Sem fantasia para discutir violências:

a realidade periférica brasileira em contos

Alen das Neves Silva*

Anamaria Alves**

 

 

 Quando tristeza e medo perduram por longo tempo, tal estado é melancólico
(HIPPOCRATES, 1995)

 

A escrita de Elisa Pereira é arrebatante e em sua estreia na literatura brinda a seus leitores com uma poesia que deixa marcas na pele, na alma e na consciência. A escritora embrenha-se na narrativa em sua mais recente publicação, o livro Sem fantasia. Este traz Histórias necessárias e urgentes que são convertidas em estórias. Por meio de uma escrita apurada e impactante, os contos assumem uma ficcionalidade cirúrgica ao guiarem o leitor a uma reflexão sobre os temas abordados.

Ao se mencionar temas, é importante a compreensão de que Elisa coloca em discussão a violência doméstica, a perda, a improdutividade, a negligência familiar, a naturalização e a banalização do crime organizado e da violência, entre outros que expressam o panorama da contemporaneidade brasileira, ou melhor, de nossa História longínqua e atual. Com uma escrita desconfiada, Pereira resgata sua mineiridade e, também, expressa algumas de suas referências literárias, por exemplo, a também mineira Conceição Evaristo.

Os leitores poderão notar o resgate e a expressividade, com Evaristo, na temática, na escolha de suas personagens e, claro, na linguagem sem fantasia que se produz, quando os fatos e as situações cotidianas são capturadas por olhos d’água, dos quais escorrem as insubmissas lágrimas que compõem a vida de suas personagens, que ninam afetuosamente os meninos e as meninas grandes desta sociedade assolada pelo descaso do poder público.  

A obra é composta por 22 contos, que em uma primeira leitura não possuem um fio condutor, porém, o que os une é a naturalidade e a crueza com que os narradores relatam as Histórias-estórias de uma parcela específica da sociedade, a negra e periférica. Para expor a realidade, Pereira convida seus leitores para um tour pelos cenários particulares e públicos que compõem o espaço periférico brasileiro. Seus personagens se encontram em ambientes de poder como a escola, a favela e de intimidade como a casa, o bar, o quintal e seus pensamentos e sonhos. 

 A obra é aberta com o conto “Cotidiano”, o qual discute a intervenção militar nas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, com instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras – UPP´s – esse ato traz à tona o sentimento de não-humanidade da população negra e periférica. As páginas tratam de espaços exclusórios de onde advém a necessidade de resistir e de buscar sua identidade, uma vez que habitá-los é a chancela para que os moradores do asfalto os inflijam a alcunha de bandidos, delinquentes e de escória social. Para demonstrar que o racismo e a exclusão desta parcela são estruturais, Pereira diz que, “ Nas ruas da perifa, não há troncos nem chibatas. Só camburões e tiros.” (p.15).

Não restam dúvidas, houve apenas uma evolução, e adequação, dos mecanismos de tortura e de coerção que se inflige à população negra. Sabe-se que o surgimento da polícia ocorre com o fim da escravidão nos Estados Unidos da América, pois então era necessário “proteger” as pessoas e seus bens de possíveis ataques e saques. E no Brasil, pode-se dizer que o argumento foi e se mantém o mesmo. Hoje, tem-se incontáveis exemplos da “proteção” prescrita pelos EUA. A cada página aberta, acessada ou assistida dos veículos de comunicação, sempre se depara com uma violência, às vezes gratuita, contra a população negra e periférica que resulta em sua extinção e extirpação.

Elisa Pereira resume essa situação no último parágrafo do referido conto. Ela exemplifica com a morte de uma criança. Assim, relata:

 – Assassinos! Vocês mataram meu filho. Ele era só uma criança!
Uma criança preta, pobre e periférica. Silêncio. A mulher carrega o filho morto, sem lágrimas. Os ônibus voltam a circular, as padarias, bares e restaurantes levantam suas portas.
Tem gente correndo, só que, agora, apressada para o trabalho.
A vida segue. (p.16)

É notório que a morte da pessoa negra seja tão corriqueira, ou melhor cotidiana, que não se pode parar as atividades da sociedade, mesmo que o executor seja o Estado. Pereira inicia sua obra demonstrando como a naturalização da violência é estruturante da sociedade brasileira. 

