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CD celebra amor de Victor Hugo por brasileira
Estado de São Paulo - Domingo, 26.03.2002 - Arte e Lazer

'Ela Vem Deste Brasil' foi musicado por Frédéric Pagès e será lançado hoje no Salão do Livro de Paris

Reprodução - Victor Hugo eternizou em poema o amor por uma brasileira

PARIS - O poema com que Victor Hugo, aos 37 anos de idade, celebrou seu "amor louco" por uma adolescente brasileira de 15 anos, que ele conheceu na Suíça em 1839, virou afinal letra de samba-canção a ser lançado em CD, hoje, no Salão do Livro de Paris.

Ela Vem Deste Brasil é o título do poema musicado e interpretado pelo escritor e compositor brasilianista francês Frédéric Pagès, com arranjos dos mineiros Mauro Rodrigues e Juarez Moreira. Na capa do disco - gravado em Belo Horizonte, com tiragem inicial de 6 mil discos -, aparece o retrato de Victor Hugo banhado nas cores verde e amarela.

"O CD pode oferecer a notinha engraçada, descontraída, anedótica nessa vasta, grandiosa e grave programação em curso pelo bicentenário do nosso grande poeta, escritor e humanista, mas que foi também - e aí entra o samba - um mulherengo impedernido", declarou Pagès ao Estado, convidado a cantar a música num seminário da Sorbonne sobre Victor Hugo. O poema que deu samba foi extraído da coletânea Les Chansons des Rues et des Bois, na parte entitulada Gare! (Atenção!).

Como nos numerosos outros casos relativos aos amores extraconjugais e secretos do autor dos Miseráveis, pouco se sabe da passageira ligação da moreninha brasileira com o escritor, que a chamava carinhosamente de "dona Rosa, Rosita". Pelas pesquisas realizadas por Pagès e confirmadas parcialmente pelo próprio poema, "Rosa-Rosita" casou-se aos 14 anos com um suíço abastado, para se reencontrar viúva 10 meses depois.

Nesse vórtice crucial, Victor Hugo topou com sua futura musa brasileira, apaixonou-se na hora, sem ser correspondido. "Nosso poeta, na compulsão da paquera, enveredou um pouco pela pieguice de um adolescente em mal de amor, tratando-a de 'malvada, fonte de minhas desditas'. Forjou, em suma, versos não muito distantes daqueles cunhados pelos compositores brasileiros dos sambas canções de fossa típicos dos anos 50/60", observou Pagès. Este, com uma pitada de auto-ironia, só lamenta não ter, como intérprete, "o talento de Nélson Gonçalves para dar no disco a exata dimensão vocal da dor-de-cotovelo".

Do "letrista" Victor Hugo, para ficar no registro da fossa amorosa, poder-se-ia dizer que ele, na celebração de "Rosa-Rosita", lembra aqui e ali Adelino Moreira, o indescritível parceiro de Nélson, em a Deusa do Meu Bairro, por exemplo. No gênero, Hugo se derrama: "Tenho medo de tanta beleza/ Ele é alegre e celeste! Ela vem do Brasil/ Tão dourado que faz/ Do Universo um exílio." E vai em frente, na sua poética colegial: "Aos 14 anos casada/ Viúva 10 meses depois/ Ela guarda todo o orvalho/ Da aurora nos bosques profundos. Ela é ignorante e livre/ E sua candura a protege. Ela tem tudo, sotaque vibrante/ Canção triste e riso infantil/ Ela é a luz, ela é a onda/ É de se contemplar/ Como rainha e fada, e mar profundo/ Pelas pérolas que nela se vê/ O amor onde deslizam as almas/ É um abismo/ Tem-se a vertigem à beira das mulheres/ Como nas encostas do Etna."

E por aí se desembesta o desabrido apaixonado de "Rosa/Rosita", reavivando nos especialistas aos quais Pagès apresentou o disco, o perverso juízo de André Gide que, perguntado, certa vez, quem era o maior poeta francês, respondeu: "Victor Hugo, helás!"

Napoleão Sabóia
Correspondente


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