Ágrafo

 [para Regina]

Onde estão os poetas negros
Que não os ouço cantar nossa odisseia?
Estão dormindo no plano das ideias
Velados por poéticos segredos?
Onde andarão nossos poetas negros? 

A poesia negra, hermanos,
Não explode a pólvora
Nem orienta a bússola
Ou diagrama o papel. 

Ela desvenda o véu da vanguarda
Tira o chapéu
Pra velha guarda
Elimina o minimal
Pelo ancestral.

João Cândido fundeou seu sonho de igualdade
Nas costas da Guanabara em diplomáticas manobras
Branqueadas de cal na Ilha das Cobras
Seu leme depois feito um carrinho no mercado.

André Rebouças viu seu projeto pós-abolicionista
Afogar-se, em circunstâncias suspeitas, nas águas da
  Madeira
Mestre Pastinha, cego e indigente, não viu a capoeira
Na volta do mundo, virar desporto e lazer de americanos e
  Turistas.

Mas a poesia negra, mes frères,
Acende incenso à afrodescendência
Recende à sua essência
Renuncia às trompas
De antropológicas fanfarrasPor sua farra própria

A marinha mercante comprada por Marcus Garvey
Afundou antes de levantar ferros em direção à pan-africana
Miragem de uma época única livre e soberana
Mamando no úbere farto de sua própria Diáspora. 

Porém
Acre e ágrafo,
O poema afro
Agrada-se em reagrupar negritudes
Agredir gramáticas greco-latinas.

Jack Johnson nocauteou a supremacia branca
E recebeu na alma todos os jabs e upercuts do racismo
Que lhe soou o gongo e lhe quebrou a banca
Num prosaico acidente automobilístico. 

But,
A poesia negra, brothers,
Não cisma
[Presa]
Num castelo de marfim.
Ela se afirma
Elegante
E é um marfim em si mesma.

(Poétnica, p. 33-34)