Outro tema presente na escrita de Pereira é a infância, mais especificamente a psiqué infantil negra e periférica. Sobre a infância, De Lajonquiere afirma que “resulta a infância como marca e realidade psíquica, efeito do usufruto temporal instalado como possibilidade pela demanda educativa; mas de tal processo instituinte resulta também o real da infância, ou seja, o suplemento – o infantil – que cinde o sujeito produzido.” (DE LAJONQUIERE, 2006, p.92), será apoiada nesta prerrogativa que se dará a análise das figuras infantis, pensando em sua psiqué e como esta é afetada tanto pelo ambiente quanto pelas situações exteriores e as vivências.

A autora apresenta o conto “Rito de passagem”, no qual discute a perda em suas linhas. A personagem principal, Sara, é cercada de cuidados pela mãe para que não sofresse decepções, mas de uma, a progenitora não foi capaz de privá-la: a perda de sua companheira, Júpiter, a cachorrinha. No decorrer do texto, Pereira incita reflexões sobre como a perda pode, e é, um fator de evolução pessoal e emocional. A percepção que sua companheira não se encontra mais em sua casa, a transporta para uma etapa necessária da vida, porque sua fortaleza desmorona. A narradora inscreve este momento assim:

Ao voltar, sentiu falta dos latidos da cachorra, que normalmente já se sentia seu cheiro de longe. Não teve festa. Júpiter havia fugido. Desesperada, Sara procurou por todo o quintal, saiu pela vizinhança perguntando se alguém tinha notícias do paradeiro de sua amiga. (p. 22).

A partir deste evento, a autora traz à baila a noção de decepção e de incapacidade dos sujeitos diante das relações que se podem vivenciar, e que foram provocadas pela perda. Sobre a perda, é relevante destacar que se trata de um processo no qual o sujeito pode escolher dois caminhos, o de se isolar e sofrer ou o de evoluir e aprender. A personagem de Pereira passa por ambos, pois em um primeiro momento se isola e não vislumbra mais sentido para seus dias. No decorrer da narrativa, Sara aprende que pessoas, animais e coisas podem ser perdidas, mas os momentos, os bons e os ruins, permaneceram com quem os perdeu, sendo esta a reflexão que Pereira traz neste conto. 

Entre “Cotidiano” e “Sem fantasia” é possível viver experiências impactantes. Será por meio destes dois contos que a autora propõe um exercício imaginativo entre o ambiente macro da favela, ou seja, sua dimensão espacial, e as relações interpessoais que se materializam na convivência dos sujeitos periféricos em suas várias células, como casas, padarias e bares, e o ambiente da micro-estrutura onde vivia Eva, uma criança negra e periférica. A família desestruturada, a falta de dinheiro e sete filhos, sendo Eva a sétima. Elisa mostra o microcosmo da casa na periferia e, também, enuncia o que havia dentro da mente da criança. Ela mostra que, “Eva não entendia bem o que acontecia, mas sentia pena dos seus pais. Será que viver era aquilo? Indagava-se enquanto assistia pés dançantes em meio à guerra.” (p. 39). No primeiro conto vemos a guerra explícita na comunidade periférica, já em “Sem fantasia” esta se situa dentro de uma casa periférica e da psique infantil em meio a todas as batalhas.

No conto, os pais de Eva, que deveriam ser protetores e educadores, passavam a maior parte do tempo lutando entre si. A menina afirma que teve conforto no ventre da mãe e quando saiu, tudo mudou. “Eva imaginava que os nove meses de estadia no ventre da mãe a tinham deixado confusa. É que, lá dentro, sentia-se no paraíso, estava empolgada com a vida; depois a realidade bateu no ventre de sua mãe.” (p. 39).  Isso tornou a criança confusa desde seu nascimento, e a autora traça um paralelo que vai ao encontro de teorias psicanalíticas desde Otto Rank e Sigmund Freud, nos primórdios da psicanálise, até os teóricos da atualidade como elucida Sérgio Gomes da Silva na Revista Psicologia clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

É uma relação na qual o par mãe-bebê se comunicará pela relação recíproca que foi desenvolvida desde a concepção, passando pelo desenvolvimento do bebê em útero, até o instante do nascimento. A partir daí uma relação de confiança e mutualidade vai se estabelecendo, caso tudo corra bem. O bebê reconhecerá a voz da mãe e o calor do seu corpo, assim como já vivenciava tudo o que se passava na interioridade do corpo materno. A mãe, por sua vez, desenvolverá uma relação simbiótica com seu bebê e estabelecerá, com ele, uma comunicação pautada em experiências não verbais, oferecendo-se como o primeiro ambiente do qual o bebê precisa para se desenvolver emocionalmente. É essa relação que constituirá o psiquismo do bebê, seu mundo interno, seu interior e seu self. (SILVA, 2016, p. 7).

