Recteque Cicero his ipsis ad Brutum uerbis quadam in epistola scribit, nam eloquentiam, quae admirationem non habet, nullam iudico. Eandem Aristoteles quoque petendam maxime putat. (Quint. Inst. 8.3)
E Cícero, com suas próprias palavras, escreve acertadamente em certa carta a Bruto: “de fato, a eloquência privada de admiração, julgo-a nula”. Aristóteles, igualmente, pensa que essa mesma admiração deve ser buscada o máximo possível. (trad. Júlia Avellar)
Dando continuidade a questões abordadas por Aristóteles no livro III da Retórica, Quintiliano, passando por Teofrasto, Demétrio e Cícero, ampliou e estendeu as discussões sobre o estilo em sua Institutio Oratoria*, ao analisar termos como “correção”, “clareza”, “evidência” (ou enárgeia: a capacidade de, por meio do discurso, descrever vividamente uma imagem ou situação, como se ela estivesse perante os olhos do ouvinte), “propriedade” e "ornamento". Perguntamo-nos se seria pertinente discutir na atualidade esses termos e os conceitos a eles ligados, a fim de conhecer e compreender as manifestações literárias e audiovisuais por meio das quais autores buscam produzir persuasão. Por acreditarmos que a resposta seja positiva, convidamos – no mesmo espírito dos seminários anteriores – colegas de diversas áreas do conhecimento para, a partir de suas especialidades, voltar aos textos supracitados de Aristóteles (especialmente os capítulos 2 a 12 da Retórica) e Quintiliano (especialmente o livro 8, capítulo 3, da Institutio Oratoria), de modo a refletir sobre a pertinência que eles possam ter em nossas áreas de estudo.
Essa motivação acadêmica de retornar aos clássicos propõe-se como um diálogo de mão dupla entre textos antigos e contemporâneos, capaz de lidar tanto com “As Belas Letras” (e as belas imagens e obras humanas), como com a reflexão teórica sobre elas. No entanto, a escolha do conceito-chave – estilo (léxis) – teve ainda uma segunda motivação: o difícil momento pelo qual passamos no Brasil. O encontro pode (e deve) funcionar como um antídoto para, juntos, nos unirmos intelectualmente em busca de estratégias (também retóricas) para sobreviver em tempos de tamanha indelicadeza, grosseria, deselegância e falta de estilo. Razão disso são também as palestras de estudiosos tratando da atuação e do discurso político que justifica medidas e estratégias persuasivas visando a fins e meios que não se justificam, frente a um determinado conjunto de valores que, acreditamos, deveriam pautar a vida dos cidadãos em uma sociedade democrática.
Antes de concluir esta apresentação justificando os temas do terceiro Seminário, gostaríamos de explicar a escolha da imagem – um fotograma de um dos filmes de Humberto Mauro, Congonhas do Campo. Para os que vivem em Minas Gerais, é uma imagem bem conhecida: trata-se do símbolo impresso no expediente (e que já foi impresso na capa) do jornal Estado de Minas. Cremos que ela produza ainda aquela admiração da qual Aristóteles, Cícero e Quintiliano falavam. Como todos sabem, esse é um dos doze profetas esculpidos por Aleijadinho para o adro da Igreja de Bom Jeus de Matozinhos em Congonhas do Campo. Não deixa de ser interessante, no âmbito de nosso Seminário, que eles tenham tido destaque em três filmes dirigidos por grandes nomes do cinema nacional: Santuário, em 1952, de Lima Barreto, Congonhas do Campo, em 1957, de Humberto Mauro, e O Aleijadinho, em 1978, de Joaquim Pedro de Andrade. Aliás, a experiência de uma apreciação comparativa dessas três produções desses cineastas que se debruçaram sobre um mesmo objeto será possível durante o Seminário, constituindo, a nosso ver, um oportuno exercício de análise de estilo de narrativa audiovisual.
Além da beleza e elegância da imagem do Profeta Ezequiel, outra razão para sua escolha como figura representativa deste seminário foi ser ele a personagem que, no exílio (que não precisa necessariamente ser um desterro de fato, mas pode ser também um exílio dentro da própria terra, quando alguém se vê alijado da pátria, destruída pela barbárie de governantes inescrupulosos, agindo como tiranos), busca indicar os passos para a construção de um mundo novo, algo ao mesmo tempo inspirador e desafiador para todos nós. Nesse contexto, vale notar que o livro de Ezequiel é, segundo estudiosos da área, "a puzzling book, one that has led to all sorts of interpretations. It has been said that a bomb exploded inside the Book of Ezekiel and scattered its fragments in all directions. Then came various scholars who endeavoured to put these pieces together again, each one according to his individual criteria, not two of them agreeing as to the work of reconstruction” (veja em “An introduction to Ezekiel" aqui). Como os especialistas em Ezequiel, vivemos, atualmente, um momento deveras delicado para as humanidades em nosso país, tentando, levando a analogia ao limite, reunir interpretações acerca do que se passou e do que se passa, lutando para preservar (pelo menos no que acreditamos caber a nós), metafórica e concretamente, o valor do estilo, decoro e elegância nos planos estético, ético e retórico.
Destarte, são bem-vindos/as todos/as que queriam e possam se unir nessa empresa acadêmica e política.
As Organizadoras.
*Para este seminário, temos dois textso básicos que serão pontos de partida para as discussões e palestas:
Aristóteles Retórica III, 2-4; Quintiliano Institutio Oratoria (8.1; 8.3,1-90)