
magnífica. A tela se transforma em várias ao mesmo
tempo, graças aos inventivos experimentos tecnológicos usados
ao longo de todo o filme. Sucessão e
simultaneidade se mesclam na narrativa. E o mais interessante
é que a obra literária que lhe serve de referência não é um
livro com trama e enredo, mas o diário de uma poeta
japonesa do século X, Sei Shonagon, cheio de listas e
apontamentos sobre coisas da natureza e trivialidades da
corte. Greenaway inventa um enredo para o filme e busca
no livro de Shonagon a atmosfera, a linguagem, as
listas e as imagens. Compõe um filme de grande poder de
sedução visual, que inverte os procedimentos tradicionais da
adaptação. Greenaway é um escritor legível? MEM – Por incrível que pareça, não é
um escritor barroco ou experimental. Seus textos são
límpidos e escorreitos. A maioria é de narrativas curtas,
que trazem histórias prosaicas, mas o tempo
todo assaltadas pelo insólito, pelo nonsense. Têm
humor e ironia. Inteiramente legíveis e digeríveis. O mesmo
se pode dizer de seus ensaios. |
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