A psiquè de Eva age sobre sua realidade desde o ventre até o momento em que se encontra embaixo de sua cama, lugar onde busca a proteção e o conforto que não possuía desde que nascera.  A narrativa “Sem Fantasia” pode ser considerada como a mente de Eva, uma vez que esta está em meio a um turbilhão de informações, que foram geradas por um macrocosmo cheio de mortes diárias que infligem uma guerra em seu microcosmo, no qual serão geradas as batalhas de confusão mental, que a frágil menina será vítima. Em “Cotidiano”; temos a morte de uma criança, que poderia ser como Eva, perdida em meio ao caos do macro e/ou do microcosmo; até que a polícia mata o pequeno e a periferia volta a ser o que era em algumas horas. Ignora mais uma morte. A criança, em “Sem fantasia”, pensava que nem mesmo deveria ter nascido e o sentimento de não pertencer anteriormente citado vem à tona na seguinte passagem do conto, “Nasceu duvidando que realmente deveria estar ali.” (p. 40); dessa forma, a incerteza é um sentimento que acompanha, assim como a Eva, essa parcela da sociedade que sente em sua pele a exclusão que a cor, a classe social e o lugar que reside traz consigo. A obra de Elisa Pereira propõe uma experiência de empatia aos leitores. 

A sensação infantil de não pertencimento e o amadurecimento precoce devido à negação da inocência infantil à Eva, podem levá-la a diferentes caminhos a partir do momento em que ela compreende que a vida, especialmente a da periferia, é conduzia sem fantasia, apenas com projeções que poderão ou não se concretizar. Essa tomada de consciência se dá por meio de uma ação que Pereira registra com essa frase; “saiu de debaixo do sofá para ver o mundo.”(p. 41), quando a autora promove esse movimento percebe-se a necessidade que o ser humano possui de romper e de finalizar ciclos em seu processo de amadurecimento e de tomada de consciência sobre situações de sua vida. 

Outro tema potente na obra de Pereira é a retomada de vivências, lugares ou pessoas que, de certa forma, fizeram (ou fazem) parte de sua vida. A esse exercício Gaston Bachelard propõe a noção de que se o adulto revisitar a casa e as memórias da infância, que permanecem intactas em sua psiquè o sujeito “(...)bem sabe que a casa mantém a infância imóvel em seus braços” (BACHELARD, 1978, p. 202). Em Sem fantasia, Elisa Pereira apresenta contos entrelaçados que nos atrevemos de chamá-los de bachelarianos, como por exemplo, o conto homônimo e o que a personagem Suelen protagoniza “Metanoia”. O entrelaçar ocorre quando esta, casada com Marcos, sofre a mesma violência doméstica que Eva, no conto “Sem fantasia”, presenciou durante sua infância embaixo da cama. O conto não especifica, mas se considerarmos Suelen como uma projeção adulta da menina Eva e afiançarmos que ela se tornou protagonista de sua própria psiquè, acostumada à violência desde a mais tenra idade, temos a “revisita” à casa da infância e suas violências dentro da psiquè da mulher, e não apenas isso, dentro de sua casa, quando é espancada várias vezes antes de decidir ir embora.

O conto "Metanoia'' expressa exatamente seu significado, que segundo o dicionário Aurélio é uma mudança que resulta ou é motivada por algum tipo de arrependimento. Remorso por alguma falha; penitência, ou seja, Suelen após um espancamento grave, move-se para encontrar a saída daquela situação degradante que quase a matou. Sobre esse momento, Pereira escreve que Suelen “Tomou banho, fez uma pequena mala. Sentou-se na cama pela última vez e escreveu um bilhete: Marcos a Suelen mudou. Abriu a porta e saiu.” (p. 63). Nota-se que as relações nas famílias de periferia são permeadas por violências, que promoverão metanoias sem fantasias, pois o cotidiano é impregnado de ritos de passagem que irão formar os envolvidos. 

