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DOS HAVERES DO CORPO, de Maria Esther Maciel

(Belo Horizonte: Editora Terra, 1985)

 

 

 

 

                                                            Resenhas

 

 

Altino Caixeta

Almeida Fischer

José Afrânio Moreira Duarte

 

 

 

Dizeres Críticos

 

Carlos Drummond de Andrade

Laís Corrêa de Araújo

Manoel Lobato

Agenor Gonzaga

Lázaro Barreto

 

 

 

 

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DOS HAVERES POÉTICOS DE MARIA ESTHER MACIEL 
 

Altino Caixeta de Castro


 

    É nos poetas que os críticos aprendem a crítica. O poeta cria um idioma através de idioletos líricos; inventa uma linguagem outra, porque rara, a partir do uso criativo da linguagem comum; reinaugura, revitaliza as palavras que estão adormecidas nos dicionários. Lança o leitor desprevenido no lúdico e no insólito.

Maria Esther Maciel possui seu jogo próprio de armar e amar o poema. Ora ousada, ora com uma timidez elegante de menina, lembra Jean Cocteau: “poesia: o simples fato de enunciar seu nome assusta-a.”

    Também comparo sua poesia àquela planta sensitiva chamada “maria-fecha-a-porta”. Basta aproximar-se dela para que, pudica, se recolha em seus recessos de tropismo. Mas Maria Esther não será para sempre uma “maria-fecha-a-porta”. Seu tropismo lingüístico permite uma aproximação mínima para a contemplação dos seus mistérios. Maria Esther nasce o poema do nada? Não. Nasce o poema de suas vivências violentas, de seus abismos. Mas para que assustá-la ou assustar o poema que nasce ou que mora nela?

    A poetisa, em seu livro Dos haveres do corpo, põe, compõe, antepõe, propõe sua armadilha de tropos como certa de reter ou libertar o canto. Sabemos pouco, sabemos que essa armação da palavra compromete conotações de verossimilhanças com as lutas lúdicas do dizer-desdizer. 


Maria Esther sabe armar e disparar o poema. Sabe desarmar e desamar a poeticidade que preexiste dentro dela desde menina-moça de quinze anos, quando, para meu espanto, já sabia debutar um poema moderno. Fiquei intrigado: por que uma menina já poetava espontaneamente dentro de uma vanguarda? Pois ela não tivera tempo de percorrer as teorias da literatura, nem os mestres do fazer subvertido do impressionismo e do expressionismo. Ninguém lhe havia ensinado as artimanhas armadas do absurdo em arte. Ela não havia lido os manifestos. Por que, então, a modernidade morava dentro dela? A pergunta é vã. Os peixes nadam sem conhecer as leis do líquido. Ela havia aprendido por osmose do mundo circundante.

    Sua mensagem lírica já nascera existencial, apesar dos Sartre e dos Heidegger. Agora, ainda jovem, fazendo seu curso de Letras, amadurece quase de vez. Transborda o tanque de seu quintal mineiro. Salta para as águas salgadas do alto mar. Agora na rota dos espadartes e dos tubarões das letras. 

Vale lembrar ainda um tropo quase permanente e profundo na lírica desta jovem poetisa. Maria Esther safa o poema sob o signo erótico. Ela se encanta em produzir o poema sublimado pelo simbolismo erótico, amorizando as palavras. Seu poema é pulsional e tenso. Dá emoção ao homem. Dá um frenesi safado ás mulheres, provoca a fala dos deuses. 


Ah, piabinha do Paranaíba! Ah, Bruxinha dos Sortilégios! Ah, Cabrinha montesa com susto de ser! Conjuro-vos a pecar cada vez mais contra a poesia  estabelecida e avançar com seus versos para a plenitude do poema. Você já entrou para a Bíblia da Poética Brasileira. 


        No mais, degustemos os seus poemas à luz da vela, do vinho (talvez, xerez), à maneira barthesiana.
 
      
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 JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO – 07/07/1985

Suplemento Cultura

 

                                          A poesia dos jovens

                                     Almeida Fischer

 

Um livro de estréia de poeta jovem é sempre uma esperança, que se robustece ou se anula, à leitura de suas primeiras páginas, não tanto por seu conteúdo, quase sempre semelhante, mas por sua linguagem, realmente poética ou prosaica, esta bem mais freqüente. Os jovens de nossos dias, influenciados pelos instrumentos de comunicação direta, correm o risco de transformar o poema em simples recados prosaicos, que poderiam ser transmitidos por telefone, carta ou cabograma, com maior economia de tempo e dinheiro. É natural, nos poemas dos jovens,  que a temática gire em torno do amor e do sexo, pois seu mundo não vai muito além disso. Dentro dessa limitação de conhecimento e experiência, muito poucos conhecem alguma coisa de arte poética. Assim, quando encontramos, no livro inaugural de um jovem, no primeiro poema, versos como estes: “Teu corpo: / um porto/ que eterniza / meus navios / um parto / que traduz / o meu avesso / a parte / arremata / o meu desejo.”, e natural que o leitor que sabe o que é poesia se encha de esperanças de que um novo poeta esteja surgindo.

