ANAIS DO SIMPÓSIO


Algumas estratégias de persuasão e de sedução do
sujeito-comunicante Victor Hugo
 

Ida Lucia Machado
UFMG

Introdução

As relações entre o texto de ficção e a análise do discurso (AD) provocam ainda hoje dúvidas ou discussões em certos meios onde o gênero literário ou a Literatura (com um "L" maiúsculo) sofre o peso de um elitismo cultural ou de um "purismo" exagerado. No entanto, o estudo dos aspectos sociais de um texto ficcional, do espaço que se constitui entre ele e tudo o que o envolve (título, prefácio, capa, orelha, etc.), o estudo da "fabricação" de tal texto bem como a observação dos efeitos buscados por seu escritor (interação texto v. leitores hipotéticos ou reais) já existia bem antes da institucionalização da AD, como disciplina. Basta lembrar, entre tantos outros, os trabalhos realizados no último século por Bakhtin, Barthes, Genette, Eco...

Uma grande parte do que chamamos "texto de ficção" focaliza o homem e as relações sociais por eles mantidas com seus semelhantes em uma determinada época, mostrando, ao mesmo tempo, a visão que é então dada ao próprio fenômeno literário. (1) Aqueles que se aventuram a realizar incursões nesse domínio recebem – quer queiram ou não – uma imagem facetada que não é a de um pesquisador literário, mas, a de um lingüista-antropólogo, acompanhado de um psicosociólogo. Este quarteto se interessará pela psicologia comportamental dos seres de papel (representações dos seres do mundo), pelo estudo das trocas linguageiras que eles suscitam ou praticam, no interior de seu mundo. A AD procura, assim, em um mundo "contado", marcas que mostrem as diferentes imagens ou máscaras sob as quais um autor pode apresentar sua obra ao seu leitor... Assim, no âmbito dessa disciplina, será mais interessante estabelecer uma discussão sobre os julgamentos psicosóciolinguageiros que um dado personagem faz sobre a sociedade de sua época que de se preocupar com a verossimilhança – ou não – do comportamento deste personagem. (2)

É preciso esclarecer, sem mais tardar, que, seguindo Maingueneau (1998: 2), adotamos o ponto de vista de uma AD "qui n’appréhende ni l’organisation textuelle en elle-même, ni la situation de communication, mais s’éfforce de les associer intimement". Assim, o texto de Victor Hugo será por nós aqui analisado como um local linguageiro onde ocorre uma atividade enunciativa, atividade esta ligada ao gênero "ficção".

Em outras palavras, o texto construído por Victor Hugo será por nós visto como uma instância privilegiada onde acontece uma troca comunicativa, tal troca estando inserida em um contrato sustentado por um projeto de palavra concebido pelo citado escritor.

Não é segredo para ninguém que Victor Hugo é considerando um monstro sagrado da literatura francesa e ocidental, nem tampouco que sua biografia e sua obra ofereceram e continuam oferecendo margem para diferentes pesquisas. A atmosfera carismática que envolve o homem e o escritor está longe se esgotar. Pedimos, pois, ao nosso leitor para aceitar esta exposição apenas como mais uma das múltiplas abordagens possíveis oferecidas pelo autor Victor Hugo aos pesquisadores que se interessam por sua obra e por seu gênio.

O sujeito-comunicante Victor Hugo

No título sugerido para esta intervenção, aparece o sintagma "sujeito-comunicante". O que isso significa ou de onde vem essa expressão? Ela foi por nós encontrada, pela primeira vez, no livro Langages et discours, escrito pelo lingüista Patrick Charaudeau, em 1983. No que diz respeito à terminologia, é preciso lembrar que o autor fala ou de um "sujeito-comunicante" ou de um "Eu comunicante", as duas expressões tendo o mesmo significado.(3)

(1) Como analistas do discurso preferimos "texto de ficção" a "textos literários".
(2) Esta observação foi feita por Alain Robbe-Grillet (1963), quando o autor comentou o tratamento dado pela crítica literária ao personagem Julien Sores, do romance Le rouge et le noir, de Stendh al . Em francês: "sujet-communiquant". Quanto ao (3) "Eu comunicante", Charaudeau o abrevia por JEc ("je communiquant").

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