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ENTREVISTA COM  MARIA ESTHER MACIEL

      JORNAL FOLHA PATENSE (de Patos de Minas)

 

 

                por  Thays Prado e Cristóvão Corrêa

 

 

 

Jornal Folha Patense: O que te levou a escolher a literatura e a área acadêmica?

 

Maria Esther Maciel: Aprendi a ler com cinco, seis anos.  Descobri a literatura lendo os poemas para crianças da Cecília Meireles. Depois descobri Carlos Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos e a partir daí comecei a enveredar pelos romances dos escritores românticos, sobretudo das autoras inglesas. E meu pai me estimulava a leitura, tanto que ele abriu conta para mim numa ótima livraria que havia em Patos. Também me lembro que o primeiro texto que publiquei num jornal de Patos  foi quando ganhei um concurso de redação no  Colégio Nossa Senhora das Graças, eu tinha 11 anos de idade. A partir daí comecei a escrever. Eu tinha um professor, o Paschoal Borges, que sempre publicava os meus poemas e textos narrativos no jornal que editava. Tudo isso e outras coisas que vieram posteriormente acabaram por me motivar a seguir o Curso de Letras e a me dedicar à área acadêmica.

 

JFP: Literatura e Jornalismo parecem estar muito distantes atualmente. Você acredita que a narrativa literária deve ser um recurso apenas no jornalismo especializado ou esses campos podem se relacionar de uma forma mais ampla?

 

MEM: Eu acho que a literatura pode entrar no jornalismo de maneira mais ampla sim, considerando que muitos jornalistas são escritores. Agora, é claro que os grandes jornais não dão espaços para que esses jornalistas ultrapassem as fronteiras daquilo que eles têm que fazer ali dentro.  Mas felizmente existem muitos jornalistas que burlam isso, que conseguem construir um espaço dentro dos jornais para exercitar não apenas uma linguagem mais literária, mas para valorizar obras que estão à margem do mercado. Obras que são importantes para a formação da própria literatura brasileira.

                              

JFP: O jornalismo está muito técnico, mas  poderia ser mais bem escrito  para cativar os leitores.

 

MEM:  Pois é, a  linguagem jornalística hoje está um tanto padronizada, com uma preocupação meramente informativa. Isso limita um pouco. É cada vez mais necessário que o jornal tenha um espaço para uma escrita mais consistente e conteúdos mais críticos e reflexivos.

 

JFP: Talvez a nossa própria formação esteja muito voltada para o mercado, infelizmente. Aproveitando essas possíveis relações da literatura com outras formas de expressão, qual a influência da literatura na produção do cinema nacional?

 

MEM: O cinema brasileiro, desde  o início, vem caminhando em diálogo com a literatura nacional. Creio que as adaptações fílmicas dos textos literários têm marcado a produção brasileira de uma forma muito viva. E isso se dá até hoje. Basta fazermos uma lista dos filmes brasileiros produzidos nos últimos 5 anos e vamos encontrar uma profusão de adaptações de obras literárias.  Dentro dessa perspectiva, eu percebo que há boas realizações. Vidas Secas, adaptação de Nelson Pereira dos Santos do romance de Graciliano Ramos, para mim, é o maior exemplo de realização bem sucedida. Lavoura Arcaica, recriação feita por Luiz Fernando Carvalho do romance do Raduan Nassar, manteve o rigor da linguagem e não apenas se apropriou de uma história. O problema das adaptações literárias é que são sempre priorizadas as histórias, o enredo. Já a parte da linguagem, das estratégias narrativas fica um pouco deixada de lado.

 

JFP: Depois de morar um tempo na Europa, você acredita que a literatura brasileira deixa a desejar em relação à produção internacional?

 

MEM: De jeito nenhum. Nós temos uma literatura riquíssima, que infelizmente não teve a difusão merecida num plano mais internacional. Isso se deve muito à nossa língua, que não é muito conhecida nem muito divulgada. Agora eu percebo que de uns anos pra cá têm surgido muitas boas traduções de obras brasileiras. Na Inglaterra, Machado de Assis é estudado e considerado um clássico do século XIX. Guimarães Rosa, embora seja mais difícil de ser traduzido e entendido. Clarice Lispector é outra autora que tem tido um espaço nos meios acadêmicos estrangeiros. E com o surgimento de departamentos de literatura latino-americana em universidades americanas e européias, a literatura brasileira está ganhando espaço. Eu espero que isso se  intensifique.

 

JFP:  Zenóbia, a personagem do último livro, é uma mulher de Patos de Minas. Gostaria que você traçasse um paralelo entre Zenóbia e a mulher patense.

 

MEM: A Zenóbia é uma mulher de Patos, mas ela também traz dentro de si várias mulheres de outros lugares. Eu me inspirei em um nome muito comum em Patos de Minas, sobretudo em gerações anteriores. Eu quis, de alguma maneira, homenagear as mulheres de Patos com essa personagem e também recuperar um pouco da minha própria história, do meu convívio com várias mulheres daqui. Zenóbia tem muito de mim, das pessoas que conheci, e tem muito do que eu imaginei, do que eu gostaria de ser.

 

JFP: O que ela tem de Patos?

                                               

MEM: A própria história dela é muito voltada para as referências culturais de Patos. A vivência numa cidade do interior, o convívio mais próximo com as pessoas, a ligação com os animais de estimação... Um elemento que está presente em O livro de Zenóbia é o do enredo, no sentido de enredar, aquela coisa muito comum na cidade do interior, a intriga, o “tricot”. No livro eu uso muito expressões do tipo: “contam que”, “dizem que”, “fulana diz da fulana”. Algo muito próprio dessa vida do interior de Minas Gerais, que eu quis incorporar na minha maneira de contar a história.