Os poucos versos antes transcritos são do livro Dos haveres do corpo, de Maria Esther Maciel, mineira de Patos de Minas, 22 anos de idade, que agora faz sua estréia como poeta. Neles se pode reconhecer, sem maior esforço, uma vocação literária autêntica, por sua linguagem poética, tão limpa e, ao mesmo tempo, contida e comunicativa, despida de ornatos arrefecedores do impacto lírico almejado. A leitura de outros poemas do livrinho confirma a presença da poeta que chegou para ficar: “Compor no ventre a textura dos lírios / para enluar os vales de teu corpo / Revestir os seios de estrela / para a viagem lírica de teus dedos / Lançar canários das mãos ensandecidas / para imbuir de canto a tua boca / Tramar nos olhos fios de palavras / para tecer em ti minha poesia”.

Muitos dos poemas do volume são de amor, quase sempre bastante eróticos, como é comum na poética dos jovens: “Te exila em minha teia / Me define com tua senha / perenizando em meu corpo / o teu mistério – entre cortinas / no refúgio exato dos lençóis”. Todavia, como se pode constatar por estes versos, não só o amor habita a poesia de Maria Esther Maciel: “Só louca / sou eterna: / em razão / quase sempre me convenço / da minha morte – certeza imperecível / que me anula os entressonhos / e interdita o meu possível / Só louca / sou eterna: / sem precise / inventar / heroísmos para meu depois”.

A poeta domina bem os seus instrumentos de elaboração poética, realizando o poema, muitas vezes, através de alegorias e metáforas de muito boa construção, que lhe marcam a dicção. Restaria dizer, como informação, que a jovem patense é concluinte do curso de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, não sendo, pois, eventual o conhecimento de arte poética que demonstra possuir.

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 SOBRE DOS HAVERES DO CORPO  (1985)
 
 

José Afrânio Moreira Duarte

 

       De Patos de Minas, uma das diversas cidades mineiras privilegiadas em matéria de literatura, é a jovem Maria Esther Maciel que em boa hora estreou em livro, publicando a ótima coletânea de poemas intitulada Dos haveres do corpo, onde dá, desde logo, a demonstração inequívoca de possuir um talento verdadeiro.

     Dos haveres do corpo tem um conjunto de poemas homogêneos, primando pela seriedade e pelo bom gosto. Alguns dos textos de Maria Esther Maciel chegam a ser sensuais e eróticos, mas no sentido mais elevado do erotismo, não caindo nunca na vulgaridade ou na pornografia, como exemplifica o poema que se chama “Conceito”:
 

Teu corpo:

 

um porto 
que eterniza 
meus navios

 

um parto
que traduz 
o meu avesso

 

a parte
que arremata
meu desejo.

 

    Com apenas vinte anos, Maria Esther Maciel não podia mesmo deixar de ser lírica e seu lirismo, se bem que bastante modernizado, torna-se mais patente em “Armadilhas”:
 

Compor no ventre a textura dos lírios
para enluar os vales do teu corpo

 

Revestir os seios de estrelas
para a viagem lírica de teus dedos

 

Lançar canários das mãos ensandecidas
para imbuir de canto a tua boca

 

Tramar nos olhos fios de palavras
para tecer em ti minha poesia.

 

     De repente surge o gracioso poema “Brinquedo”, que tem realmente o sabor de um doce “scherzo” musical:
 

O meu amor é travesso
como um querubim
sem asas
fazendo cócegas
na manhã.

 


    As raízes telúricas falam forte e em conseqüência há o poema “Estorinha Matreira”, onde Patos de Minas é retratada pelo coração da autora, o que é feito com sensibilidade e ternura:

    Minha terra é a menina inquieta do rio Paranaíba
com os olhinhos umedecidos na vertigem das águas
o vestido traduzindo as curvas da cinturinha assanhada
os pés envoltos na cálida intimidade dos chinelos
os peitinhos ofegantes à espera do menino boiadeiro
que jurou amor por toda vida e partiu
no galope ligeiro de uma égua desvairada
em rumo às terras perdidas naquele mundão de lá.
 

