Cinco Cantigas para você contar

 

 

Hoje eu quero lhe contar, criança, sobre umas cantigas de brincar ou de ninar que aprendi com meus avós. As cantigas são cantadas há tanto tempo e tantos anos que ninguém sabe quem são seus autores. Toda mãe da minha cidade, quando era da minha idade, cantou também com os amiguinhos. E vocês vão aprende-la para contar para seus netinhos.

As cantigas, umas falam de violência e outras em sabedoria. Agora a gente vai recria-las na forma de uma história para os nossos dias.

As cantigas para você contar depois aos amigos, criança, é que a gente quer um mundo melhor, nisto a gente tem esperança.

Um lembrete: um cravo nunca brigou com a rosa em frente a uma sacada.

Escravos de jô
Jogavam caxangá
Tira bota
Deixa o zambelê ficar
Guerreiro com guerreiro
Fazem zigue-zigue e zás!...
(popular)

 

Foi assim que meu avô fugiu da tirania do senhor. Meu avô dizia que foi um negro fujão, tantas vezes era pego, tantas vezes fugia, porque não aceitava a escravidão. Cada dia era dia de um negro fugir para a realidade e de zigue-zigue e zigue-zigue e zás!... fugia do capataz.

Na outra senzala a situação não foi diferente. Com a escravidão ninguém era contente, só o senhor, que vivia dessa exploração.

Os negros brincavam na capoeira e, de golpe em golpe inventado, viram o jogo aprimorado para se defenderem do capitão do mato.

Vovó também dizia que seus tios e suas tias eram escravos-de-ganho e outros viviam na asa grande. Para ekles a casa-grande era pequena como uma gaiola e se sentiam feito passarinhos presos, para fugir dali dariam qualquer preço.

Os tios e mas tias iam vender na rua tudo o que o engenho produzia. Á tarde prestavam conta ao senhor e tão pouco poupavam para a sua alforria!...

As ruas eram largas... mas não podia reunir mais de três escravos havia sempre um capataz de olho... mesmo assim os códigos de luta funcionavam e a senha pregava rebelião. Maior do que o medo do chicote era o desejo de libertação.

Os tios e as tias também aproveitavam para alimentar os velhos que viviam nas calçadas sem roupa, sem comida, sem casa, depois da lei dos sexagenários. O senhor sanguinário não podendo deles tirar mais lucros os jogou ao pé do muro. Os sábios negros velhos! Quantas vidas sofridas, tantas vidas ensinadas, agora abandonadas pelas calçadas.

“Vou m’embora pra um quilombo, nada de chicote no lombo; no quilombo eu sou livre, não tenho senhor, não” – dizia vovô, negro fujão, que não temia capataz e de zigue-zigue e zigue-zigue, zás! Era um guerreiro, escravo nunca mais.

 

(In: Cinco cantigas para você contar. p. 2-5)