Povoando (a) si mesmo (e aos outros)

 Miriam Alves*

 

 

O corpo negro mirado no espelho
reclama atributo antigo

desejo além Narciso


obscenando partes

ao medo branco


escandalosamente

rindo


o corpo negro

em reflexo midiático

reafirma padrão

a centenas de outros

possibilidade

de enegrecer a miragem


outrora refletido

em ângulo tímido

aponta nariz preto

cabelo crespo

contornos distintos


partes de um ser lindo

agora

por inteiro

rindo


Sergio Ballouk


2021

 

 

 

Fazer prefácio, para mim, é despir-se para ler, é abrir-se a sensação de cada construção poética, é deixar ser tocado na sensibilidade sem armaduras ou preconcepções. A partir do ato da leitura, transformar em palavras as sensações afloradas. Assim, trago a vocês a minha interpretação do novo livro de poemas de Sergio Ballouk.

Sergio traça desdobramento de memórias e colchas num Recital de Pedras, trazendo à tona as emoções que circulam entre o desejo, amor, a ternura, a raiva e todas as outras, passíveis da vivência humana. As linhas poéticas delineiam sentimentos que trafegam nas várias estradas entre: gozo, desejos, realidade.

O verso do poeta, que em alguns poemas, recorre à concisão não arrefece a força, aponta para outros caminhos em que há pedras, mas diferente do que se possa esperar, não são obstáculos, e sim alicerçam, nos preparam para a outra página na qual somos levados por uma enxurrada do versar do homem-menino, que nos comove e nos conduz a um rio no qual flutuamos, até a queda da cachoeira.

Ao emergir do mergulho, alcançar a margem pedregosa, somos acalentados pela mãe do rio, percebemos que fomos tocados pelos versos e reconhecemos o poder do senhor que movimenta as montanhas, que faz rolar as pedras e as tira de nosso caminho, quando no caminho há uma pedra, nos fazendo caminhar com a habilidade de girar vida.

E, assim, convido-os a se abrirem e a caminhar e perceber que as pedras recitam. Deixem-se levar.

 

Referência

BALLOUK, Sergio. Recital de pedra. Prefácio de Miriam Alves. São Paulo: Avangi Cultural / Elo da Corrente Edições, 2021.

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Assistente Social por formação, Miriam Alves figura entre as mais destacadas autoras da literatura afro-brasileira de todos os tempos. Como poeta e ficcionista, participa de inúmeras antologias brasileiras e estrangeiras. É autora de Momentos de busca (poesia, 1983); Estrelas no dedo (poesia, 1985); Mulher mat(r)iz (contos, 2011); Bará na trilha do vento (romance, 2015); e de Maréia (2019, romance).

 

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