A Nossa Senhora

Segue com a pele preta aveludada,

pintando seu cachimbo. Olhando as horas se desfazendo

em fumaça.

Passa os olhos semifechados em seu antigo testamento,

nos escritos, na linha do tempo. Observa as tantas vezes

em que esteve no fio da navalha, pendurada por

fio obscuro de esperança. Certifica-se de nesses anos

quase nada mudou. O novo testamento continua

por fazer: a única coisa abolida foi a chibata.

Essa não existe mais, mas o teto e a ternura também não.

Segue sem medo, com a altivez de quem muito cedo

se tornou ciente da solidão implacável e visceral,

predestinada aqueles cuja liberdade não é um direito

mas uma concessão do caridoso algoz.

Fala com voz firme, com tom de quem nunca titubeou

nem murchou diante de situações impactantes.

Vai serena, de missão cumprida. Ensinou seus

descendentes a não deixarem levar por ilusões:

nesta Nação, mesmo sendo letrado, somente vence

aquele que antes colocar os pés para fora do

terreiro, for-lhe explicado quem ele é.

“Aquele que enfrentar o mundo de cabeça feita

não vai se tornar corcunda”, dizia ela.

Segue com opulência renascentista na sua consistência:

Mineral, Magnética, Férrea, Gusa incandescente, vai

arrematando a última ponta de vida, adentrar o infinito,

compartilhar da intimidade dos seus antepassados.

                                      (Mulheres q’rezam, p. 123)

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