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O bicentenário do gigante francês que humanizou as
letras no século 19

Estado de São Paulo - Domingo, 20.01.2002 - Caderno 2

Com determinação inabalável e talento de gênio, o autor de Os Miseráveis foi a grande voz da França em seu tempo e o defensor de todas as causas generosas

PARIS - O inconveniente de Victor Hugo é que ele se assemelha muito a um gênio. Não há um único erro na construção de seu destino ao mesmo tempo grandioso e trágico, ao mesmo tempo subversivo e acadêmico. A mais bela obra de Victor Hugo é Victor Hugo. Victor Hugo é a estátua soberba de Victor Hugo.

Em primeiro lugar, ele se livra de preencher a totalidade de seu século (o 19). Nasceu em 1802 e conseguiu não morrer antes de 1885. Como pai, escolheu um general do Império. Ainda criança, queima as etapas: aos 17 anos, ganhou um concurso nacional de poesia, o Jeux Floraux, organizado em Toulouse.

Quando escreveu seu primeiro romance, Han d'Island, tinha 21 anos.

Ele pressente que novos sentimentos sopram no século 19, depois do "abismo" da Revolução Francesa. Trata-se do "romantismo". Ele encabeça o romantismo e faz com que a apresentação de sua primeira peça, Hernani (1830), seja um alvoroço colossal, organizado com seus companheiros, o que o torna de um dia para outro universal, implacável.

Ele tem o apetite de um gigante. Come as lagostas sem tirar sua carapaça, as laranjas sem descascá-las. E tem o mesmo apetite pelo poder, pelas honras.

Salta como um tigre sobre tudo que está a seu alcance. Esse "revolucionário" da arte entra na Academia Francesa aos 38 anos. E como é monarquista, ele é "pair de France" em 1845. Poucos anos depois, foi eleito deputado em 1849 (após a sangrenta Revolução de
1848) na Assembléia Legislativa, no grupo dos "conservadores".

Assim, aos 47 anos, já havia conquistado tudo: academia, deputado, "pair de France" e líder dos "românticos". Com uma obra considerável, com belos momentos: Notre Dame de Paris (romance), Les feuilles d'Automne e dez coletâneas de poesia. Cinco ou seis
peças de teatro (como Le Roi S'Amuse, Lucrèce Borgia, Marie Tudor e, principalmente, Ruy Blas).

No que diz respeito às mulheres, bela colheita. Sua esposa: a encantadora Adèle Foucher. Sua amante: Juliette Drouet. Outra amante: Léonie Biard. E é preciso somar as prostitutas das quais gostava, como muitos poetas (gosto que jamais abandonou). Crianças, enfim, que ele adora e muito bonitas.

O que pedir mais? Está tudo no lugar. Ele anda nos trilhos. Basta acompanhar sua trajetória para ter certeza de que é o maior artista de sua época (como Voltaire e Chateaubriand antes dele), admirado por todos. É digno de ser sepultado um dia no Panthéon, o templo em que a França acolhe os restos mortais de seus grandes homens.

E, na verdade, foi enterrado no Panthéon, mas ali chegou por um caminho inesperado. Em 1850, seu destino fez um ziguezague extraordinário. O deputado "conservador" Victor Hugo, na Assembléia, surpreende seus colegas: faz discursos, discursos de esquerda.

Golpe - E eis que se apresenta a grande chance de Hugo: Luís Napoleão Bonaparte, o futuro Napoleão III, deu um golpe de Estado em 1851. E surge um Victor Hugo desconhecido, mais grandioso, mais genial, mais moderno que o primeiro.

Hugo se exila. Para protestar contra o "golpe de Estado", embarcou para a ilha anglo-normanda de Jersey (mais tarde para a de Guernesey). Lá, escreve um primeiro panfleto, terrível, contra Luís Napoleão: Napoleão, o Pequeno. A partir de então, até sua morte,
será o grande tribuno liberal, progressista, atento aos pobres, ao povo, à injustiça social e defensor tempestuoso, iluminado, da República.

Napoleão III, que treme por ter um inimigo tão poderoso, procura seduzi-lo.

Propõe-lhe, alguns anos depois, em 1859, a anistia e a volta à França.

"Não", diz Hugo. Continua no exílio. Escreve Os Miseráveis e William Shakespeare, em seguida Os Trabalhadores do Mar. E sempre, sempre, poesias.

A guerra de 1870 chega. A França é derrotada. Napoleão III é deposto. Hugo volta a Paris triunfante. Mas explode, então, a insurreição popular da Comuna, em Paris, que é esmagada pelos soldados da burguesia em um "banho de sangue".

E Victor Hugo, com toda razão desgostoso, assume todos os riscos. Já tinha oferecido asilo ao "membros da Comuna". Deixa Paris, instala-se em Bruxelas, acolhe ainda "membros da Comuna" perseguidos pela polícia, é expulso da Bélgica.

Gilles Lapouge
Correspondente


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