ANAIS DO SIMPÓSIO


Notre-Dame de Paris: a prosa, a tela e o palco

Júnia de Castro Magalhães Alves
Unicentro Newton Paiva

É fato comprovado que um grande romance, de título mundialmente conhecido e mercadologicamente vendável torna-se matéria, em potencial, para inspirar a escritura do roteiro e a conseqüente produção de um filme ou de uma novela, de uma peça de teatro, de uma ópera ou de um musical. Entre as perguntas mais comuns, emitidas pelo receptor virtual da nova obra, acham-se aquelas que se referem à fidelidade ao livro (texto de partida) e outras que focalizam a qualidade superior ou inferior do texto de chegada. Não existem, para elas, respostas satisfatórias fáceis.

Para se criarem pares meritórios do original é necessário que se lhe capture o espírito e não que, simplesmente, se lhe reproduza a história. A atenção meticulosa, dedicada às minúcias do primeiro texto, não garante o sucesso nem de sua tradução, nem de sua transrepresentação intersemiótica (Viana e Alves, 2001). A força de um filme como meio narrativo, por exemplo, pode enredar-se, desastrosamente, com as técnicas de narrar de um excelente romancista prolixo. O resultado da passagem de um (o romance) para o outro (a fita) seria provavelmente verborrágico, antítese da beleza verbal do texto literário. Escritores de roteiros para a tela e para o palco, portanto, muitas vezes, se afastam do trabalho original, para criar um equivalente cênico, em detrimento de uma tradução linear.

No século XIX, livros bem sucedidos transformaram-se, muitas vezes, em óperas: Ernani, de Victor Hugo, é Ernani, de Giuseppi Verdi (1844); A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, é La traviatta, também de Verdi (1853); Carmen, de Prosper Mérimée, é Carmen, de George Bizet (1875); entre várias outras produções que poderiam ser citadas (Viana e Alves, 2000).

Fenômeno semelhante repete-se em relação à comédia-cantada ou ópera-popular, denominações associadas à composições de Richard Wagner. O termo alemão "Musikdrama" foi cunhado em 1860 para distinguir a ópera tradicional (com todos os seus exageros e irrelevâncias), dessa fusão mais consciente e consistente entre música e drama.

Um terceiro espetáculo nessa esteira é a comédia-musical (conhecida ainda como ópera-rock) que parece fazer parte intrínseca do Sonho Norte-Americano, e que nasce em Nova York em 1866 com The black crook (Médioni, 2000: 63). Na segunda metade do século XX, também Paris passa a dedicar-se à montagem de musicais e, com o triunfo de Notre-Dame de Paris (1998) – mais de 2 milhões de espectadores; 3,5 milhões de CDs; e 1 milhão de videocassetes vendidos – esse tipo de espetáculo assume um status igualmente privilegiado no palco francês (Medioni, 2000: 61–63).

Quanto à arte cinematográfica, sabe-se que, em 1895, os irmãos Lumière realizam a primeira projeção pública de uma película, e que o cinema não só se torna o meio mais popular de entretenimento e de comunicação do século XX, como também ostenta o papel de maior reprodutor dos temas e histórias originários de romances. Com essa nova experiência, patenteia-se a existência de uma cumplicidade artística que agrilhoa literatura, pintura, música, e artes cênicas (ópera e musical; tela e teatro). O filme, sendo partícipe de um processo montado para gerar significados, oficializa-se como o meio de comunicação mais capaz de combinar, de maneira complexa, um grande número de características derivadas de outras formas de arte, para nos oferecer uma representação direta da realidade imaginativa, por meio do poder do espetáculo.

Partindo dessas ponderações, este trabalho visa a analisar a natureza do romance Notre-Dame de Paris para compará-lo a suas versões fílmicas (uma com orientação franco-italiana e falada em francês, e as outras, nas quais se inclui um desenho animado, faladas em inglês e produzidas por companhias norte-americanas). Filmes e livro são aqui estudados não só como artes representativas de idéias e situações, mas também como unidades de discurso de linguagens vizinhas. A obra literária, ao ser transportada para a tela (ou para o palco), assume uma aparência quase sempre considerada simplista. De fato, um estudo mais minucioso mostra que o comportamento cênico de um romance escapa da simplicidade por meio de fatores, tais como a linguagem auditiva e a visual, capazes de substituir grande parte da informação veiculada pelos modos descritivo e argumentativo da palavra escrita.

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