 

JFP: Na sua opinião, qual o caminho que a literatura vai seguir daqui pra frente? 

 

MEM: A literatura brasileira está vivendo um bom momento. Durante as últimas duas décadas, ela ficou bastante restrita a um realismo voltado para questões sociais e, sobretudo, com um enfoque muito explícito da violência urbana. Aliás, creio que essa marca ainda se destaca na literatura brasileira mais divulgada pela mídia. Na contramão disso, existem autores que buscam um trabalho criativo com a linguagem, que buscam explorar algo mais denso em termos humanos,  a partir de uma pesquisa, de um certo experimentalismo, que eu acho importante para que a literatura sobreviva  como uma força dinâmica, capaz de reinventar o mundo. No entanto, se a lógica do mercado imperar, há um risco de isso se perder. As editoras hoje priorizam uma leitura mais fácil, mais descartável, o que é uma pena. Mas eu acredito que a literatura brasileira possa se afirmar por outras vias,  o problema é como essa literatura vai chegar às pessoas.

 

JFP: Você já teve algum problema com o mercado editorial?

                                                                        

MEM: Nós que fazemos uma literatura mais consciente do trabalho com a linguagem, que não tem simplesmente a pretensão de contar uma história, temos um mercado mais restrito. No caso dos meus livros,  alguns foram financiados pela minha universidade e outros já foram editados por editoras não muito grandes que se interessaram pelo trabalho.  Agora, é claro que todo escritor deseja publicar em uma grande editora.                                                  

 

JFP: Talvez seja um caminho a trilha in-dependente.

 

MEM: Também. O problema da trilha inde-pendente é que não vende.

 

JFP: Você acha que os mineiros têm uma dificuldade maior na divulgação das produções literárias?

 

MEM: Muito maior. Eu defendo que os mineiros se unam pra dar uma investida  no cenário nacional. Os gaúchos têm feito isso. Eles se organizaram fazendo um trabalho de divulgação em São Paulo, Rio. Assim, hoje vários escritores do sul estão sendo publicados por grandes editoras do eixo Rio-São Paulo. Os mineiros trabalham muito sozinhos, muito individualmente, aquela coisa de trabalhar quieto, em silêncio.

 

JFP: Existe também uma concorrência da imagem, com a televisão, o cinema comercial, a notícia rápida . Com isso, a literatura perde espaço. Você  acha que ela poderia fazer uso desses recursos mídiaticos?

 

MEM: Poderia. Através de programas voltados pra literatura, e mesmo de uma cobertura maior dos lançamentos na televisão. O que mais me indigna em Patos de Minas é a falta de livrarias.  Até 1981, quando eu morava aqui, havia ótimas livrarias. Havia a Casa do Livro, do seu Josias, que tinha livros importados, a Casa das Representações, do Wilson, um livreiro especialista em Dante Alighieri. Foi lá também que eu descobri o poeta Altino de Castro. Além disso, no meu tempo em Patos, havia muitos cinemas: Cine Riviera, Cine Gaza, Cine Olinta, Cineclube. Eu descobri clássicos do cinema francês em Patos! Na  minha adolescência havia um excelente cineclube. E agora não existem boas livrarias, tampouco cinemas, só cinema de shopping. Então eu lamento muito essa defasagem. As autoridades aqui tinham que ficar mais atentas a isso. Essa é uma crítica que eu faço à cidade, apesar de adorar Patos.

 

JFP: Como você constrói seus personagens? Vai desenvolvendo a personalidade de cada um no decorrer da obra, ou você já constrói antes?

 

MEM: Algumas personagens eu já delineio previamente, já sei o que quero delas. Agora, outras vão se construindo ao longo das escrita mesmo. Às vezes, no ato de criar uma personagem, eu começo a escrever sem saber exatamente quem ela é e de repente ela ganha um corpo, uma personalidade, uma história. NO livro de Zenóbia, por exemplo, eu sabia algumas coisas que eu gostaria de explorar na personagem, outras coisas foram surgindo com o tempo, como se a própria personagem fosse se impondo a mim, ganhando uma independência e exigindo de mim uma atenção.

 

JFP: Você acaba vivendo a vida dos seus personagens?

 

MEM: Quando estou muito envolvida com um personagem eu fico o tempo todo pensando nele. A construção de personagens não pode ser incoerente, você não pode dar uma história inverossímil para eles. É necessário ficar  muito atento aos detalhes, porque um detalhe pode, muitas vezes, estragar tudo.

 

JFP: Você segue algum ritual para escrever seus livros?

 

MEM: Costumo escrever de manhã, porque fico mais criativa para a escrita e menos dada à fala. É muito interessante, eu escrevo com o telefone tocando, com meu filho me solicitando as coisas, com minha cachorrinha latindo. No trabalho criativo tenho essa flexibilidade.

 

JFP: Você já tem algum projeto para 2006?

 

MEM: Estou escrevendo um outro livro e quero publicar este ano ainda. Quero investir cada vez mais  na ficção, mas não abro mão da poesia, da qual  tenho me valido de forma diferente, até mesmo narrativa. Cada vez mais me interessam essas escritas híbridas, que misturam a narrativa, o ensaio, a linguagem cinematográfica, os aforismos... Enfim, é um pouco do que eu tentei nO Livro de Zenóbia e pretendo radicalizar a partir de agora.

 

 

 

 

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Patos de Minas, janeiro de 2006

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

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