Reflexão dos trinta anos

 

XXXV – Caberia, aqui, uma indagação: que seria para um escritor da hora presente uma verdade mais urgente e profunda? A resposta implica uma série de sondagens, verificações, em sem-número de investigações quanto às tendências imperantes, ou às constantes registradas quer na obra, quer no comportamento dos escritores em voga, sejam eles jovens ou não. Depois de todas essas sondagens e verificações, podem as investigações resultar vãs, isto é, revelar apenas a ausência de uma verdade mais urgente e profunda. Quando reconheço que na arte de escrever há outra finalidade que ela mesma, e que por isso a ultrapassa, não me filio entre os que pregam dever o escritor colocar-se entre os que defendem um ideal político, e que somente dessa forma poderá desenvolver uma ação eficaz. A tarefa do escritor transcende à da defesa de ideais políticos, evidentemente, a não ser quando as liberdades individuais e coletivas estejam em perigo, e os valores que escolhemos para nortear nosso comportamento correndo o risco de serem comprometidos. Quando, por conseguinte, indago da existência de uma verdade mais urgente e profunda, tenho no pensamento mais a ideia de um clima, de uma atmosfera, de uma verdade enfim que não se pode definir, mas isolar, através da verificação do valor real das coisas.

Trecho retirado de Reflexões dos 30 anos. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958. p. 29.