ANAIS DO SIMPÓSIO


O romantismo "frenético" de Han d'Islande

Ana Luiza Silva Camarani
Unesp

Publicado em fevereiro de 1823, Han d´Islande provoca um grande impacto nos meios literários parisienses; assim, não causa espanto o número de polêmicas suscitadas por esse romance, que parece fugir à concepção de romantismo, na época em que o movimento estava em formação.

Tanto os partidários da nova literatura, quanto os que se atinham ao classicismo, manifestam opiniões semelhantes em relação ao texto de Hugo.

Em março de 1823, no jornal Quotidienne, Charles Nodier, sem ousar apadrinhar a obra e reconhecer sua posteridade, faz um elogio bastante veemente do talento do jovem romancista:

On reconnaît dans Han d’Islande beaucoup d’érudition, beaucoup d’esprit [...], un style vif, pittoresque [...] et, ce qu’il y a de plus étonnant, cette délicatesse de tact et cette finesse de sentiment qui sont des acquisitions de la vie, et qui contrastent ici de la manière la plus surprenante avec les jeux barbares d’une imagination malade [...]. (Apud Bray, 1963: 80)

Assim Nodier, um monarquista, um romântico, faz entretanto reservas sobre a inspiração de Han d’Islande. Como os liberais clássicos não o fariam? O Mercure du XIXe siècle, que acabava de ser fundado por uma equipe de doutrinários, publica um artigo muito severo sobre o romance:

L’auteur ne se nomme point. C’est, dit-on, un poète [...]. Il est, assurent quelques personnes, une des colonnes de la Société des Bonnes-Lettres (1): on l’accueille dans certains salons; de grands seigneurs le protègent; le Trésor le pensionne. Un écrivain si bien entretenu ne devait pas rester inactif; il a senti cette obligation, et c’est sans doute pour la remplir qu’il a publié Han d’Islande [...]. Les métaphysiciens prétendent que le génie est voisin de la démence. S’il en est ainsi, on peut dire que l’auteur de Han d’Islande n’est pas très éloigné du génie [...]. L’explication la plus favorable que l’on puisse offrir sur l’origine de ses inspirations, c’est de dire qu’il a subit les tourments d’un long cauchemar, pendant lequel il a rêvé les quatre volumes de Han d’Islande. (Apud Bray, 1963, p. 80-81)

Os amigos de Victor Hugo sensibilizam-se com esse artigo. Uma controvérsia penosa entre os editores do romance e o autor atrai ainda mais a atenção do público. O rei Louis XVIII concede ao poeta uma nova pensão de dois mil francos.

A verdade é que o romantismo foi visto, por muito tempo, como um simples gênero poético ou dramático no interior de uma literatura concebida como clássica. A oposição entre classicismo e romantismo começa a esboçar-se entre 1804 e 1810, quando mentes abertas e liberais passam a inclinar-se, cada vez mais, para uma reforma literária aberta às influências estrangeiras. Por volta de 1816, surgem traduções francesas de autores de língua alemã e inglesa: Byron, Scott, Schiller, Shakespeare, Goethe. A partir de 1818, o romantismo passa a ser visto como uma renovação literária decorrente da renovação social, e a necessidade de modificação começa a ser sentida mesmo entre os clássicos.

(1) Sociedade fundada em janeiro de 1821 para combater o liberalismo e difundir a "boa doutrina", considerando o gênero romântico como uma parte da literatura clássica e buscando a inspiração na tradição política e religiosa do país.

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