    Embora muito jovem, Maria Esther Maciel já sabe o gosto amargo da perda de um ente querido e expressa tal sentimento no excelente poema denominado justamente “Perda”:
 

Tua ausência
silencia o cio das madrugadas
evidencia o espaço inalcançado das rapinas
reverencia a solidão dos potros no roçado

 

Tua ausência 
exila a umidade mágica das restingas
devassa a unidade cálida dos desejos
reprime a fala inaudita das profecias

 

Tua ausência
temporiza
a hora derradeira de uma ave ferida.

 

    Apesar de Maria Esther Maciel ser muito moça, não se pode falar em estréia precoce, pois no excelente livro Dos haveres do corpo ela demonstra, de maneira cabal, possuir, além do talento inato, também no aspecto artesanal, a maturidade e a segurança que muitos poetas veteranos ainda não conseguiram alcançar.

     Espero que Maria Esther Maciel não pare em Dos haveres do corpo e continue sempre lançando outros livros que por certo irão enriquecer o curriculum da autora e a boa poesia mineira.



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Dizeres Críticos

 

Carlos Drummond de Andrade, em carta de 16/08/1983, a propósito dos originais do livro Dos haveres do corpo, de Maria Esther Maciel:

“Difícil assumir a posição de julgador, mesmo para transmitir “impressões” de leitura. É tudo tão subjetivo, tão limitado aos nossos  sonhos e princípios! Não dê muita importância à minhas impressões. Seu livro traz a marca de uma personalidade, e isto é o importante, a ser desenvolvida. Mas esse desenvolvimento fica por conta exclusiva de você. A opinião alheia não conta. Conta é o impulso interior, rumo a uma “fatalidade” de escrever.

No livro há poemas que me parecem bem realizados, com bastante vigor expressional. O tom tem grandeza. E a “Estorinha Matreira”, uma delícia.

O abraço e a simpatia, de Carlos Drummond de Andrade “

*

Laís Corrêa de Araújo, na coluna “Roda Viva”, do jornal Estado de Minas, em 17/03/1985:

“Dos haveres do corpo, livro de Maria Esther Maciel, confirma a minha opinião de que as mulheres estão mais corajosos em sua fala, pela expressão livre que me metaboliza as relações naturais do amor. Em Maria Esther já há, ainda que não vigorosamente como em outras, a consciência de “ser com o outro”, resgatando a experiência do sexo em seus condicionamentos e fazendo-o espontâneo e simples. Isso, é lógico, não é o que faz boa poesia – é uma poesia. Um pouco mais de exigência do verbo, e termos uma poeta com identidade definida. Em frente, pois!”

*

Manoel Lobato, na coluna “Mural”, do Suplemento Literário do Minas Gerais, em 16/02/1985:

Em Dos haveres do corpo, Maria Esther Maciel nos surpreende, pois – além do domínio do vernáculo, ela tem o dom de expressar-se. Poemas impecáveis: metáforas bonitas, sensibilidade sem limite. Até na escolha das epígrafes há coerência e talento. Não há trocadilhos bobos nem recursos visuais, como os parênteses que bipartem as palavras para um discutível reforço expressional. Pelo contrário, em “Gestação” há uma disposição dos versos muito curiosa, sugerindo o volume do ventre. Um velado erotismo em determinados poemas demonstra a capacidade da autora em fugir da vulgaridade. Obra fora do comum.”

 

*

Agenor Gonzaga, na coluna “Encontro Marcado”, da revista A Debulha, em 15/03/1985:

“Maria Esther Maciel é a pessoa que tem a vocação da poesia. Seu livro Dos haveres do corpo nos revela bem isso. Por vocação entendo aquilo que se tornou a coisa mais importante na vida de alguém, aquilo com que se convive as 24 horas do dia e mais as inúmeras horas do sonho. Mas Maria Esther tem os pés no chão, sabe o que diz e o que quer dizer; estuda, lê, reflete, constrói a sua poesia muito tempo antes que ela brote no papel. Por isso seu despojamento verbal, o nem-mais-nem-menos com que nos fala as suas belezas. É autora consciente de que, num mundo de tecnologia, sem a técnica é impossível sobreviver. Portanto, a primeira característica que se poderia ressaltar em Dos haveres do corpo é a sua qualidade técnica. As palavras são pesadas, pensadas, gestadas, medidas, mas nem por isso se creia que falta ao verso o lirismo.”

 

Lázaro Barreto, no Jornal Agora (Divinópolis), em 20/01/1985:

Dos haveres do corpo é um livro leve, airoso, como o corpo de uma bailarina em noite de excepcional perfomance. Todas as partes se articulam em função do todo, ritmadas, cantantes, brilhosas, despertando a primavera até mesmo no deserto ou debaixo de chuva torrencial. Toda a leveza, a pontualidade, a geometria, o arabesco, o ritmo da beleza e da verdade.”

 

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