É interessante observar o jogo imagético que Elisa propõe entre contos “Metanoia” e “Sem fantasia", nos quais a agressão que as mulheres sofrem tem um elemento físico comum: a cama. No primeiro, a última vez que Suelen foi espancada foi sobre sua cama, já no segundo, Eva esconde-se embaixo da cama e ouve o pai espancar a mãe. O livro expressa a intimidade que a cama carrega em si de refúgio e segurança é desmantelada pelas situações de violência que as mulheres são vítimas ou testemunhas impotentes diante das realidades de uma vida periférica e marginalizada. A obra, também, mostra a dança da violência e do caos no microcosmos da periferia. Na costura invisível entre os dois contos é possível notar a visita de Suelen à sua possível casa da infância, onde esta poderia ser Eva. E no final surpreendente, onde a mulher toma a decisão de mudar seu destino, a autora mostra que, apesar de haver a infância triste e de mentes serem abaladas através disso, a mudança é possível.

Ainda analisando o conto “Metanoia”, o leitor se depara com uma estratégia literária que Elisa utiliza que captura situações corriqueiras nas relações tóxicas. A questão é a de se minimizar as atitudes violentas dos homens, e não será apenas neste conto que se nota o fato, em “A greve” também. Observem as passagens

Como a violência havia se apossado daquele pai e estendido suas garras sobre aquele homem? (p. 25)

Mas eu era uma criança e, talvez, por isso, também não pudesse compreender por que o senhor Paulo segurava seu filhinho recém-nascido pelos pés e ameaçava rasgá-lo com uma faca, na porta da minha casa. (p. 30)

Em ambas passagens é possível notar que os narradores, ao trazerem a dúvida de em sua fala, minimizam a realidade violenta que estes homens infligem às pessoas. O ponto crucial é o acesso aos estereótipos que a sociedade tem, ou seja, um pai jamais será capaz de fazer mal aos seus e, também, a voz infantil, que tem a inocência como premissa, e assim o que diz pode ser uma impressão. Como a própria criança incute nos leitores sua condição e a ela a incerteza e que não se pode confiar plenamente, pois as crianças são impressionáveis com maior facilidade. Este fato pode gerar confusão no que realmente acontece. Mas é aí que se encontra a habilidade narrativa de Pereira, pois no conto “Pão nosso de cada dia”, ela dá voz ao agressor, que irá confirmar o exposto pela criança. Ele, o pai, terá uma atitude que é comum nos agressores quando é necessário parecer inocente; a narradora descreve a atitude do Pai assim, “O homem, por fim, se rendeu, sentou-se no meio-fio e chorou como uma criança perdida e solitária.”(p. 31). Nota-se que o recurso é o choro, porém não um qualquer, o infantil porque este carrega em si a inocência e a inexperiência que validam as atitudes nefastas que fez ou pretendia fazer. Não é distante essas atitudes, hoje basta ligar a tv ou entrar em site de notícias que estarão alí os “incompreendidos infantis agressores”, que em momento de fúria ou de embriaguez agiram de maneira incoerente com sua postura rotineira de homem trabalhador. E neste cenário, na maioria dos casos, a sociedade se condói destes sujeitos. A partir desta resposta, a sociedade apenas apoia que atrocidades ocorram, bastando que o agressor derrame alguns segundos de lágrimas e estes se tornem as vítimas. 

A autora traz uma reflexão superinteressante sobre a violência e o crime. No conto, “A formatura”, Elisa descreve como ocorre a evolução dentro do tráfico que opera nas comunidades. É nítida a discussão sobre a banalização da violência e do crime organizado, demonstrando que tanto um quanto o outro são, às vezes, a única possibilidade de ascensão dentro daquele espaço.  

