Usos e abusos da toga de Joaquim

Começou a navegar pelas redes sociais, e naufragou logo, uma imagem ora austera, ora sorridente do Ministro Joaquim Barbosa, associada à própria “não-necessidade de cotas raciais” para ser um homem negro bem formado, bem-sucedido e alçado ao posto de super-herói.

A mim, causava espécie escutar a presença de várias pessoas negras repetindo acriticamente o bordão, numa confusa demonstração de orgulho. Ah, o quanto é destruidora essa profunda carência de ícones, que nos leva, muitas vezes, a ouvir ruídos e a confundi-los com música, boa música.

Joaquim Barbosa, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Hélio Santos, Ruth Guimarães, Leda Martins, Gilberto Gil, vivíssimos entre nós, não se valeram das cotas raciais para construir a carreira, mas, seguramente, não seriam exemplos isolados se contássemos com cotas raciais desde o momento em que cada um deles passou pela universidade.

Recentemente, a ministra Luiza Bairros, alicerçada em cálculos feitos por sua equipe, prospectou a entrada de 56 mil estudantes negros, anualmente, nas universidades públicas federais a partir da Lei de Cotas, sancionada pela Presidenta Dilma. Ora, ora, seremos mais de meio milhão de graduados negros em 10 anos.

Estamos a caminho de virar o jogo. Se nós não estamos atentos a isso, eles estão. É de lamentar que muitos de nós ainda nos enganemos com o canto de sereia lançado por eles, que, outra vez, tentam nos afundar na Kalunga Grande. Se deixarmos, se não separarmos a música dos grunhidos de desespero, lá no fundo do mar, vagaremos insepultos.

(Racismo no Brasil e afetos correlatos, p. 23).