Há muito não passeio pelos parques da cidade…

Adélcio de Sousa Cruz*

Talvez, depois de certo tempo, me sinto crescido demais para isso. Surpreendi-me com estes versos peraltas que pareciam querer me lançar para fora da cadeira diante da mesa, da poltrona diante da TV, da recolha sob os cobertores em plena cama de inverno que quase finda. Aberto pra gente brincar de balanço traz o apelo sério-brincalhão do dia em que, a maioria de nós, apenas ensaiávamos ser crianças... E esse dia já vai distante... Já os versos deste livro não. Exatamente por não ter a pretensão de imortalizar-se (consegue rir das academias da boa forma), o poeta deixa claro seu convite: vem brincar com as palavras que aqui foram colocadas ao seu dispor...

Ser professor e crítico de literatura podem se tornar profissões muito sérias (e às vezes um tanto quanto áridas)... Ser “leitxr” pode ser bem mais divertido! E foi justamente esse presente que o livro me proporcionou: ler com olhos desnudos e desinteressados. Tem intertextualidades para todos os gostos: “leitorxs” de Shakespeare, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e outro mineiro que volta e meia precisa sempre ser redescoberto: Adão Ventura.

Não ficou satisfeito? Esse “eu lírico” que joga com as palavras do cotidiano, muitas vezes indigesto, também ouve músicas, de vários estilos sinfônicos, pois aqui, sinfonia pode des-significar-se em tudo que ouço e me torna sereno, ou ainda, tudo que ouço para despertar o mundo, como o canto da cigarra ou do solo de uma guitarra elétrica. Eclética é a “letraria” não dilapidada e exposta nesta vitrine. Lembrete capital: o objeto livro pode ser encontrado para venda, já o poeta não.

Como apresentar um livro e não ser crítico literário? Vou abrir apenas algumas janelas com o poema-verso: “quantos beijos se perderam no deserto do orgulho?”. Talvez a ausência de serenidade do mundo cotidiano se dê pelo excesso de orgulhos dos mais diversos... é claro que para combater tanta proteção geográfica demarcada por fronteiras e muros não pode nunca faltar o humor. Por essa razão, “não chame meu recreio de intervalo”, aponta a câmera-dedo para o rol das obrigações que não admitem a mínima coexistência com os prazeres, sejam estes da carne e/ou do espírito. Ainda, nesse mesmo “meio-de-campo”, surgem os versos “quando o coração bate no bolso/a mente perde o valor”. Uma das consequências possíveis é a bem-humorada tradução de certo estado de espírito de boa parte desta “pós-modernidade” ou dos “neo-modernos”: “depressão/brejo/de cabeceira”.

Comecei esta breve conversa com a necessidade de voltar a passear nos parques... era lá que costumava me encontrar com os balanços... O livro de Marcos Fabrício remete a esse lugar e dia mágico – parque e final de semana – mesmo nessa era de inocências perdidas. Não posso deixar de reforçar o convite: que venham “leitorxs dispostxs” a brincar no balanço construído com versos por esse eu lírico que, na verdade, pode ser mais o “simples desejo” de sermos esse “nós” (primeira pessoa do plural – que poderia/deveria ser apenas “pessoas do plural”!), bem no estilo coletivo... vozes coletivas, ao sabor do balanço! Quase esqueci: para brincar de balanço, temos que tirar os pés, de preferência descalços, do chão.

Viçosa,
Maio de 2017.

Referência

SILVA, Marcos Fabrício Lopes da. Aberto pra gente brincar de balanço. Recanto das Emas, DF: Edição Independente, 2017.


* Adélcio de Sousa Cruz é doutor em Letras, Estudos Literários (UFMG), professor de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura do Departamento de Letras da UFV; pesquisador dos núcleos NEIA e NELAP, ambos da UFMG; autor de Narrativas contemporâneas da violência: Fernando Bonassi, Paulo Lins e Ferréz (7 Letras, 2011).

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