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Maria
do Carmo M. Schneider É necessário esclarecer que certos analistas supõem que o próprio Hugo, se permanecia longe das mesas falantes, era o autor inconsciente das famosas composições de Jersey. Ele transmitiria seus pensamentos a seu filho Carlos que, por sua vez, os transmitiria à mesa. O pesquisador Jacques de Valay encontrou no manuscrito de La Légende des siècles uma anotação feita à margem por Hugo, e que consiste em uma resposta incisiva e indireta àqueles que consideravam esses escritos como uma fraude inconsciente: É confirmado o fenômeno do velho tripé, estranho fenômeno a que tenho assistido amiudadamente: uma mesa de três pés dita versos por meio de batidas, e estrofes saem da sombra. Escusado é dizer que jamais misturei aos meus versos um único desses versos que provêm do mistério; estes religiosamente sempre os deixei ao desconhecido, que deles é o único autor; não lhes acolhi nem mesmo a sugestão; evitei-lhes mesmo a influência. O trabalho do cérebro humano deve conservar-se à parte e nada pedir de empréstimo aos fenômenos. As manifestações exteriores do invisível são um fato, e as criações interiores do pensamento são outro. A muralha que separa os dois fatos deve ser respeitada no interesse da observação e da Ciência. Nenhuma brecha deve ser feita, e um empréstimo seria uma brecha. Ao lado da Ciência, que defende o fenômeno, manifesta-se também a religião, a grande, a verdadeira, a obscura, a incerta, que o proíbe. É, então, repito-o, tanto por consciência religiosa, quanto por consciência literária, é por respeito para com o próprio fenômeno, que dele me isolei, impondo-me a mim mesmo não admitir nenhuma mistura em minha inspiração, de modo a conservar minha obra tal como é, absolutamente minha e pessoal ...(3)
Hugo definiu, assim a produção do seu espírito, separando-a daquela que vem do mundo desconhecido, dos pseudomortos. Entretanto, é através das revelações das mesas falantes que ele observa a impressionante confirmação de muitas de suas idéias filosóficas e religiosas, o que o leva a escrever em 19 de setembro de 1854: Os seres que povoam o Invisível, e que vêem os nossos pensamentos, sabem que há vinte cinco anos me ocupo dos assuntos que a mesa suscita e aprofunda. Mais de uma vez a mesa me tem falado desse trabalho; a "Sombra do Sepulcro" incitou-me a terminá-lo. Nesse trabalho, evidentemente conhecido no Além, nesse trabalho de vinte e cinco anos eu encontrara, apenas pela meditação, muitos dos resultados que compõem hoje a revelação da mesa; vira distintamente confirmados alguns desses resultados sublimes; entrevira outros que viviam no meu espírito num estado de embrião confuso. Os seres misteriosos e grandes que me escutam vêem, quando querem, no meu pensamento, como se vê numa gruta com um archote; conhecem a minha consciência e sabem quanto tudo o que eu acabo de dizer é rigorosamente exato. E isto é tão exato, que fiquei por um momento contrariado, no meu miserável amor-próprio humano, com a revelação atual, que veio lançar à volta de minha lampadazinha de mineiro o clarão dum raio ou de um meteoro. Hoje, tudo o que eu vira, é de todo confirmado pela mesa: e as meias revelações a mesa as completa.(4)
Apesar de seu cuidado em não se deixar influenciar pelos seres que povoam o mundo invisível, a comunicação permanente com os mortos durante seu exílio em Jersey influenciou sensivelmente as obras escritas nos anos que se seguiram a 1853, sobretudo os principais poemas do livro Les contemplations e as páginas apresentadas abaixo.
Em uma belíssima página poética de Les Contemplations, escrita em 1854, intitulada "O que é a morte", ele dedica este verso aos incrédulos: "Não diga morrer: diga nascer; acredite" (Hugo, Contemplations, p. 412).
É mais uma vez em Les contemplations que ele canta a submissão do homem diante da vontade de Deus, em face das dores que afetam a humanidade; Hugo afirma, então, no poema À Villequier: Eu
digo que o túmulo que sobre os mortos se fecha Infinitamente angustiado pela ausência de sua filha morta, Hugo escreve os versos "Amanhã, ao alvorecer", nos quais dialoga, ternamente e em voz baixa, com sua filha morta, que sente ainda muito próxima a ele: Amanhã,
ao alvorecer, à hora em que clareia o campo
Em um manuscrito endereçado ao escritor Arsène Houssaye, Hugo envia uma bela poesia cujo tema é a reencarnação e a evolução progressiva do espírito, intitulada "Os destinos da alma", cujos versos apresentados resumem perfeitamente a temática: O
homem é o único ponto da criação
Onde para tornar-se livre, fazendo-se melhor, Nós
procuramos a saída às cegas; (3)
Hugo, 28 de fevereiro de 1854, apud Malgras, 1906, p. 43-44. < Página Anterior | Próxima Página >
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