Curió

Ele era sempre sorriso e riso
e gargalhadas escancaradas.
Dançava samba de roda, jogava capoeira,
animava bailes
O cabelo bem cometido sob a leve camada de óleo
Os sapatos de um engraxado absoluto,
o brilho retumbante.
A tranquila camisa de seda.
No pescoço, a conta grossa de aço.
Simpatia e adjacências. Mútua reciprocidade.
Curió de Vila Isabel. Gostavam dele. Ele, de todos.
De pé ele estava, ali na parada do ônibus;
A viatura se aproxima.
“Abra os bolsos! Vire de costas! Mostre as mãos!”
Alguns protestos. O policial se redobrou.
“Entre na viatura...”
Curió, o rosto anoitecido, retrucou:
Nestas terras, seu moço, nunca ninguém não ousou.
Nenhuma afronta sem troco.
Nem agravo sem resposta.
A lei chamou outro da lei.
Tiros, gritos, correria...
O Curió calou o canto do encanto.
Só o sussurro das asas
em sumida revoada.
Assassinato diário de pássaros.

(Cadernos Negros 19, p. 126)

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