Nochê

Raquel Almeida

Para Nochê Sandra de Xadantã
Dona Tereza de Légua e
Nochê Marcela de Naveorualin

 

Existem mulheres que passeiam no tempo com uma missão.

São elas que guardam os segredos da vida, da existência e da morte, elas acolhem, reestruturam caminhos, curam feridas que foram abertas com a fenda da injustiça. Não há no mundo nada que possa apagar suas memórias, elas dançam com o vento e sussurram nos ouvidos de quem merece o chamado. São mulheres viajantes, que guerreiam com escudos, lanças, espadas e magia.

Passam o dia arando os campos, preparando banhos de energia, cuidando de fetos gestados no útero sagrado do universo. Limpam, perfumam, acariciam, e controlam com um toque o que se desalinha à sua volta.

Cedinho, antes do galo cantar, elas estão de pé, rezam, fazem o alimento sagrado, o fundamento que religa com a terra, o ar, o fogo e a água. Após o preparo, passam pelo portal onde geram vidas, rezam com vozes firmes, chamam pra dentro do útero o que há de melhor pra cada ser gerado, ensinam como conviver ao sair dali em comunhão com o mundo.

De madrugada, cantam e dançam, rodam suas saias ao som dos batás, e o giro da ginga da saia deixam os olhos vidrados, e toda a mata se arrepia ao ouvir seus cantos, tudo silencia, o tempo para. Só o que permanece é a voz dela, da grande mãe, a voz dela rompe os silêncios e abre moradas, e a natureza reverencia sua voz e o rodar de sua saia.

Ela, a mãe de todas que ali habitam, saúda a todos elementos com sapiência. Ela é guardiã, ela é a que tem chave do portal da harmonia entre tudo o que há no mundo.

(In: Contos de Yõnu, p. 69-71).

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