Mata adentro
A Senhora dos Mistérios me deu uma cabaça
Serpenteada com palhas vermelhas
Em trança viva
De sangue e barro
Modelando o mundo.
Ao abrir a cabaça
Vejo afluentes de sonhos
Transbordando em cachoeiras
De amores e realezas.
Seguindo o caminho que a Dan desvendou
Consumo o mate da aroeira
Que corre por meu corpo negro,
Poros a respirar,
Sob intenso sangue-de-Òsányìn.
Alado acalento
Os sons dos pássaros ao vento,
Adormecendo medos
Que jamais toquei.
Na calada da noite,
A caçada é segura,
O deleite é a fartura
De dias de movimento e paz.
Apesar da pisada macia rumo aos alecrins,
Sinto o espeto da lâmina entre as
Conduzindo-me à estrada de ferro espáduas,
Edificando as vitórias diante do sistema que,
Rememorando Akins Kintê,
É duro e não alisa
Nem amolece pra preta aqui.
Sob a chama púrpura dessa tarde de maio
Ainda sinto o poder de sua cabaça em mim...
...afluente de emoções.
E sigo evocando amores
De tempos-ouros
Com sabor de mel.
A Senhora dos Mistérios me deu uma cabaça
Serpenteada com palhas vermelhas
Em trança viva
De sangue e barro
Modelando o mundo.
(Cadernos Negros 39, pág 41-42)