No conto, a autora expõe o percurso que um menino faz para se tornar alguém dentro de sua realidade. A narrativa trata de um jovem que está sozinho e sem referências maternas e paternas e então, ao se sentir acolhido pelos “manos do morro”, quer crescer e se tornar um deles. Essa inserção é descrita assim

Desde moleque, tinha a sorte de ser recrutado. Fora treinado nas corridas. Tinha de dar volta no morro todos os dias e se afrouxava no caminho, deveria começar todo o percurso novamente. Não tinha moleza. Era assim, quem quisesse fazer parte da Equipe de Elite do Morro, precisava provar seu valor: correr, guardar segredo, ficar horas sem comer ou tomar água. (p. 65)

Este é o primeiro passo para se graduar no crime, que para o protagonista é a única saída, ou melhor, forma de se manter na periferia. Para isto, a dedicação é imprescindível e a autora documenta uma questão presente nestes espaços socioculturais, a valorização da “profissão criminoso”.  Demonstra toda a organização e exigências para ser membro desta sociedade e, ao intitular seu conto de “A formatura”, revela que para ascender na carreira é necessário especializar-se. E que, por meio destas duas situações, ocorrerão a valorização e o reconhecimento dos e pelos pares. Afirma a voz narrativa: “enfim ele fazia parte de alguma coisa importante. Ficou emocionado. Chorou e sentiu uma gratidão gigante pelos manos que sempre haviam acreditado nele.” (p.66). O sentir-se parte pode ser notado pelo uso dos vocábulos “manos” e “acreditado”, porque se percebe a intimidade dos participantes do grupo, que será reforçada pelo fato de acreditar, ou seja, viam nele um igual que merece o respeito. Em relação à valorização tem-se o seguinte relato, “Lá estavam os manos, reunidos. Havia mais nove moleques recebendo fuzis, parecia uma formatura. Depois do juramento de fidelidade absoluta à causa, as “bunita” foram entregues. Que responsa!” (p. 66). A autora demonstra a valorização  da fidelidade entre os que enveredam pelo o mundo do crime, fato que possibilita crescer e possuir uma identidade naquele contexto, pois ser bandido é ser alguém que se destacou dentro do sistema de invisibilidade a que a favela é submetida pela sociedade. 

No mesmo conto, tem-se o orgulho da pertença que se mescla com a inocência, imprudência e sagacidade que a infância confere aos sujeitos. Assim, o narrador diz como o mais novo graduado da favela se sentia, ele no “Fim da formatura, com sorriso estampado na cara, começou a descer o morro de volta. Descalço, cheio de orgulho, sem camisa e de peito aberto para a vida.” (PEREIRA, 2020, p.67). Será apenas deste modo que conseguirá se sobressair numa sociedade opressora, que exclui os sujeitos periféricos por sua raça, classe social e condição financeira. Diante deste cenário, a alegria do menino, sim ele é um menino, ganha traços de vitória mesmo não tendo consciência que o caminho pode ser curto, tortuoso e torturante. Qual será o diploma que receberá no fim da cerimônia de formatura? A possibilidade da morte ou da prisão. 

Sem Fantasia abarca temas que incomodam. Com sua escrita crua e simples consegue propor reflexões sobre o que é uma favela, as relações interraciais, as questões de gênero, os relacionamentos tóxicos e as violências contra a mulher. Com estes temas, a escrita ganha corpo e aponta para a realidade, tornando-se dolorosa, mas fundamental a quem deseja romper barreiras e conhecer melhor o Brasil e todas as suas versões. Para transpor tais obstáculos é necessário que se viva sem fantasia a realidade que o país oferece aos seus sujeitos marginalizados.

Belo Horizonte, dezembro de 2020.

Referências

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 202.

DE LAJONQUIERE, Leandro A Psicanálise e o Debate sobre o Desaparecimento da Infância Educação & Realidade, vol. 31, núm. 1, enero-junio, 2006, pp. 89-105 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3172/317227043003.pdf Acesso em: 17/12/2020.

HIPPOCRATES. Corpus Hippocraticus, I-V, edição G.P.Gould, The Loeb Classical. Harvard University Press, Cambridge, 1995. 13. 

PEREIRA, ELISA. Sem Fantasia. Belo Horizonte, 2020.

SILVA, Sérgio Gomes da. “Do feto ao bebê: Winnicott e as primeiras relações materno-infantis.” In.: Revista de Psicologia clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016. p. 29-54. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v28n2/03.pdf Acesso em: 01/12/2020.


* Alen das Neves Silva é professor, graduado e Mestre em Letras, Estudos Literários, pela UFMG e pesquisador do NEIA – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade – desta Instituição.

** Anamaria Alves é professora, graduada em Letras pela Universidade do Estado de Minas Gerais.  E pesquisadora do NEIA – Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade – da FALE-UFMG.

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