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Campeão de adaptações no cinema
Estado de São Paulo, Domingo 27 de maio de 2001 - Caderno 2

Cinco versões de 'O Corcunda', oito de 'Os Miseráveis', ele sempre foi favorito dos diretores

Quando Victor Hugo completou 80 anos, precisou ficar um dia inteiro na janela de sua casa, em Paris, para receber o afago das 600 mil pessoas que por ali passaram, para homenageá-lo. Poucos escritores foram tão amados.

Mas ele não era uma unanimidade. Sua carreira de autor engajado valeu-lhe inimizades e detratores. Ele sustentava que não era um escritor político, mas um homem livre. Esse homem livre foi adotado pelo cinema, que contou muitas vezes as histórias de seus livros mais famosos - Notre-Dame de Paris, rebatizado como O Corcunda de Notre-Dame na edição inglesa (de 1833), e Os Miseráveis.

Antes de virar desenho da Disney, O Corcunda foi filmado por Wallace Worsley, com Lon Chaney, em 1923; William Dieterle, com Charles Laughton, em 1939; Jean Delannoy, com Anthony Quinn, em 1957; e Michael Tuchner, com Anthony Hopkins, em 1982. A melhor de todas as versões é a de Dieterle e não apenas pela extraordinária criação de Laughton, o mais impressionante de todos os Quasímodos da tela. Dieterle, que foi discípulo de Max Reinhardt no teatro de Berlim, resume, com sua carreira, a própria evolução do cinema, do expressionismo ao apogeu e à derrocada dos grandes estúdios. A sua versão de O Corcunda expõe a complexidade do quadro histórico, mesmo que seja numa estrutura romanesca, e a cena do asilo, quando Quasímodo salva Esmeralda da morte e a esconde no santuário da catedral, é digna de figurar em qualquer antologia com os grandes momentos do cinema.

Cinco adaptações de O Corcunda de Notre-Dame e uma delas é animada, com direção de Gary Trousdale e Kirk Wise. É menos do que as oito versões de Os Miseráveis, que começam com a de Richard Boleslawski, com Fredric March como Jean Valjean, em 1935, e prosseguem com as de Lewis Milestone, com Michael Rennie, em 1952; Riccardo Freda, com Gino Cervi, também em 1952; Jean-Paul Le Chanois, com Jean Gabin, em 1957; Glenn Jordan, com Richard Jordan, em 1978; Robert Hossein, com Lino Ventura, em 1982; Claude Lelouch, com Jean-Paul Belmondo, em 1995; e Bille August, com Liam Nesson, em 1998.

Nenhuma delas é particularmente memorável e a mais interessante talvez seja a de Freda, um diretor hoje esquecido, mas que filmou no Brasil e, na Itália, assumiu a tradição de um cinema espetacular e popular, colocando-se nos antípodas do neo-realismo, do qual foi contemporâneo. Pode parecer bizarro, mas no melhor Victor Hugo do cinema ele é só uma referência - A História de Adele H., de François Truffaut, traz Isabelle Adjani como a infeliz filha do escritor e poeta, cuja obra é tão imensa que, segundo seu biógrafo, Graham Robb, é como contemplar um oceano.

Luiz Carlos Merten


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