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Brasileiros
amaram e traíram Hugo
Estado
de São Paulo - Domingo, 20.01.2002 - Caderno 2 - Cultura
Ele
influenciou de Alencar a Euclides da Cunha, mas sua ação
política não foi imitada
O
levantamento é da professora de literatura da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo Leda Tenório da
Motta: o nome de Victor Hugo aparece 23 vezes na Formação
da Literatura Brasileira, de Antonio Candido, 12 vezes na História
Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi, 16 vezes na História
da Literatura Brasileira, da italiana Luciana Stegagno-Picchio, e
mais 12 vezes em O Espírito e a Letra, de Sérgio
Buarque de Holanda.
Victor
Hugo e o romantismo francês - especialmente através dos nomes
de Alfred de Musset e de Chateaubriand - constituem, portanto, pilares
da história da literatura brasileira. Antes de qualquer outro motivo,
porque o romantismo brasileiro nasce, oficialmente, com a publicação
da revista Niterói e dos Suspiros Poéticos e Saudades,
de Gonçalves de Magalhães, na capital francesa.
Para
uma corrente de críticos, o movimento no Brasil é um decalque
do movimento francês (fazem parte das idéias fora do lugar
de que fala Roberto Schwarz); para outros, uma reapropriação
(ou deglutição) do que a Europa oferecia, num processo de
intertextualização.
"As
literaturas se freqüentam infinitamente umas às outras; os
escritores se seqüestram, mesmo, como aliás fez todo o romantismo
com Shakespeare, e Baudelaire com Edgar Allan Poe", defende Leda, para
quem não faz sentido "autorizar uma visão acabrunhada das
literaturas americanas, como 'galhos secundários' ou 'simulacros".
Um
dos leitores mais importantes de Victor Hugo no País foi José
de Alencar (1829-1877), autor de Iracema e O Guarani. "(Ele)
realizará todos os estudos no Brasil, em São Paulo, onde
simultaneamente à noções de direito (licenciar-se-á
em leis no anos de 1850) absorverá a lição dos grandes
counteurs franceses, de Chateaubriand a Balzac, de Victor Hugo a Dumas
pai, e a Alfred de Vigny: sem com isso renegar os grandes modelos ingleses
e norte-americanos, Macpherson, Byron, Walter Scott, Washington Irving
e mesmo Cooper", escreve Luciana Stegagno-Picchio. Outro nome que tem
em Hugo uma referência clara é Castro Alves.
Literaturas
francesa e inglesa concorrem no espírito dos autores brasileiros,
em sua busca de inspiração e de referências. Mas a
obra de Victor Hugo - apoiada por sua longa vida e por sua popularidade
na França - continuaria a influenciar os brasileiros mesmo depois
do romantismo.
Machado
de Assis traduziria um de seus livros - Os Trabalhadores do Mar.
Em Os Sertões, Euclides da Cunha também cita o autor
de Os Miseráveis. Mas, na opinião do professor de
literatura da Universidade de Brasília, Flávio Kothe (autor
de O Cânone Imperial), nenhum dos dois é fiel ao espírito
de Hugo.
Hugo,
como se sabe, não pode ter seu nome dissociado dos ideais da Revolução
Francesa, especialmente depois de sua "guinada" à esquerda e sua
crítica à restauração de Luís Bonaparte,
no dia 18 Brumário, quando, segundo Karl Marx, a história
se repetiu como farsa. O fenômeno não se repetiu no País.
Tanto
a obra de Machado de Assis quanto de Euclides da Cunha, na opinião
de Kothe, traem o espírito de Victor Hugo: "Eles lembram do santo
para perpetrar o pecado", defende. "Machado foi para outra direção,
identificou-se com a oligarquia e a ostentação acadêmica;
Euclides da Cunha não percebeu que em Canudos floresciam justamente
os ideais republicanos de igualdade e de divisão entre Estado e
Igreja, numa organização em que a liderança era popular."
A
cidadania literária que Victor Hugo concede a seus personagens
marginalizados não guarda, assim, correspondência no Brasil.
"Mesmo
para Castro Alves, o melhor que pode acontecer ao negro é voltar
à África." Contrariamente ao romantismo europeu, ligado
à s revoluções de 1848, o brasileiro assumiria um
caráter conservador: "Para o romantismo europeu, o real não
é o ideal; para o brasileiro, ideal é o real: País
é a própria utopia."
Haroldo
Ceravolo Sereza
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