Monstros corporificam tudo que é perigoso e horrível na experiência humana. Eles nos ajudam
a entender e organizar o caos da natureza e o nosso próprio. Nas mais antigas e diversas
mitologias, o monstro aparece como símbolo da relação de estranheza entre nós e o mundo que
nos cerca. Obras clássicas, dos irmãos Grimm até estudos psicológicos recentes, mostram
a variedade e o poder da criatura má imaginária como uma metáfora cultural e um artifício
literário. Para Agostinho “monstro” significava um afastamento pessoal de Deus, e só era
aplicado a indivíduos considerados “anormais”. A literatura da Renascença descreve pecados
específicos (ciúme, orgulho, etc.) como monstruosos. Nesse caso, “monstruosidade” carrega
implicações tanto estéticas quanto políticas. Deformidades externas revelam transgressão, pois
o indivíduo personifica uma traição da natureza. Modernamente, a criatura de Frankenstein
inaugura uma linhagem de monstros que falam do nosso mal-estar perante o desenvolvimento
da ciência e o progresso tecnológico, assim como diante de guerras e genocídios.
Neste projeto, o problema a ser enfocado é o porquê introduzir o monstro no espaço ficcional.
Para tanto, nosso objeto será levantar os tipos de monstro e suas funções na literatura.
Este projeto baseia-se na hipótese de que é sempre na recusa da visão direta, como afirma Calvino, que parece residir a força da arte como resistência, mas não na recusa da realidade do mundo em que o sujeito está destinado a viver. N ão se trata aqui de analisar fugas para o mundo dos sonhos ou trazer à luz um elogio da irracionalidade. Ao contrário, trata-se de avaliar como a mudança de perspectiva, a consideração do mundo sob outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle podem constituir uma excelente oportunidade para pensarmos no papel da literatura.