ANAIS DO SIMPÓSIO


Victor Hugo, a literatura engajada e a arte pela arte

Robert Ponge
UFRGS

Terá sido Victor Hugo o arauto da arte pela arte ou, ao contrário, como querem alguns, o modelo dos escritores engajados (para retomar, de modo anacrônico, uma terminologia usada após a Segunda Guerra)? A fim de reunir elementos de resposta, estudemos seus posicionamentos sobre o assunto. Para respeitar as dimensões dadas a esta comunicação, limitei-me a alguns deles.

1822, Odes et poésies diverses

Comecemos por sua primeira coletânea poética, Odes et poésies diverses (Odes e poesias diversas) da qual o jovem Victor publica duas edições, uma em 1822, a outra em 1823.

O prefácio atribui à arte uma função primordial: a utilidade, declarando-se Hugo "convencido" de que "[...] todo escritor, em qualquer esfera em que se exerça seu espírito, deve ter por objeto principal ser útil [...]". Para não deixar pairar dúvida alguma sobre o sentido que ele atribui a essa função - útil, social -, Hugo assenta sua literatura sobre as "idéias monárquicas" e as "crenças religiosas". De fato, os poemas da coletânea são, em grande parte, peças oficiais de circunstância, ou simplesmente histórico-político-religiosas, que têm por objetivo "solenizar" (a palavra é do próprio Hugo) os principais acontecimentos dos últimos trinta anos (1), o que está absolutamente conforme com a concepção dominante de poesia então em vigor. Não há, portanto, nada mais claro e simples: escritor engajado, político, Hugo se afirma como o "poeta do ultramonarquismo" (a caracterização é de Pierre Albouy). (2)

No entanto, isso é claro e simples apenas na aparência, à primeira vista, pois Hugo enuncia, também, que "a poesia é tudo o que há de íntimo em tudo". Explicitamente esta fórmula não pretende em nada opor-se ao resto do prefácio, mas tudo o que ela implica tende a ser contraditório com as funções úteis e sociais da poesia. Além do mais, o prefácio precisa que "o domínio da poesia é ilimitado" Se isso é verdade, significa, então, que nenhum assunto pode ser-lhe imposto nem proibido. Esta declaração revela, assim, uma vontade de liberdade. Liberdade de que Hugo se serve para expor as "emoções de uma alma" (a sua) em várias peças de caráter íntimo (traço tipicamente romântico).

Pode-se então detectar, no Hugo de 1822-1823, uma dupla postulação: de um lado, a afirmação de que o objeto principal da arte é ser útil; de outro, a reivindicação de uma poesia pessoal, intimista até. Haverá uma contradição entre as duas postulações? Poder-se-ia pensar que sim; é o que sugere uma leitura rápida, superficial; na verdade, não há qualquer contradição, pois, no prefácio, a utilidade não é definida como a única função da poesia, mas somente como seu objetivo principal. Nenhuma contradição, portanto, mas uma desigualdade (a definição de um objetivo principal implicando que qualquer outro objetivo é não-principal, secundário). A ausência de contradição entre as duas postulações permite a Hugo formular a seguinte conciliação: "O autor achou por bem que as emoções de uma alma não eram menos fecundas para a poesia do que as revoluções de um império". Fórmula de junho de 1822 que parece colocar as duas postulações no mesmo plano, enquanto a formulação do prefácio à edição de 1823 implica a desigualdade entre elas. Neste particular, parece haver desacordo entre os dois prefácios, mas talvez isso seja apenas uma aparência.

1826, Odes et ballades

Em 1824, Hugo publica a coletânea Nouvelles Ballades (Novas baladas): nada de novo a destacar. Passemos a 1826, ano em que é publicado seu volume intitulado Odes et ballades (Odes e baladas). O prefácio é um manifesto em defesa do romantismo e da liberdade do poeta, no qual Hugo apresenta as baladas como produtos de sua "imaginação", "esboços de um gênero caprichoso: cenas de gênero, paisagens, sonhos, narrativas, lendas supersticiosas, tradições populares", e conclui aconselhando o poeta a escrever "com sua alma e com seu coração" (3). Convenhamos, se está um tanto quanto afastado da vontade de ser útil. É verdade que, entre as odes, continuam a figurar os inevitáveis poemas de circunstância, oficiais ou histórico-político-religiosos, contudo um vento de juventude romântica apodera-se às vezes da expressão. A dupla postulação continua, portanto, presente, mas, no que concerne à sua desigualdade (se desigualdade havia), uma mudança de signo parece esboçar-se.

(1) HUGO Victor, Préfaces à Odes et poésies diverses (1822 et 1823), in idem, Œuvres complètes: Poésie I, Paris: Robert Laffont, coll. "Bouquins", 1985. Cada edição tem seu próprio prefácio, aquele de 1823 retomando, em sua integralidade, o de 1822; os dois prefácios se encontram nas páginas 54-55.
(2) ALBOUY Pierre, "Hugo (Victor): le poète", in Encyclopaedia Universalis, Corpus, t. 11, Paris: Encyclopaedia Universalis, 1990, p. 718.
(3) HUGO, Préface à Odes et ballades (1826), in: idem, Œuvres complètes: Poésie I, op. cit., p. 63-66.

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