A criança negra na escola1
Consuelo Dores Silva
"... educação e respeitar um ao outro"
Para captar os sentimentos dos sujeitos de nossa pesquisa em relação a seus colegas brancos, pedimos que eles escrevessem sobre um tema específico: "O que eu gostaria que houvesse na escola pública, para que eu fosse mais feliz?"
Observamos nas redações que as crianças e adolescentes negros se queixavam dos constantes nomes com que eram apelidados, em suas interações, pelos membros de seu grupo de iguais:
"eu me sinto, quando eles me põem apelidos, meia engraçada meia boba; uns me chamam de baleia, e um menino que chama F. me chama de excesso defofura; e isso me dá uma raiva, e também tem uns que chamam de baleia assassina." (Sujeito D.M.)
Outro entrevistado relata:
"O meu apelido é Maria Sapuda, umbu, umbigo da Maria Sapuda."
Alguns dos alunos afirmaram:
"eu não gosto que põem apilido em mim, e eu tenho muita raiva deles, que me chamam disso. Quando eles põe apelido, eles me dimenui, eu pego, e começo a chamar eles também." (Sujeito C.S.)
"A J. me chamou de magrela seca. O F. me chama de excesso de fofura. O T. me chama de banana estragada.Eu me sinto muito humilhada. O T. me chama de magricela." (Sujeito B.P.)
"Quando eles me coloca este apelido, eu me sinto muito triste, e muito magoada por causa disto. Eu me levo esta coisa muito a sério. Tem uns que querem diminui a gente, tem uns que leva na brincadeira."
"Minha mãe nunca levou um apelido. Quando eu era pequenininha, minha mãe diz que ninguém colocava apelido nela."
"Em todas as escolas que eu estudei, ninguém colocaram apelido ni mim. Só quando eu entrei nesta escola, que eu ganhei os apelidos dos meninos."
"Minha mãe, meu pai, e meus irmãos fica muito tristes, quando fica sabendo, que eu levei este apelido." (Sujeito M.G.)
Segundo uma pesquisa feita por BARBOSA (1987), crianças negras são superprotegidas pelos pais que as levam a acreditar que não são diferentes de outras crianças. Seus familiares não receberam da geração anterior nenhuma orientação de como enfrentar situações de discriminação; não sabendo como agir, transmitem a seus filhos uma socialização carente de informações. Segundo a autora, em muitos casos, aconselham às crianças a não reagirem diante de manifestações de preconceito racial. Crianças negras na escola irá ser, no mínimo, conflituosa. Este estudo sobre socialização e relações raciais coincide com a visão goffmaniana da criança encapsulada.
Vejamos o relato de J.S, onze anos, e filho adotivo. Ele declarou:
"A mãe ensina a gente. Ela ensina tudo: a educação, a obrigação; a respeitar aos outros; a fazer amigos; e não brigar. Temos que combinar com os outros e não ser na base da ignorância."
Em outro momento, ele diz:
"Os meninos falam que minha mãe é negra. Não estou nem aí. Ela é importante para mim. Ela sabe ensinar ao filho o caminho certo: não ficar brigando na rua."
S.M., a segunda adolescente a relatar suas experiências, é uma empregada doméstica. Reproduzindo o conteúdo de uma discussão com um aluno branco, acontecida dentro da sala de aula, ela afirma que:
"F. me chama de negra, diz que meu nome é nome de escrava. Quando ele passa perto de minha casa, grita meu nome e me ofende com palavras."
Analisando a fala do aluno F., observamos que ela reproduz os estereótipos veiculados pela ideologia dominante de que o negro, por pertencer a uma raça que foi escravizada, é sinônimo de inferioridade. Assim, podemos inferir que o indivíduo, ao possuir o nome conotativamente relacionado à escravidão, é marcado, carregando consigo o estigma que lhe é atribuído.
Ao discriminar a sua colega negra, o aluno branco, na realidade, quer transmitir a ela a mensagem de que ele acredita pertencer a uma raça superior, a branca, que é o estrato dominante da sociedade. Portanto, "a identidade do outro reflete na minha e a minha na dele." (CIAMPA, 1986, p.59).
E.M., adolescente, é, segundo o que relata, também diminuída pelos colegas: "T.R. e M. me chamam de monstro, de vampiro. Acho ruim, porque querem me rebaixar, não me respeitando."
E.M., não possuindo os dentes superiores, tornou-se arredia a contatos. Se a identidade é construída a partir da percepção que temos de nós mesmos, através da interação com o outro, ela tem plena consciência de sua posição de inferioridade, perante os outros alunos, pois não ri, com medo das chacotas.
Prosseguimos com as declarações textuais de outros entrevistados:
"Quando alguma pessoa coloca apelido em mim eu me sinto humilhada e triste. Vou dar alguns apelidos: nega, umbu, filha do Mussum. Quem me chama destas coisas é o T." (Sujeito D. M.)
“Eles chamavam minha mãe de neguinha e pretinha. E ela ficava muito triste e xingava eles.” (Sujeito B. P.)
"Ele colocam apelido na gente e chama a gente de negrinha, pretinha e falam também: que meninha feia! Quando eles me chama de negrinha e pretinha eu fico triste e humilhada. Ele também chama a gente de bisorro, urubu." (Sujeito E.J.)
Segundo a Psicologia Social, a auto-estima, ou seja, o grau em que alguém gosta de si, depende das origens sociais do indivíduo, daí a importância destas origens na construção da identidade pessoal.
A auto-estima e o conceito de si próprio são indicadores da posição que a pessoa ocupa na hierarquia social. McDAVID e HARARI (1980) afirmam que grupos étnicos e religiosos discriminados nos anos 50, apresentavam indicadores de uma auto-estima fragmentada e sentimento de inferioridade. As origens sociais da auto-estima, como vimos, relacionam-se com a atratividade que uma pessoa exerce sobre a outra, e
(...) estudos ulteriores sugeriram que pessoas de status inferior e impopulares tendem ou a empregar considerável esforço para granjear a simpatia de pessoas populares (FREEMAN e DOOD, 1968) ou a subestimar sua própria rejeição feita por outros, superestimando a própria atratividade. (McDAVID, HARARI, 1980, p.178).
A sociedade dispõe de diversos meios, para controlar o comportamento dos vários grupos étnicos que a compõe e a socialização é um desses meios, porque ela é a chave da "aprendizagem social", na concepção de McDAVID e HARARI (1980). Crianças oriundas de grupos étnicos discriminados possuem uma baixa auto-estima, porque através da interação, terminam por se auto-perceberem como acreditam que os outros as percebem.
O discurso seguinte é de M.G.S., doze anos, que possui um metro e setenta centímetros de altura: "Na sala de aula, os meninos me chama de Máxi-mula, de Máxi-bombril. A L. e a V. falaram que meu cabelo era duro."
M.G.S. é discriminado devido à cor e ao tamanho e vive em constante atrito com os alunos que o apelidam. "Assim, há qualidades, escreve Jean Paul Sartre, que nos chegam unicamente através dos juízos do outro." (BOURDIEU, 1987, p.108).
Nota
1 - Originalmente publicado na obra Negro, qual o seu nome? (1995).
Referência
SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual o seu nome? Belo Horizonte: Mazza, 1995.