Negra mente
 
Nego, grato, que sou negro ingrato
Amo-me por negro ser à luz do dia
Grito nagô gravado na garganta
Gratificantemente negro sem agonia
 
X.X.X
 
Sem culpas, nem grutas, negrume ao sol
Nem grades, nem grotesco
Negros textos sejam lidos no arrebol
 
X.X.X
 
Negras, negros, sejamos qual os gregos
Agreguemo-nos, guerreiros, em massa
Castro Alves nos espera na praça
Negrifique-se e faça-se grande
Nasça nessa nossa cor, pois ela é raça.
(Cadernos negros 21, p. 22).
 
 
A paz de negro ser
 
Eu crio e solto
As pombas negras da paz
Pelos jardins sem fim
Que margeiam meus ninhos
 
Eu detenho e hasteio
As bandeiras negras da paz
Pelos confins de mim
Por meus constantes caminhos
 
Meu âmago ama com calma
Toda a minha pele
E que às outras dermes se revele
Que a alma tem a cor de Deus
 
Se minha melanina é a menina
Que melindra tanta sina
Assassinem-se esses conceitos “pré-cínicos”
Prevaleçam os ninhos e caminhos meus!
(Cadernos negros 21, p. 19).
 
 
Ecos de egos
 
Em todo lado de alguém há alguém.
Por todo lado, um de alguém a sós.
Um de nós é esse alguém
e o outro, quem será de nós?
 
Para toda voz, multi eco.
Para todo eco, tão nenhuma voz...
De quem de nós é essa voz de ego?
Nesses ecos de egos, qual é o de nós?
(Poeticário, p. 75).
 
 
Mise-En-Scène
 
Fechem as janelas!
Abram o coração!
E que esse trovão se espalhe
Pela palma de qualquer mão!
 
Refestelem-se!
Ontem resolvi rir...
Ri ao rubro raio!
Ri até me partir!
 
Claro que ninguém me fez eco!
Ninguém uma alegria verteu ...
Jamais saberão quão simples é entender-me...
Jamais saberão quão simples sou eu ...
 
Sou artista de plateia alguma!
Meu texto é recital de pavores!
Declamo lágrimas...
Enceno beijos sem sabores...
 
Este tablado é meu!
Dele sou seu pó...
Pólipo que sou deste teatro
Que é a vida!
Vivo a interpretar no escuro...
Só!...
 
Eu, mais que ninguém,
Sou o ator da melancolia...
Finjo carência, careço de harmonia!
Harmônica sinfonia em dó menor!
 
Eu, mais que ninguém,
Nos holofotes banho o corpo...
E afogo a alma no breu, calado...
Pois de minha dor escura eu sei de cor!
(O Baile dos Versos, p. 48).
 

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