POR QUÊ?

É inegável a importância, para Minas Gerais e para o Brasil, de novas formas de apresentação do sertão para tradutores estrangeiros de Guimarães Rosa no coração do estado.

Queremos não só dar visibilidade para a obra do cordisburguense como também colocar o país na perspectiva de exportador de uma poética a partir das traduções do sertão produzidas num contexto mais cosmopolita e interativo. Levamos o ‘mundo’ (representado por tradutores de nacionalidades diferentes) para o ‘sertão’ (representado na cidade de Cordisburgo) e levamos o ‘sertão’ para o ‘mundo’.

Neste sentido, estamos buscamos uma abertura epistemológica: a tradução a partir do seu lugar de produção e idealização, mas com agentes não nativos. A inserção do tradutor estrangeiro na cartografia do sertão acabará por se estabelecer como um espaço pedagógico de integração entre culturas.

Queremos problematizar a versão de questões poéticas profundamente arraigadas na maneira de ser do sertanejo, estudar os contextos locais e abri-los para o cosmopolitismo que pretendeu a escrita rosiana. Produzir um pensamento teórico sobre a tradução da poética rosiana in loco, mas em relação dialética com falantes de outras línguas será pensar a tradução a partir do diálogo entre os potenciais difusores da literatura rosiana e “as coisas concretas” de Minas (e do Brasil). Além disso, a empreitada proporcionará abertura para novos estudos e pesquisas sobre a região sede do evento. Por este motivo convidamos um geógrafo, Heinz Dieter Heidemann (USP), para integrar a equipe.

João Guimarães Rosa foi sempre muito cioso da defasagem que seus tradutores enfrentavam na versão de sua obra para outras línguas.1 O escritor dedicou páginas e páginas de correspondências a esclarecer detalhes da região narrada, sutilezas de pronúncia, meneios de sintaxe, particularidades de um léxico específico e de suas criações a partir de outras línguas etc. a seus tradutores (Hans Curt Werner Meyer-Clason;2  Edoardo Bizarri;3 J.J. Villard;4 Angel Crespo,5 Harriet de Onis6); nisso ele também foi um diplomata.

Curvando-nos ao zelo do mineiro e entendendo a importância de promover traduções de qualidade de sua obra – que no nosso ponto de vista pode ser encarada como metonímia do Estado de Minas Gerais – escolhemos realizar, na cidade de Cordisburgo, um evento para disponibilizar a tradutores convidados toda a paisagem visual, tátil, gustativa e sonora da região.

Pretendemos discutir traduções em andamento e fomentar o interesse por novas traduções que privilegiem a perspectiva da tradução literária das obras rosianas, incluindo, no processo, o viés dos estudos da oralidade local (com seus fenômenos de variações dialetais) e do entorno real da principal obra de João Guimarães Rosa, o Grande Sertão: veredas em língua francesa, italiana, inglesa e alemã.

Nossa meta é a criação de uma residência de tradutores estrangeiros de Rosa no coração do Brasil: o Albergue do Audaz Navegante.


1 Segundo Edna Maria do Nascimento, “a correspondência diversificada de João Guimarães Rosa constitui documento valioso para testemunhar a gênese de sua obra. São cerca de 950 cartas (de 1934 a 1969) trocadas com amigos, parentes, estudiosos, editores. Na correspondência com tradutores, Edoardo Bizzarri (italiano), Harriet de Onis (inglês), Curt Meyer-Clason (alemão), J. J. Villard (francês), Angel Crespo (espanhol), o Autor, preocupado com a transcodificação precisa de sua obra, tece comentários sobre diferentes aspectos de sua construção e, quase sempre, elabora glossários.” (grifo nosso). Citação de NASCIMENTO. “A Correspondência Inédita de Guimarães Rosa e a Desconstrução de Formas Estereotipadas” in https://periodicos.ufsc.br/index.php/travessia/article/viewFile/17403/15979. Cf. também: ROSA, J. Guimarães. Correspondência inédita de João Guimarães Rosa. Arquivo Guimarães Rosa. Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Cf. igualmente HOISEL, Evelina. “João Guimarães Rosa: diálogo com os tradutores” Floema, n. 3, jan./jun., p. 87-102, 2006.

2 BUSSOLOTTI, Maria Aparecida F. M. Correspondência com seu tradutor alemão Curt Meyer-Clason (1958-1967). Tradução de José Paschoal. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira/Academia Brasileira de Letras. Cf. também: MEYER-CLASON, Curt. “João Guimarães Rosa e a Língua Alemã” Scripta, v. 2, n. 3, p. 59-70. 2, 1998.

3 BIZZARRI, Edoardo; ROSA, João Guimarães. J. Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor italiano, Edoardo Bizzarri. São Paulo: T. A. Queiroz; Instituto Cultural Ítalo Brasileiro, 1980.

4 AGUIAR, Márcia Valéria Martinez de. Traduzir é muito perigoso: as duas versões francesas de Grande Sertão: veredas – historicidade e ritmo. Tese. Orientador: Mário Laranjeira. Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2010.

5 MINÉ, Elza. “Ángel Crespo, tradutor de Guimarães Rosa.” Scripta, v. 2, n. 3, p. 89-99, 1998.

6 VERLANGIERI, Iná Valéria Rodrigues. J. Guimarães Rosa: correspondência inédita com a tradutora norte-americana Harriet de Onís. Dissertação Orientadora: Lenira Marques Covizzi.  Mestrado em Letras da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 1993.

 

 

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