VICTOR HUGO


Victor Hugo e o Brasil:
O que permanece do homem e do escritor no milênio da globalização

Júnia Barreto*

No início do século XXI e na entrada do II Milênio, qual é a situação, em nosso país, daquele que mais influenciou a literatura brasileira no século XIX e os ideais democráticos da classe intelectual? Quando se tenta traçar uma trajetória da obra e do patrimônio hugoanos no Brasil, considerando-se as ligações estabelecidas ao longo da História entre este país e a França, bem como a atual soberania americana, disfarçada sob o nome de globalização, pode-se perguntar se os textos desse gênio sem fronteiras acolhem ainda uma audiência, à altura de suas mensagens, entre os jovens e os literatos.

O século XIX marca o apogeu da cultura francesa no Brasil e a redescoberta do país pelos franceses. Tendo sido assinada a paz em 1815 com a França, uma missão artística convidada pelo monarca brasileiro, Dom João VI, com vistas à criação de uma Academia de Belas Artes, foi recebida com euforia pelos habitantes da cidade do Rio de Janeiro. Essa missão de artistas era constituída por pintores, escultores, um arquiteto, um gravador e um engenheiro, que influenciariam a evolução das artes e ofícios na região. O gosto pela cultura francesa era evidente, sobretudo o gosto pela literatura, como o constatam os viajantes Spix e Martius, em 1817:(1) "A literatura francesa, que conquistou neste país as camadas mais distintas e mais cultas, é a preferida. A propagação da língua e as grandes remessas de livros ultrapassam tudo o que se pode imaginar." A presença francesa não vai mais cessar de se diversificar, sobretudo através da língua e da moda, que são muito apreciadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia. No Rio, a considerável população de imigrantes franceses, exercendo todo tipo de ofícios, muito contribuiu para a revolução urbana da cidade.

O romantismo teve, no Brasil, fortes impactos políticos. O misticismo social e o messianismo revolucionário reforçaram a aura da Revolução Francesa e promoveram, de certa forma, as idéias abolicionistas. Victor Hugo era, então, o ídolo dos poetas e dos escritores românticos brasileiros, e também dos políticos. O próprio imperador Dom Pedro II foi um de seus mais ardentes admiradores e mais fiéis leitores. Ele visitou o poeta em 1877, durante uma de suas estadas em Paris, conforme se lê no livro de Gustave Rivet, Victor Hugo chez lui, (2) e conforme o registro contido em "Les carnets de Victor Hugo", (3) publicados pela Revue des Deux Mondes.

Segundo Carneiro Leão, autor de um dos mais completos estudos sobre a influência de Hugo no Brasil, "nenhum artista, nenhum escritor, nenhum homem de Estado, nenhum pensador nacional ou estrangeiro, teve, em nosso país, projeção igual à desse mago da poesia. De extremo a extremo da pátria brasileira, durante mais de cinqüenta anos, a originalidade de suas imagens, o flagrante de suas personificações, a audácia renovadora de sua língua, o mistério cósmico de seu sentimento religioso e a força revolucionária de seu estro conquistaram as inteligências e os corações". (4)

Os visitantes franceses, de volta das terras brasileiras, publicaram várias obras sobre o Brasil; (5) assim Charles Ribeyrolles publicou O Brasil pitoresco, mas morreu antes de terminar seu terceiro volume, e foi a Victor Hugo que se dirigiu a imprensa brasileira, pedindo-lhe o epitáfio para o monumento destinado a homenagear esse proscrito de 1851, expulso pelo golpe de estado de Napoleão III e que havia feito do Brasil sua segunda pátria. Hugo o enviou prontamente, acompanhado de uma carta calorosa ao povo brasileiro, escrita em Guernesey, em 4 de novembro de 1861, em Hauteville House.

A atração de Hugo pelo Brasil faz-se sentir também em alguns de seus textos, como o conjunto dos poemas consagrados a Rosita Rosa nas Chansons des rues et des bois, publicadas em 1865. A segunda e a sétima estrofes do poema "Gare!" revelam que a musa vem do Brasil e que ela tem pés pequenos, característica típica das mulheres brasileiras. (6) Em Les Travailleurs de la mer, encontram-se, também, alusões diretas ao Brasil: "Na cidade do Rio [de] Janeiro, ele tinha visto as mulheres brasileiras colocarem, à noite, em meio aos cabelos, pequenas bolas de gaze, contendo cada uma vagalumes (sic), bela mosca de fósforo, o que as deixa penteadas de estrelas". (7)

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